As apostas esportivas e a proteção ao consumidor
As apostas nos mais diversos campos esportivos sempre existiram, mas a presença maciça e organizada das empresas ocasionou uma avalanche de apostadores ingressando neste mercado.
Joanna Lopes de Souza Teixeira, advogada do Meira Breseghello Advogados. (Foto: Divulgação)
Os sites de apostas esportivas não são novidade no Brasil. Há muito tempo já presentes em outros países, entraram com força no mercado brasileiro nos últimos anos.
As apostas nos mais diversos campos esportivos sempre existiram, mas a presença maciça e organizada das empresas de apostas esportivas no formato online, denominadas “Bets”, nos últimos anos, ocasionou uma avalanche de apostadores ingressando neste mercado, fascinados com a oportunidade de “ganhar” algum prêmio.
Para se tornar um apostador, é necessário um simples cadastro em um site de apostas, declarar que possui mais de 18 anos e experimentar as mais diversas opções de jogos, desde resultados das partidas, até número de faltas ou cartões que um determinado jogador venha a receber.
Os patrocínios destas empresas no mercado futebolístico, aportando milionárias cifras em clubes, campeonatos e veículos de transmissão elevou a visibilidade e alcançou novos mercados. A variada possibilidade de apostas aumentou o apelo entre os apostadores.
Autorizadas a funcionar legalmente desde 2018 por força da Lei nº 13.756/2018,[1] e movimentando valores que se aproximam dos R$100 bilhões por ano,[2] o setor carecia de regulamentação, não permitindo que houvesse fiscalização efetiva da administração pública, e assim, consequentemente, não estavam efetivamente amparados os consumidores deste setor.
A falta de regulamentação do setor, além da imposição legal que impedia que as empresas tivessem representação no território brasileiro, acrescido do fato de que suas operações ocorrem de forma online, impuseram que fosse praticamente nula a sua submissão às normas consumeristas brasileiras.[3]
Desta forma, no caso de alguma violação dos direitos dos consumidores, a quem este deveria recorrer? E se por algum motivo o prêmio devido não fosse recebido na integralidade? Ou houvesse uma cobrança indevida no cartão de crédito?
Em agosto de 2022 a Senacon notificou clubes, federações, CBF e Rede Globo,[4] para apurar contratos de publicidade e patrocínios que estas empresas de apostas estavam realizando no Brasil, em volumes expressivos. Referida notificação também apontou que estava inviabilizado o acompanhamento das operações pelos órgãos de proteção ao consumidor, posto que as apostas ocorriam em ambiente virtual localizado fora do país. Assim, deveriam ser prestados esclarecimentos aos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) sobre sua natureza e formas de operação.
A Senacon destacou, na ocasião, que as normas protetivas aos consumidores já garantiam a proteção, mesmo que ausente a regulamentação especial, inclusive nas matérias relacionadas às ofertas de alto lucro, em curto espaço de tempo.
No entanto, por força da Lei nº 13.756/18,[5] as empresas não se sujeitavam às normas locais, e sequer possuíam representação no país, impossibilitando serem localizadas e responsabilizadas por qualquer dano aos consumidores. Ocorre que na medida em que são representadas por empresas de marketing esportivo, por força da solidariedade da cadeia de consumo, acreditamos que estas respondem por vício no serviço, violação de dados, cobrança indevida e até mesmo por eventual publicidade enganosa ou enganosa por omissão.
De toda forma, com o advento da Medida Provisória nº 1.182/2023,[6] foi determinada a obrigatoriedade das “Bets” de estarem estabelecidas em território nacional, o que, além de efetivamente ensejar a tributação, permite a correta identificação de quem são as empresas responsáveis pelo serviço, e assim estabelecer as responsabilidades diante da relação de consumo.
As situações que atingem os consumidores, comumente nos serviços digitais, como erros do site ou aplicativos, equívocos nas cobranças, cadastros incompletos, falhas em devolução de valores, limites das publicidades, manipulação de resultados, proteção de dados, devem ser objeto de medidas internas, evitando-se violações ao Código de Defesa do Consumidor.
É certo que a relação de consumo resta caracterizada entre o apostador e a empresa, mas a ausência da escritórios no país não possibilitava o exercício dos direitos.
No caso, as empresas atuantes no país têm por dever o respeito às normas locais, e o Código de Defesa do Consumidor apresenta grandes desafios e necessidades de adequação para todos aqueles prestadores de serviço.
Com a regulamentação, acreditamos em maior segurança jurídica para ambas as partes, de forma que a própria empresa tenha certeza sobre às normas que está sujeita, quais os órgãos reguladores e fiscalizadores e como devem ser as abordagens para fins de conformidade.
Já há previsão pelo Governo Federal da criação de uma Secretaria Especial de Prêmios e Apostas, que aumentará, significativamente, o controle e o monitoramento de todas as atividades das “Bets”. Consta do projeto um departamento específico de fiscalização das atividades, o que obrigará as empresas a agirem rapidamente para completa adequação ao sistema legislativo brasileiro.
Tenha-se presente que o atendimento às regras de conformidade, ou seja, que programas de compliance no aspecto consumerista devem ser incorporados para possibilitar a atuação segura e adequada das empresas no território brasileiro.
Os vultuosos valores envolvidos nas operações de apostas online são ainda um mercado em desenvolvimento, aumentando sua expressão a cada dia, com isso, atingindo um crescente número de consumidores, com grande repercussão econômica. Logo, não se pode perder de vista que o consumidor também possui deveres nessa relação, tais como: seguir os termos e condições, ler atentamente sobre os riscos envolvidos, proteger seus dados, principalmente de pagamento, acessar por meio de aparelhos adequados e seguros, entre outros.
Diante de tantas inovações normativas no universo das “Bets”, a adequação pode ser desafiadora na implementação. Contudo, a clareza das normas e a correta aplicação da legislação ensejará segurança jurídica às empresas e usuários, fomentando a economia de forma lícita.
Joanna Lopes de Souza Teixeira, advogada do Meira Breseghello Advogados. MBA em Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV); LL.M em Direito Tributário pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP/RS). Pós-Graduanda em Direito do Consumidor pela Escola Superior de Advocacia da OAB. Membro da Comissão Especial de Direito do Consumidor da OAB/RS.