Presidente do Ibda alerta que abusos em recuperações judiciais podem retrair crédito privado ao agronegócio
Renato Buranello afirmou nesta quarta-feira (3), em Brasília (DF), que o setor já é majoritariamente financiado por capital privado e que distorções na aplicação da RJ aumentam o risco e ameaçam a continuidade das operações.
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (Ibda) e vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Renato Buranello, afirmou nesta quarta-feira (3), em Brasília (DF), que o agronegócio brasileiro vive um momento de avanço regulatório no crédito, mas de crescente insegurança jurídica na aplicação da recuperação judicial. Segundo ele, abusos e distorções no uso do instrumento estão levando financiadores a rever operações e podem provocar uma retração ainda maior do crédito privado ao setor em 2026.
Buranello lembrou que o agro é uma cadeia integrada que envolve fornecimento de insumos, produção dentro da porteira, armazenagem, logística e distribuição de alimentos, fibras e bioenergia. Disse que, nas regiões em que essas atividades funcionam de forma articulada, há desenvolvimento econômico e social mais visível. Nesse contexto, destacou que a segurança jurídica precisa ser vista como proteção de uma “rede de negócios” sustentada por contratos que alocam riscos entre diferentes agentes.
Ao tratar do financiamento, Buranello resgatou a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural, há cerca de cinco décadas, que impulsionou produção e produtividade. Mas afirmou que, nos últimos anos, as restrições orçamentárias tornaram insuficiente o crédito rural oficial, abrindo espaço para a expansão do capital privado e do mercado de capitais. Ele citou operações comerciais, barter, tradings, antecipação de preços e instrumentos como CPR, LCA, CRA, fundos imobiliários e Fiagros. Segundo Buranello, a soma dessas modalidades faz com que o crédito ao agro seja hoje “mais privado do que público”, com Fiagros administrando mais de R$ 40 bilhões.
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (Ibda) e vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Renato Buranello. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
“Crédito só entra onde pode sair”, afirmou, ao defender que não há fluxo de financiamento em ambiente de incerteza. Para ele, a legislação recente – como a Lei do Agro e normas sobre títulos do agronegócio – indica a direção de fortalecimento dessa base privada. No entanto, decisões e interpretações que desconsideram a lógica da cadeia integrada acabam, na prática, alterando a alocação de riscos e elevando o custo de financiar o setor.
Buranello apontou o aumento expressivo de pedidos de recuperação judicial como um dos sinais de distorção. Ele reconheceu que há casos em que a RJ é necessária, diante de quebras de safra, margens comprimidas e custos maiores de insumos, mas afirmou que o mecanismo vem sendo utilizado também como instrumento de proteção patrimonial. Segundo ele, alguns produtores entram na recuperação sem plena consciência dos efeitos colaterais sobre sua capacidade futura de crédito, incentivados por uma oferta de “facilidades” no mercado jurídico.
Ele citou relatos de propostas que prometem alongamento de 10 a 15 anos com deságio de 70% a 80% das dívidas, o que, na prática, classificou como “perdão”. Para Buranello, essa lógica representa “verdadeira insegurança jurídica”, rompe a rede negocial do agro e desestimula a continuidade do financiamento. “Ninguém está ganhando com isso, a não ser administradores judiciais e alguns poucos que fomentam esse modelo generalizado”, afirmou.
O advogado disse que tem ouvido de serialistas e financiadores a avaliação de que “é melhor não negociar” ou não fazer novas operações para o próximo ano, cenário que, em sua avaliação, pode tornar 2026 pior do que 2025. Ele afirmou, porém, que bancos, tradings e fundos estão abertos à renegociação direta e à reestruturação de dívidas, e questionou por que a recuperação judicial vem sendo usada como primeira opção em vez do diálogo.
Buranello defendeu que o Judiciário conheça melhor a estrutura da cadeia agroindustrial e leve em conta os impactos sistêmicos de suas decisões sobre contratos, garantias e instrumentos de crédito. Segundo ele, a quebra da integração entre os elos da cadeia aumenta o risco, afasta recursos e pode levar ao fechamento de unidades agroindustriais que sustentam economias locais inteiras. Ele afirmou que, quando se considera toda a cadeia integrada, a participação do agro no PIB pode chegar a 35% ou 40%.
Ao encerrar, reforçou o apelo para que Executivo, Legislativo, Judiciário e instituições ligadas ao setor voltem a atenção para o desenho do financiamento ao agronegócio. “Não podemos dar um passo para trás justamente no setor que é motor da economia”, disse, ao defender a preservação da segurança jurídica como condição para a manutenção do crédito privado no campo.