Downround: entre a crise a oportunidade
Os downrounds são uma alternativa de captação quando a sociedade busca novos investimentos junto ao mercado, mas não consegue manter nas negociações o mesmo valuation da rodada anterior.
Alessandra Salgado, sócia da área de Direito Empresarial do BRZ Advogados. (Foto: Divulgação)
Enquanto 2021 foi um ano excelente para as startups, que só no Brasil receberam o maior número de investimentos em série histórica, 2,5 vezes superior a 2020, o ano de 2022 foi um período inicialmente marcado pelo alto número de investimentos, mas, a partir do fim do primeiro semestre, o aumento global das taxas de juros e das taxas de inflação fizeram com que a obtenção de financiamento das startups se tornasse mais cara e começasse a desacelerar.
Tal fato associado à ocorrência de algumas crises específicas do setor de tecnologia, que reverberaram no mercado como um todo, fizeram com que 2023, já no início, se consolidasse como um ano de desaceleração dos aportes e investimentos, bem como por um aumento expressivo dos downrounds, ou seja, de rodadas de investimento em que, em função da percepção de diminuição do seu valuation, o preço por ação da startup é negociado abaixo do preço por ação da rodada de investimento imediatamente anterior.
Em um cenário ideal, as sociedades realizam as rodadas de investimento para captação de recursos de forma que, à medida que o valor da sociedade cresce, as ações vendidas/emitidas em cada rodada possuam preços progressivamente mais elevados, que irão justamente representar o crescimento da sociedade entre uma rodada e outra. No entanto, a evolução de forma antagônica do mercado, as alterações de natureza macroeconômica que impactam o setor como um todo, o descumprimento das métricas estabelecidas no plano de negócios, adversidades identificadas no curso do desenvolvimento do objeto social, os desafios para monetização do projeto no formato inicialmente projetado e até mesmo os desentendimentos quanto à forma de administração da sociedade podem resultar em perspectivas deflacionadas, diminuindo seu valor.
Os downrounds são uma alternativa de captação quando a sociedade busca novos investimentos junto ao mercado, mas não consegue manter nas negociações o mesmo valuation da rodada anterior. A grande questão é que os downrounds são vistos, normalmente, como um sinal de que a sociedade não cresceu, não possui uma perspectiva positiva e, pior, pode ter sido, anteriormente, supervalorizada, sinais que podem prejudicar a confiança no crescimento futuro.
O downround também é visto como uma ação arriscada, já que existem indícios claros de que a sociedade não teve o crescimento esperado e deste modo, os fundadores podem ter que aceitar a inclusão de proteções anti-diluição mais benéficas aos investidores, como a anti-diluição full ratchet , ou aceitar clausulas que garantem preferências de liquidação mais favoráveis, com o múltiplo acima de 1x, que é o mais comum.
Por estas razões, o downround é recomendado somente após uma análise cuidadosa das alternativas possíveis e depois que certas precauções tenham sido tomadas. A primeira ação da sociedade deve ser a realização de um market check abrangente para determinar se um financiamento downround é a melhor opção possível no mercado. Outra medida de extrema relevância é a gestão do caixa de forma conservadora, visando diminuir a taxa de consumo da empresa (burn rate), diminuindo as despesas e custos supérfluos sempre que possível.
A partir da análise das formas de diversificação possíveis para captação de recursos, deve ser considerada a possibilidade de celebração de instrumentos de dívida, tais como mútuo conversível, debentures, convertible notes ou a utilização de um instrumento híbrido como o SAFE (Simple Agreement for Future Equity), que consegue assegurar ao credor um retorno mínimo em caso de evento de liquidez após um determinado período.
Uma outra possibilidade é a estruturação de rodadas internas de captação, onde a sociedade celebra acordo com os seus investidores atuais para obter investimentos adicionais, às vezes até mediante oferta de benefícios atrelados ao investimento que está sendo realizados, como direitos sobre as ações que serão emitidas nesse pequeno investimento. Essa estratégia funciona porque, muitas vezes, existe um investidor disposto a aportar mais recursos em uma sociedade que já recebeu um valor relevante de investimentos, com vistas a impulsionar a retomada de crescimento do negócio e proteger seu investimento inicial.
Caso o downround venha a ser efetivamente realizado, o mais importante é que seja realizado de forma justificada e assegurando que a rodada seja aprovada pelos atuais sócios e pelo Conselho de Administração, conforme previsto nos documentos da governança da sociedade.
Por fim, vale ainda ressaltar que para algumas startups que venham inevitavelmente a enfrentar um downround, o movimento pode não ser tão negativo, na medida em que a rodada em valuation inferior pode representar o financiamento e a manutenção da sociedade em um período mais desafiador, como o que ocorreu com Airbnb, durante a pandemia, quando precisou realizar um downround para reestruturar seus negócios e estar preparado para o retorno do turismo e viagens em geral, ou seja, uma oportunidade de fortalecimento e adaptação às mudanças do mercado.