Para não prejudicar a política monetária, é preciso reverter erros (para)fiscais
A percepção de risco sobre a condução da política (para)fiscal não deve aumentar por fatos irresistíveis à realidade.
Gabriel Barros, Economista-chefe da ARX Investimentos. (Foto: Divulgação)
A interação entre as políticas fiscal e monetária é tema cada vez mais relevante na academia e no mercado financeiro. Um recente artigo escrito por Aloísio Araujo, Rafael Santos et al., por exemplo, buscou descrever o regime de metas de inflação em meio a uma política fiscal fragilizada, ao passo que as surpresas com a atividade econômica e emprego desde 2023 têm sido atribuídas pelos agentes de mercado ao impulso fiscal expansionista oriundo da PEC da transição, que elevou a despesa em cerca de R$ 170 bilhões ou 2% do PIB.
O interesse crescente pelo tema pode ser justificado pela situação econômica corrente do país, que exibe uma condição inicial frágil das contas públicas, um crescimento acima do potencial e desvios elevados e crescentes da inflação para a meta. A despeito da elevação dos juros e do recém-aprovado pacote fiscal, o descompasso entre as políticas fiscal e monetária tem agudizado o desequilíbrio econômico, que é ainda acompanhado pela sombra e receio de uso crescente de políticas parafiscais.
O uso de fundos públicos e privados como forma de aliviar a restrição orçamentária do arcabouço fiscal, que tem problemas de consistência matemática intertemporal, são conhecidos. Recentemente, o TCU condenou o uso irregular e suspendeu a execução de R$ 6 bilhões do programa Pé-de-Meia, executado sem transparência, por fora do orçamento e sem autorização do Congresso Nacional.
O uso de fundos garantidores como forma de executar despesas sem passar pelo orçamento é uma das novidades da política (para)fiscal e não se limita ao caso supracitado. A opacidade sobre o uso e tamanho desses fundos é grande, mas tentativa de estimar sua magnitude aponta para algo em torno de R$ 100 bilhões. A falta de transparência não se limita às estatísticas dos fundos garantidores de natureza pública e privada, alcança ainda dados do Boletim Estatístico da Previdência Social (Beps) e das empresas estatais federais. Enquanto há uma defasagem de pelo menos três meses para o primeiro, o segundo não é
publicado há mais de dois anos. É trivial constatar que sem estatísticas básicas, não é possível conduzir uma política pública com base em evidências, sobram narrativas e impressões individuais irrelevantes.
Em 2023, foram excluídos R$ 5 bilhões em despesas com o PAC da meta fiscal das empresas estatais. Em 2024, foram enviados projetos de lei para o Congresso Nacional autorizando que investimentos custeados com receita própria sejam deduzidos da restrição fiscal, alimentando o temor de nova brecha fiscal. De acordo com dados compilados pelo Banco Central, o déficit das estatais federais em 2024 foi o terceiro pior dos últimos 23 anos, comparável apenas a 2003 e 2007.
A percepção de risco sobre a condução da política (para)fiscal não deve aumentar, como se pode depreender por todo o exposto, por um sistema de crenças ou corrente de pensamento, mas por fatos irresistíveis à realidade. A má condução da política (para)fiscal tem contaminado o câmbio, as expectativas de inflação e o prêmio de risco implícito na curva de juros, prejudicando a condução da política monetária. Uma relação harmônica e equilibrada entre ambas, portanto, precisa necessariamente passar pela reversão dos erros (para)fiscais e manutenção dos acertos da monetária, sem que a primeira subjugue a segunda.