Andrea Pinheiro faz história à frente da Bienal e celebra a arte como emoção e transformação
Primeira mulher a entregar uma Bienal em toda a história da instituição, a presidente Andrea Pinheiro conta sua trajetória, acredita no poder transformador da arte, deseja que os visitantes se emocionem.
Andrea Pinheiro, presidente da Bienal.
O mundo dá voltas, como as curvas de Oscar Niemeyer nas rampas brancas internas da Bienal das Artes no Parque do Ibirapuera.
Em 2002, a Bienal de São Paulo marcou a vida de Andrea Pinheiro de forma inesperada. Entre obras e corredores amplos, ela começava ali uma história de amor. Ao deixar a exposição, deu o primeiro beijo em Newton Simões, que seria seu marido.
A Bienal se tornava, então, cenário de um encontro pessoal e afetivo com a arte. Vinte e três anos depois, Andrea retorna ao mesmo espaço não mais como visitante, mas como protagonista: a primeira mulher a presidir e entregar uma Bienal em toda a história da instituição.
Filha do Ceará e formada no mercado financeiro, Andrea construiu uma trajetória de rigor, gestão e coragem para ocupar um lugar até então inédito. À frente da 36ª Bienal, ela reúne 49 países, mais de 120 artistas e 1.200 obras em um evento que é ao mesmo tempo global e brasileiro.
Sob sua liderança – sucessora do ex-presidente José Olympio –, a Bienal cresceu em patrocinadores, ampliou seu programa educativo para alcançar 100 mil crianças e estendeu sua duração em um mês extra (pela primeira vez se estende a janeiro de 2026, aproveitando as férias escolares), democratizando ainda mais o acesso à arte.
“A Bienal é gratuita, plural e diversa porque a arte deve emocionar, surpreender e transformar”, assim defende a presidente da instituição — seja pela beleza, pela mensagem ou pela experiência de cada visitante.
Da memória íntima de 2002 ao legado institucional de 2025, a jornada de Andrea Pinheiro é atravessada pela convicção de que a arte é um propósito de vida. Hoje, a administradora nascida no Ceará entrega uma Bienal que, além de histórica, se afirma como um símbolo de emoção, diversidade e futuro.

O título desta 36ª Bienal
“Nem todo viandante anda estradas” é parte do poema “Da calma e do silêncio”, da escritora Conceição Evaristo. Convida a uma reflexão sobre a humanidade como uma prática viva e em movimento, que considera as conexões e a escuta do mundo.
Como foi seu contato com ela?
A Conceição Evaristo é uma pessoa especial. Ela tem uma visão de Brasil, de humanidade, que é supercoesa com a Bienal. Então, a escolha da frase foi muito boa. O curador Bonaventure Soh Bejeng Ndikung quis homenageá-la com essa frase como o nosso título. Eu, pessoalmente, amo a poesia dela. Conceição esteve conosco em duas oportunidades aqui na Bienal, declamou poemas. Está superengajada.
Você é a primeira mulher a entregar uma Bienal. Já declarou que, por ser a primeira, não pode errar. Quais os desafios?
Sou uma pessoa que tem um alto índice de exigência comigo mesma. Sou exigente com os outros também, mas começa por mim. Minha vida inteira ocupei espaços de conquista. No mercado financeiro, na década de 1990, não havia tantas mulheres. Hoje há milhares. Não estou sozinha, é um movimento. Isso abre caminho para outras se imaginarem nesse lugar.
Além da presença forte no mercado financeiro, qual é a sua história?
Nasci no Ceará e vim morar em São Paulo com 19 anos. Minha família tinha uma instituição financeira no Nordeste, o BMC. Meu pai, Jaime Pinheiro, transferiu o banco para São Paulo. Então, toda a família veio. Foi uma mudança estruturante. Eu já fazia faculdade em Fortaleza, transferi para cá, em Administração.
Desde cedo já estava encaminhada para seguir os passos do seu pai?
Desde muito cedo. Meu pai sempre viu em mim essa possibilidade. Talvez desde os 10, 11 anos. Eu queria muito agradá-lo. Lia tudo de economia que caía em casa: jornais, revistas. Conversava com ele e com os amigos dele. Eu era desinibida. Meu pai dizia: “Minha filha quando crescer vai ser banqueira”. Ele me encaminhou para esse lugar. Foi uma carreira muito feliz, sou muito grata.
Como foi chegar em São Paulo?
Bem diferente de Fortaleza. São Paulo é uma cidade de muitas tribos. Até você fazer a sua, demora. São Paulo assusta. Hoje é minha casa, eu amo a cidade, mas a entrada foi difícil. Eu tinha morado fora desde os 14 anos – nos Estados Unidos, Inglaterra, Suíça. Mas eram ambientes muito controlados. Em São Paulo, tudo é monumental.
No primeiro dia de faculdade, na FAAP, com o sotaque forte, um professor quis saber de onde eu vinha e eu me senti exposta. Chorei depois. Dois colegas me consolaram e se tornaram meus melhores amigos até hoje. Eram Felipe Diniz e Toni Silvarolli.
Quando e como foi a sua primeira Bienal?
Já tinha ido a várias, mas a mais marcante, fora a 36ª, foi a de 2002. Eu tinha conhecido meu marido, Newton, éramos amigos, e ao sairmos da Bienal demos o primeiro beijo. Foi muito especial.
Imaginava estar aqui, anos depois, como presidente?
Não. Vim para a Bienal passada (na gestão de José Olympio) como diretora de captação e depois vice-presidente. Quando me convidaram para ser presidente, fiquei surpresa. Eu não sou uma colecionadora. Achei que iam escolher alguém com esse perfil. Mas queriam alguém de gestão.
A Bienal é uma empresa com quase 90 funcionários, que chega a 350 durante a mostra, mais de 120 artistas de 49 países e 1.200 obras. É uma administração intensa.
E na sua gestão houve uma importante captação de novos patronos, certo?
Quando entrei, havia 23 patrocinadores. Depois eram 36 ou 38. Hoje temos 50, incluindo Itaú, Bradesco, Citi, Vivo, Vale, Petrobras e Bloomberg. É um colchão importante.

Como você entende a busca pela democratização da arte?
O mais importante é a gratuidade. Muitas pessoas não sabem que a Bienal é gratuita. Fazemos itinerâncias em várias cidades do Brasil e do mundo. Este ano, ampliar um mês permite alcançar as férias escolares e ter programação infantil.
Como avalia a equipe?
Excepcional. Eu trabalhei 35 anos no mercado financeiro e nunca vi um time assim. Desde comunicação até produção. O curador Bonaventure (camaronês radicado em Berlim, é um dos gigantes no cenário internacional das artes visuais) disse que nunca trabalhou com produção tão boa quanto a da Bienal de São Paulo.
E como percebe o caminho para a diversidade?
A diversidade sempre esteve no DNA da Bienal, mas hoje é um caminho sem volta, não só na Bienal, na vida. A arte tem esse poder de se adiantar ao mundo. Eu acredito nisso.
O que é a arte para você?
A possibilidade de me emocionar. Pode ser pela beleza ou pela mensagem. Muitas vezes, a beleza é a mensagem. Temos obras que falam do feminino, que soltam sementes, por exemplo. Isso é forte. Quero que o público se emocione, se mova.
Seu propósito hoje é a Bienal?
Sim. Acredito no poder transformador da arte. Acredito muito no impacto do educativo em formar novos públicos. Este ano vamos crescer 30% e alcançar 100 mil crianças. Esse é meu propósito de vida hoje.
Na sua visão, como o luxo dialoga com a arte?
A Bienal é gratuita e plural. A arte é ampla. Eu cresci no Ceará cercada de arte regional – cerâmica, artistas locais, feirinhas. Tudo que toca é arte.
Qual será a marca desta Bienal?
Não é só a diversidade, que já é estrutural, mas também a governança. Criamos um comitê curatorial de oito pessoas, processo rico, coletivo. É um legado. O crescimento educativo também é um legado.
E os investimentos?
O orçamento da exposição é de R$ 30 a 40 milhões. O budget do biênio é muito maior. Fazemos Veneza, itinerâncias e investimos mais em comunicação. Temos uma campanha pro bono linda feita pela Africa, e o projeto Vozes da Bienal, com 40 influenciadores falando de arte para públicos diversos. Queremos que todos se sintam bem-vindos e venham para se emocionar.
E o que espera?
“Gostaria que as pessoas saíssem transformadas, mas se saírem emocionadas já fico feliz. A arte transforma.“Eu mesma estou muito feliz, vivendo um sonho, entregando uma Bienal tão linda e tão especial.”