Mulheres são a maioria dos universitários, mas o que mudou?
Mulheres ainda recebem menos que os homens e ainda estão sub-representadas nos espaços de poder e decisão. Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Patrícia Tuma Martins Bertolin, Doutora em Direito e Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. (Foto: Divulgação)
No Brasil, a proporção de mulheres com nível superior completo é de 19,4%, enquanto a de homens é de 15,1%, segundo a PNAD contínua do IBGE (2019), o que é muito curioso, se considerarmos que o ingresso das mulheres na educação superior é muito recente.
A primeira brasileira a se graduar em curso universitário (medicina) foi a baiana Rita Lobato Velho Lopes, em 1887. Ela vinha de uma família abastada, clinicou por mais de 40 anos e foi eleita vereadora no Rio Grande do Sul, em 1934, na primeira eleição em que o voto das mulheres foi permitido no Brasil.
Em 1898, Myrthes de Campos se tornou a primeira bacharela em Direito brasileira, porém seu longo percurso para exercer a advocacia estava longe de terminar, pois quando foi se inscrever no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, instituição que antecedeu a OAB, foi orientada fazer isso como estagiária. Ao final do “estágio”, novamente requereu sua inscrição, que demorou meses para ser autorizada.
Esses são apenas dois exemplos do que se pretende demonstrar aqui: que o ensino superior brasileiro foi criado para receber principalmente os filhos (homens) das elites, tendo em vista que não estava aberto a membros de outros grupos da sociedade interessados em ascender coletivamente, e que às mulheres cabiam os cuidados com a casa e a família, sendo a estas reservado o espaço doméstico.
As Escolas Normais, uma espécie de ensino profissionalizante, foram uma opção para as mulheres, pois formariam professores(as) para o então “curso primário”. As mulheres já desempenhavam esse trabalho de educar crianças em casa – e isso possibilitou que esse se tornasse um nicho para elas. Contudo, a Escola Normal, em dado momento, passou a ser conhecida como “espera marido”, uma vez que a expectativa era de que logo as jovens professoras se casassem e se tornasses esposas e mães, destino de (quase) todas as mulheres.
Até 1961, as normalistas só podiam prestar vestibular para pedagogia ou licenciaturas, mas, mesmo depois que essa limitação deixou de existir legalmente, seu acesso aos demais cursos era bastante dificultado, pois o vestibular cobrava conteúdos de disciplinas lecionadas nos cursos secundários científico e clássico, frequentados majoritariamente por rapazes.
Tudo isso obedecia a uma lógica de manutenção das mulheres no espaço doméstico, bastando se mostrar algumas poucas das tantas medidas que a legislação brasileira adotou para garantir privilégios aos homens. Por exemplo, o Código Civil de 1916 estabelecia caber o “pátrio poder” ao marido e, apenas na falta dele, à mulher, o que só veio a ser alterado em 2002.
Quando Vargas autorizou legalmente o trabalho feminino, por meio do Decreto nº 21.417-A, de 1932, proibiu o trabalho noturno às mulheres e, quase simultaneamente, exaltou o seu papel de “mães cívicas”, por meio do decreto do Dia das Mães, evidenciando que este era o papel que o Estado esperava das mulheres. Tanto foi assim que até a edição do Estatuto da Mulher Casada, em 1962, era necessária autorização marital para a mulher casada trabalhar.
Em 1932, quando o nosso primeiro Código Eleitoral foi aprovado, garantindo às brasileiras o direito de votar e ser votadas, estabeleceu o voto facultativo para as mulheres (não analfabetas), enquanto para os homens não analfabetos entre 21 e 60 anos ele era obrigatório. Em resumo, o Código Eleitoral reconheceu a autoridade do marido e a mulher casada votar ou não acabava dependendo da vontade dele. Assim, entre 1932 e 1965, quando o voto feminino passou a ser obrigatório, a média de mulheres alistadas ficou em torno de 34%.
Esse percurso justifica a busca das brasileiras por maior qualificação profissional e a feminização de cursos que, há poucas décadas, eram masculinos, como o de Direito. Na década de 1970, as mulheres passaram a ser 42% dos estudantes nas universidades brasileiras – o que impressiona se pensarmos que, apenas 10 anos antes, representavam apenas 25% dos universitários.
Segundo o Resumo Técnico do Censo da Educação Superior 2022, recentemente publicado, as mulheres são a maioria dos universitários em todas as categorias de instituições de ensino superior: privada com fins lucrativos (61,1%); municipal (59,7%), privada sem fins lucrativos (59,5%); estadual (54,4%); e federal (51,2%).
No entanto, isso não tem sido suficiente para reverter a condição subalterna das mulheres na sociedade: elas ainda recebem menos que os homens e ainda estão sub-representadas nos espaços de poder e decisão, perfazendo um total de apenas 15% dos cargos legislativos, o que se explica pelo fato de que a educação formal isoladamente não é capaz de desmontar estereótipos e papeis de gênero.
As mulheres ainda continuam as principais responsáveis pelos cuidados com a casa e a família, a que dedicam o dobro do tempo que os homens, em média, segundo o IBGE. Sendo assim, as brasileiras, apesar de mais qualificadas, continuam sobrecarregadas, excluídas de determinados espaços, destituídas de tempo e subalternizadas na sociedade brasileira.