Falta de planejamento traz surpresas negativas em momentos sensíveis
O planejamento sucessório ideal nem sempre é possível, já que muitas vezes há tantas variáveis envolvidas que fica difícil acomodar tudo. No mínimo, que sejam evitadas as surpresas.
Beatriz de Souza Lima Martinez, sócia diretora do Humberto Sanches Associados. (Foto: Divulgação)
Inventários são momentos delicados. O procedimento por si traz dificuldades. Primeiro são inventariados os bens com seus valores, inclusive para declaração e pagamento do imposto de herança (ITCMD), o que requer conhecimento e organização pelos herdeiros, e importa que os bens tenham situação regular; depois são partilhados os ativos, respeitando-se a participação de cada beneficiário, por meação ou sucessão, legal ou testamentária.
Some-se a isso as dificuldades pessoais e emocionais: a família em luto e as diferenças que se acirram entre os que ficam. Quando realizado um planejamento, a situação costuma ser mais eficaz. A rigor, o patrimônio se encontra organizado, é conhecido e regular, o que facilita sua declaração e valoração para transmissão sucessória. O regime de bens do falecido e a existência de patrimônio comum ou particular costuma ter sido objeto de estudo, assim como os quinhões na futura herança, por lei ou testamento.
Se existente conexão com o exterior, em razão da localização de ativos ou de herdeiros, a complexidade aumenta e o planejamento se mostra mais relevante.
Havendo ativos no exterior, os planejamentos exigem veículos de investimento que busquem a melhor organização patrimonial e eficiência fiscal, além de endereçar a sucessão, normalmente com a celebração de um testamento local.
Isso porque o Brasil não é competente para inventariar e partilhar ativos no exterior, ainda que o proprietário seja brasileiro ou aqui resida no momento da sucessão. Por isso, como regra, os herdeiros daqueles que possuem ativos offshore enfrentarão inventário local, seguindo os procedimentos de cada jurisdição.
Já a lei aplicável à partilha desses ativos normalmente é a lei do local em que domiciliado o falecido, o que importa em casos de partilha no exterior com base nas leis sucessórias brasileiras, facilitando se existir testamento local que esclareça tais regras às autoridades estrangeiras competentes.
Por sua vez, o inventário e a partilha de bens no Brasil envolvendo partes residentes no exterior correrá pelas nossas normas procedimentais, partilhando-se os bens da herança conforme a lei material do último domicílio do falecido, salvo se a lei brasileira for mais benéfica a herdeiros brasileiros.
O ITCMD sobre os bens localizados no Brasil deverá ser declarado e pago ao estado brasileiro competente e, em muitos casos, também às autoridades estrangeiras. Certas jurisdições tributam herança em bases globais dos seus residentes fiscais ou cidadãos, quando falecidos e/ou herdeiros. Como o ITCMD no Brasil é baixo comparativamente à maioria dos países de primeiro mundo, ainda que este possa vir a ser compensado no exterior, isso acarretará numa alíquota final maior.
Além de “pagar um imposto de herança a mais”, a declaração no exterior com bens brasileiros traz complicações, pois há uma série de informações que precisam ser conciliadas. Será aceito o valor de patrimônio líquido como forma de valoração a mercado de participação em sociedade limitada? Ou deverão ser aplicadas regras locais de avaliação, como a Alemanha que olha alienações recentes ou pagamentos de resultados pela sociedade para orientar sua valoração?
Resolvida a sucessão, existem outras tantas dificuldades atreladas à detenção de determinados ativos no Brasil por certas pessoas. Isso porque muitos países também exigem dos seus cidadãos e/ou residentes fiscais que declarem todos os ativos que possuem e/ou tributem as respectivas rendas, independentemente da jurisdição em que situados.
De novo, o problema não é “pagar imposto de renda também no exterior” – até mesmo diante de acordos contra bitributação –, mas como conciliar as informações sobre tais bens e rendas de forma a atender às regras estrangeiras de reporte, que se não cumpridas adequadamente podem acarretar sérias penalidades fiscais e até criminais.
Os EUA, por exemplo, enxergam certos fundos de investimento brasileiros como partnerships, interpretando-os como veículos transparentes para fins fiscais. Isso significa que os ativos detidos via alguns fundos por americanos precisarão ser reportados às autoridades locais como se detidos diretamente na pessoa física.
Em Fundos de Investimento em Ações, isso significará reportar informações sobre todas as companhias investidas pelo fundo, e em Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimentos, a organização de todas as informações exigidas pelo fisco americano se torna inviável.
Em planejamentos pré-imigratórios, a estrutura patrimonial precisa ser adequada ao país em referência, permitindo que a pessoa cumpra as normas fiscais e regulatórias às quais estará sujeita. Porém, muitas vezes, as pessoas não fazem um planejamento da mesma magnitude considerando a condição de seus herdeiros, o que seria o ideal. No exemplo de herdeiro americano, dificilmente determinados fundos de investimento no Brasil seriam o melhor veículo sucessório.
Inventários envolvendo sistemas jurídicos complexos, como Alemanha, EUA, França, Inglaterra, Austrália e outros, exigem alto conhecimento em sucessões, estruturas patrimoniais e tributário, conjugando o sistema jurídico brasileiro com as diferenças e demandas de cada local.
O planejamento sucessório ideal nem sempre é possível, já que muitas vezes há tantas variáveis envolvidas que fica difícil acomodar tudo. No mínimo, que sejam evitadas as surpresas, pois inventários já são momentos delicados.