Advogada diz que política ambiental ignora pessoas e atribui ilegalmente desmatamento ao agronegócio
Em painel sobre segurança jurídica, Samanta Pineda criticou o plano climático do governo, apontou falta de regularização fundiária em unidades de conservação e defendeu planejamento estratégico do uso do território brasileiro.
A advogada de direito socioambiental Samanta Pineda afirmou nesta quarta-feira (3), em Brasília (DF), que parte da insegurança jurídica vivida pelo agronegócio decorre de uma política ambiental que, segundo ela, “olha para o meio ambiente sem olhar para as pessoas” e de decisões que acabam atribuindo ao setor rural responsabilidades por crimes ambientais praticados por outras cadeias. A fala ocorreu durante painel sobre segurança jurídica no 5º Brasília Summit.
Samanta disse que seu escritório, com mais de 15 advogados dedicados exclusivamente ao direito ambiental do agronegócio, “nunca trabalhou tanto” diante do aumento de conflitos e ações judiciais na área. Ela afirmou que há um posicionamento “antagônico” dentro do governo, em que a proteção ambiental não considera os impactos sobre populações que vivem em áreas posteriormente transformadas em unidades de conservação ou terras indígenas.
Como exemplo, citou mais de 20 milhões de hectares de unidades de conservação sem regularização fundiária, onde produtores e famílias que já estavam instalados passaram a viver em situação de limbo jurídico. Segundo ela, essas pessoas “não invadiram a unidade de conservação, a unidade de conservação é que as invadiu”. Samanta mencionou ainda a criação recente de terras indígenas sobre áreas produtivas no Mato Grosso, em conflito, segundo ela, com a legislação que tratou do marco temporal.
A advogada também relacionou a questão fundiária ao crime organizado na Amazônia. Descreveu uma sequência em que primeiro atuam madeireiros ilegais, depois o garimpo, em seguida o tráfico de animais silvestres e, por fim, o uso da área para pecuária, com o desmatamento sendo contabilizado oficialmente como responsabilidade do agro. “No fim, põe um boi em cima e a culpa é do agro”, resumiu, criticando o fato de esses números entrarem na conta do setor nas estatísticas oficiais e em documentos internacionais.
Advogada de direito socioambiental, Samanta Pineda. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)
Samanta questionou o Plano Clima apresentado pelo governo como resposta às metas de descarbonização assumidas em conferências internacionais. Segundo ela, o documento permite aumento de emissões em setores como transporte, energia e indústria, mas atribui ao agro a obrigação de reduzir em 54% suas emissões. Ela argumentou que o campo já adota práticas de baixa emissão, como plantio direto, fixação biológica de nitrogênio e integração lavoura-pecuária-floresta, e defendeu uma revisão dos critérios de cobrança.
Ao tratar do Código Florestal, Samanta citou um caso em Bonito (MS), em que um pequeno produtor, com criação extensiva de gado à beira de rio, teve a atividade questionada em ação do Ministério Público. Segundo ela, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela aplicação do Código Florestal em favor do produtor, mas recurso ao Supremo Tribunal Federal reverteu o entendimento, o que, na avaliação da advogada, ilustra o ativismo judicial que alimenta a insegurança jurídica. Ela também criticou o fato de o Ministério Público não arcar com sucumbência em ações ambientais que questionam normas já consideradas constitucionais.
A advogada afirmou ainda que o contexto internacional de negociações climáticas mudou e que o Acordo de Paris perdeu efetividade diante da postura de grandes emissores, como China, Estados Unidos, Rússia e Índia. Diante disso, defendeu que o Brasil assuma um planejamento estratégico de uso do território, definindo, dentro dos limites de reserva legal previstos no Código Florestal, quanto será destinado a mineração, agro, expansão urbana e infraestrutura, e como as emissões serão compensadas por programas de recuperação de pastagens e sistemas integrados.
Samanta mencionou, por fim, leis e regulamentos europeus, como a norma que restringe a entrada de produtos associados a desmatamento após 2020, e disse que o país precisa se posicionar com mais clareza para evitar que pressões externas e decisões judiciais internas comprometam a imagem de um agronegócio que, segundo ela, combina produtividade com ativos ambientais. Em sua avaliação, o Brasil tem condições de contribuir simultaneamente para segurança alimentar, combate à mudança climática e transição energética, desde que haja previsibilidade nas regras e planejamento de longo prazo.