Cabrera diz que excesso de normas, decisões judiciais e vetos ambientais criam insegurança para produzir alimentos no país
Ex-ministro da Agricultura criticou nesta quarta-feira (3), em Brasília (DF), regras sobre transporte de animais, lista de espécies invasoras, travas à mineração de potássio e judicialização de projetos de logística, como a Ferrogrão.
O ex-ministro da Agricultura e ex-secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Antônio Cabrera, afirmou nesta quarta-feira (3), em Brasília (DF), que o agronegócio brasileiro convive com um cenário de “insegurança para produzir comida”, em razão do acúmulo de normas, decisões judiciais e entraves ambientais que, na avaliação dele, fragilizam o direito de propriedade e afastam investimentos. A declaração foi feita durante painel sobre segurança jurídica no 5º Brasília Summit.
Cabrera relatou que iniciou a atividade rural em 1982, em um ambiente em que o financiamento se concentrava no custeio do Banco do Brasil. Depois vieram a CPR, as revendas, os CRA, os FIDC e outros instrumentos, que sofisticaram o crédito ao produtor. Hoje, disse, o problema não é escassez de dinheiro, mas de “bom cadastro”: produtores com histórico de dificuldades e limite de crédito comprometido têm dificuldade de acessar novos financiamentos, em um contexto de risco climático e de falhas de cobertura do seguro rural.
Ao falar de segurança jurídica, ele comparou o Brasil com outros países produtores e destacou que agricultura americana, europeia e pecuária australiana não convivem com movimentos de invasão de propriedades. Citou decisões recentes sobre ampliação de terras indígenas no Mato Grosso, mesmo após a aprovação da lei do marco temporal, e disse que esse tipo de medida tende a “criar um caos” no setor produtivo do estado.
Cabrera também criticou propostas em discussão na área ambiental. Mencionou portaria em consulta pública no Ministério do Meio Ambiente que prevê a presença de assistente de bem-estar animal em todo transporte de bovinos, suínos, aves e equinos e exige acondicionamento dos veículos em faixas de temperatura por meio de ar-condicionado ou aquecedores. Afirmou que a exigência contrasta com a realidade de serviços públicos de transporte de passageiros e ambulâncias ainda sem climatização em várias regiões do país.
Ele retomou o caso do Funrural, lembrando que o Supremo Tribunal Federal havia considerado a contribuição inconstitucional em decisão anterior e depois, em 2017, passou a considerá-la constitucional. Segundo o ex-ministro, a mudança surpreendeu investidores estrangeiros e gerou dúvidas sobre a previsibilidade do sistema tributário.
Na área de infraestrutura, Cabrera citou dificuldades na BR-163 e a falta de hidrovias e ferrovias para escoar a produção, com destaque para a Ferrogrão, ainda judicializada por passar em área de unidade de conservação. Comparou a situação com um parque em Nairóbi, no Quênia, cortado por ferrovia dentro da área protegida, e questionou a impossibilidade de solução semelhante no Brasil.
Ex-ministro da Agricultura e ex-secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Antônio Cabrera. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
Outro ponto abordado foi a discussão sobre espécies exóticas e invasoras. Cabrera mencionou que árvores usadas na produção de celulose, como eucalipto e pinus, vêm sendo alvo de questionamentos, assim como frutíferas como manga, goiaba e jaca. Na piscicultura, citou a inclusão de tilápia, tambaqui, pirarucu e camarão branco em portaria sobre espécies invasoras e afirmou que eventual endurecimento nas regras de licenciamento pode travar o crescimento de um segmento formado majoritariamente por pequenos produtores. Segundo ele, 98% dos estabelecimentos que trabalham com tilápia são pequenas propriedades, e cerca de 94% das exportações brasileiras de pescados de aquicultura têm origem na espécie.
Cabrera relatou ainda que, enquanto o Brasil debate restrições à produção de peixes nativos e exóticos, países como China e Alemanha avançam na criação de tambaqui e pirarucu. Em sua avaliação, isso é reflexo de um ambiente interno de incerteza regulatória que dificulta a expansão da aquicultura nacional.
Ao tratar de insumos, o ex-ministro lembrou que entre 80% e 90% dos fertilizantes utilizados no país são importados. Citou o projeto de exploração de potássio em Autazes (AM), paralisado por decisão judicial em razão da proximidade com terras indígenas, e comparou a situação com a de reservas no Canadá, onde comunidades indígenas exploram cloreto de potássio e petróleo dentro de seus territórios e vendem a produção ao exterior.
Cabrera afirmou que os povos indígenas no Brasil são, hoje, grandes proprietários de terras, mas não dispõem da mesma liberdade para empreender que comunidades em outros países. Para ele, a combinação de decisões judiciais, normas ambientais e incertezas tributárias compõe um quadro de insegurança que afeta diretamente a produção de alimentos.
Ao encerrar, sugeriu que o debate seja ampliado para além da “segurança jurídica no agronegócio” e passe a tratar da “insegurança para produzir comida e encher as gôndolas dos supermercados”, como forma de aproximar a discussão da realidade do consumidor urbano.