Fraudes bilionárias e 83 milhões de ataques digitais expõem urgência da inteligência artificial na segurança

Seminário LIDE Segurança Pública reuniu especialistas que alertam para vulnerabilidades humanas, falta de integração das polícias e necessidade de financiamento estruturado no combate ao crime.

WhatsApp Image 2025-09-16 at 10.28.26Sônia Accioli, auditora da Receita Federal do Brasil (Foto: Evandro Macedo/LIDE)

“A Receita Federal já identificou esquemas de sonegação que somam R$ 11 bilhões utilizando plataformas de inteligência artificial.” O dado foi apresentado por Sônia Accioli, auditora do órgão, durante o Seminário LIDE Segurança Pública, realizado nesta terça-feira (16) na Casa LIDE, em São Paulo. A especialista destacou que a tecnologia já permite detectar transações suspeitas com criptomoedas, identificar redes complexas de empresas e, em alguns casos, antecipar irregularidades antes mesmo que cheguem a se tornar fraudes consolidadas.

“A inteligência artificial não serve apenas para punir, mas também para estimular a conformidade voluntária e evitar litígios”, afirmou.

O otimismo em relação ao potencial da tecnologia, no entanto, foi equilibrado por uma análise crítica do coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente da Silva Filho. Para ele, a criminalidade organizada avançou mais rápido do que a capacidade de resposta das polícias, que sofrem com falta de integração e preparo. “A tecnologia evoluiu, mas a polícia não acompanhou. Não basta prender mais criminosos com câmeras inteligentes; o desafio real é prevenir o crime, investir na inteligência humana e no trabalho comunitário nos bairros”, defendeu.

WhatsApp Image 2025-09-16 at 09.54.05Coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente da Silva Filho. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)

No mesmo painel, Francisco Forbes, presidente da Prodam, reforçou a gravidade da ameaça digital ao revelar que os sistemas da Prefeitura de São Paulo sofreram 83 milhões de tentativas de ataque em apenas 30 dias. Segundo ele, a robotização do crime digital permite que grupos criminosos lancem centenas de milhares de acessos simultâneos. A resposta da cidade tem sido o investimento em tecnologia, com destaque para o projeto Smart Sampa, rede de câmeras que já possibilitou a prisão de mais de três mil criminosos sem confronto direto.

Especialista em crimes digitais, Chen Gilad, diretor da CoSecurity, alertou para a vulnerabilidade do fator humano em um cenário de inteligência artificial cada vez mais sofisticada. Ele citou exemplos de golpes em que criminosos usam softwares de clonagem de voz para simular executivos de empresas em chamadas telefônicas e induzir funcionários a realizar transferências. “Muitas vezes, a falha não é do sistema, mas da pessoa que cai na armadilha”, afirmou.

WhatsApp Image 2025-09-16 at 10.07.20 Diretora-geral de Gestão do Fundo Nacional de Segurança Pública, Camila Pintarelli. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)

O delegado da Polícia Federal Reinaldo César classificou a inteligência artificial como uma realidade “inexorável e sem volta”, mas advertiu para riscos ligados à privacidade, à vigilância abusiva e ao uso indevido de dados. Ele ressaltou a importância de uma legislação moderna para proteger o cidadão e lembrou que já tramita no Congresso um projeto de regulamentação da IA no Brasil.

Encerrando as falas, a diretora-geral de Gestão do Fundo Nacional de Segurança Pública, Camila Pintarelli, destacou o papel central do financiamento para que estados e municípios possam adotar soluções tecnológicas avançadas. Segundo ela, o fundo movimenta atualmente R$ 27 bilhões e tem simplificado processos de compra de equipamentos como drones e câmeras corporais. “Não existe política de segurança sem gestão, sem estrutura e sem orçamento. É preciso pensar a tecnologia de forma responsável e dentro das possibilidades orçamentárias do país”, afirmou.

Tecnologia como aliada no combate aos crimes digitais

O segundo painel destacou a urgência de integrar forças policiais e modernizar o uso da tecnologia no enfrentamento ao crime. O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubo, foi categórico ao afirmar que a criminalidade avançou no ambiente digital durante a pandemia e que somente a combinação de financiamento adequado, integração nacional e uso de inteligência pode conter essa evolução. Ele anunciou a criação da Rede Ciber, que conecta delegacias especializadas em crimes digitais em todo o Brasil, e lembrou que o Ministério da Justiça investiu R$ 50 milhões para garantir que todas as unidades estaduais tenham acesso a softwares de extração de dados como o Cellebrite. “O crime avança quando não é esclarecido. A tecnologia é o caminho para dar respostas rápidas, integrar forças e impedir que organizações criminosas sigam financiando suas atividades no ambiente digital”, disse.

O setor financeiro também esteve no centro do debate. André Salgado Félix, head jurídico do C6 Bank, apresentou soluções desenvolvidas para proteger clientes contra golpes digitais e sequestros-relâmpago, como o recurso de “local seguro”, que restringe acessos a investimentos em endereços previamente cadastrados. Ele citou o caso de um cliente resgatado de um cativeiro após o sistema de inteligência artificial identificar transações atípicas e acionar as autoridades. Já Adauto Duarte, diretor executivo da Febraban, revelou que, mesmo com R$ 5 bilhões investidos em segurança em 2024, o setor bancário sofreu perdas de R$ 14 bilhões em fraudes. Duarte destacou o Projeto Tentáculos, que será reformulado para permitir o compartilhamento de dados também com polícias civis estaduais, e criticou a fragilidade das audiências de custódia, que acabam devolvendo rapidamente hackers e golpistas às ruas.

Do ponto de vista das forças policiais, o coronel Temístocles Telmo, professor e atual secretário de Segurança de Santo André, defendeu a necessidade de uma “educação digital” para que a população aprenda a se proteger de golpes simples, como falsos boletos e transferências via Pix. Ele lembrou que o estelionato é um crime invisível e subnotificado, transformado muitas vezes em “negócio” entre vítimas, advogados e criminosos.

WhatsApp Image 2025-09-16 at 11.46.44Secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubo. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)

O ex-comandante da PM de São Paulo, coronel Cássio Araújo de Freitas, por sua vez, ressaltou que os crimes cibernéticos já são fonte importante de financiamento para organizações criminosas. Ele destacou o Programa Muralha Paulista, que prevê monitoramento com câmeras em estradas, e alertou que a eficácia da tecnologia depende de resposta rápida do Estado aos alertas gerados.

Encerrando as exposições, o secretário municipal de Segurança Urbana de São Paulo, Orlando Morando, defendeu o programa Smart Sampa, que já integra mais de 30 mil câmeras na cidade e foi responsável por 1.903 prisões e 3.200 flagrantes em dez meses. Morando rejeitou críticas sobre privacidade e afirmou: “Quem tem medo das câmeras é o bandido. O cidadão de bem se sente protegido”. Ele destacou ainda o uso do sistema no combate à violência contra a mulher, por meio de um aplicativo de botão de pânico que aciona viaturas da Patrulha Maria da Penha.

WhatsApp Image 2025-09-16 at 10.53.12André Salgado Félix, head jurídico do C6 Bank. (Foto: Evandro Macedo/LIDE)