Como uma reforma tributária pode unificar os regimes tributários fora do lucro real, incluindo o Simples

Em seu artigo, José Roberto Afonso questiona parte do diagnóstico que se tem feito sobre esses regimes especiais.

economista-jose-roberto-afonso-1674156410918_v2_1x1José Roberto Afonso, economista e contabilista. Pesquisador do IBRE/FGV, professor do curso de Mestrado do IDP, consultor independente. Ex-superintendente do BNDES e ex-assessor técnico do Senado e da Câmara. (Foto: Divulgação)

As implicações das modalidades de empresas com regimes tributários diferenciados no Brasil para o funcionamento da economia são um tema tão controverso quanto necessário na agenda dos pesquisadores econômicos. De um lado, regimes como o Microempreendedor Individual (MEI) e o Simples Nacional são considerados ferramentas importantes para simplificar e reduzir a carga tributária de pequenas empresas e estimular a formalização do emprego. Dependendo de como é desenhado, entretanto, pode gerar desequilíbrios tanto no mercado de trabalho quanto na produtividade, ao produzir incentivos para empresas permanecerem pequenas. Estes últimos são alertas frequentemente feitos por Fernando Veloso, do Observatório da Produtividade Regis Bonelli (leia aqui a entrevista com Veloso em janeiro deste ano). 

 

Para enriquecer esse debate, em seu artigo na Conjuntura Econômica de junho José Roberto Afonso questiona parte do diagnóstico que se tem feito sobre esses regimes especiais. Eis alguns tópicos abordados por Afonso:

• nas comparações do Simples com regimes internacionais, Afonso argumenta que muitas análises são imprecisas. Por exemplo, ao não considerar que na média dos países da OCDE, geralmente o valor do limiar médio do Simples Nacional (faturamento de cerca de R$ 285 mil), representa a isenção do registro ou apuração do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), enquanto no Brasil a primeira faixa do Simples é equivalente ao IVA e possui uma alíquota que varia entre 2% e 4,8%.

• no caso das contribuições previdenciárias e seu impacto sobre o sistema de proteção social, Afonso diz que parte da redução observada recentemente aconteceu entre profissionais de maiores rendimentos, por estímulo dos contratantes, visando à redução de custos. “Em 2021, apenas 4,3% dos contribuintes empregados recebiam acima de 7 pisos, ou seja, acima do teto previdenciário”. Para Afonso, esse é reflexo de problemas cuja origem não pode ser creditada ao Simples.

• comparando os regimes tributários federais, Afonso indica que não há diferenças substanciais. “No caso do Simples Nacional, a soma das alíquotas dos impostos federais é de 5,6% da receita. Por outro lado, no regime do Lucro Presumido (LP), essa soma é de 6,2%, e no regime do Lucro Real (LR), é de 4,6%. Em relação às Contribuições Previdenciárias Patronais (CPP), no Simples Nacional a alíquota é de 3,0%, enquanto no Lucro Presumido é de 2,0% e no Lucro Real é de 1,1%. Portanto, considerando a soma total dos tributos federais, o Simples Nacional possui uma alíquota de 8,6%, o Lucro Presumido de 8,3%”. No caso do Lucro Real (alíquota de 5,8%), Afonso diz que ao se compararem alíquotas médias percebe-se que, na prática, não há renúncia fiscal substancial.

Afonso considera que uma proposta de fato inovadora para ordenar esses regimes seria unificar todas as empresas que não estão obrigadas a operar no lucro real. Para isso, diz, “seria necessário estabelecer um único número de identificação fiscal nacional, criar um sistema eletrônico nacional de registro de transações e cálculo de impostos, além de adotar a prática de recolhimento por débito direto na conta bancária do contribuinte”. Entre os benefícios que a proposta traria, afirma Afonso, está o de simplificar o regime como um todo. “Em vez de lidar com diferentes escalas e alíquotas, os contribuintes seriam enquadrados em uma ou duas curvas de tributação, com base no faturamento bruto ou líquido, dependendo da opção escolhida pelo próprio contribuinte”, afirma. Dessa forma, haveria mais clareza, pelo contribuinte, de suas obrigações, facilitando seu cumprimento.

“Além disso, a adoção de um número único de identificação fiscal nacional e de um sistema eletrônico de registro de transações permitiria uma maior eficiência na coleta e apuração dos impostos”, afirma. E o recolhimento por débito direto na conta bancária do contribuinte colaboraria para um sistema mais ágil, evitando atrasos e inadimplências.

Em seu artigo, Afonso defende a necessidade de se elaborarem avaliações atualizadas com a riqueza de dados disponíveis no setor público. Ele ressalta o gigantismo do número de criação de empresas nos últimos anos, ressaltando que apenas no primeiro trimestre deste ano a maioria, 79%, foram Microempreendedores Individuais (MEIs), seguida por Micro e Pequenas Empresas (MPEs), que corresponderam a 23% do total.

“Hoje cria-se algo como duas vezes mais empresas do que empregos, em termos líquidos”, reforça, destacando a importância do tema.

Para Afonso, é importante que esse debate não misture a discussão de reajustes no teto do Simples - que ele defende como correta, levando em conta o reajuste pela inflação - e a reforma tributária, por terem racionalidades e objetivos diferentes. “A reforma tributária tem como foco a unificação dos impostos sobre o consumo, modernizando o sistema tributário brasileiro, mas ainda precisa abordar questões relacionadas aos tributos sobre a renda e a folha salarial, que são essenciais para o futuro”, completa.