Viajar para postar: como o turismo é afetado pela ascensão das redes sociais

Segundo Renan Augusto Moraes Conceição, as mídias digitais transformaram viagens em espetáculos visuais, mudando a motivação dos turistas e influenciando o setor.

person-taking-selfie-with-smartphone-while-ferris-wheelPesquisador analisa que viagem deixou de ser apenas uma vivência pessoal para se tornar uma performance de consumo e validação pública. (Foto: Freepik)

Nas últimas décadas, o ato de viajar passou por uma transformação profunda. O que antes era uma experiência pessoal, voltada ao contato com novas culturas e à vivência do desconhecido, tornou-se, cada vez mais, uma prática moldada pela lógica das redes sociais, em especial o Instagram. Segundo o doutor em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, Renan Augusto Moraes Conceição, a ascensão das redes sociais gerou um novo fenômeno: o de viajar para produzir e colecionar imagens digitais.

De acordo com o pesquisador, a viagem deixou de ser apenas uma vivência pessoal para se tornar uma performance de consumo e validação pública. Hoje, para muitas pessoas, a fotografia da viagem é tão ou mais importante do que a própria experiência vivida. Conforme Conceição, as imagens dominam a percepção do turismo, transformando destinos em cenários para selfies e paisagens em commodities visuais.

“As imagens, afinal, são elementos de muita força nas motivações para o turismo. Quem nunca pensou em ir até Machu Picchu e tirar aquela foto olhando para as ruínas da cidade? Ou mesmo viajar até a praia e postar nas redes sociais que está tomando uma água de coco à beira-mar? Já pensou o número de curtidas em uma foto aos pés da Torre Eiffel? Todos nós estamos sujeitos a esse fenômeno!”, reflete o especialista.

Reflexos

Esse novo costume impactou diretamente o setor turístico. Estabelecimentos como hotéis, cafés e restaurantes passaram a investir em ambientes “instagramáveis”, criados especialmente para atrair visitantes que desejam compartilhar fotos chamativas em seus perfis. Alguns destinos turísticos foram ainda mais longe: passaram a pensar estrategicamente suas paisagens, criando elementos visuais atrativos para as redes. É o caso de Fernando de Noronha, no Brasil, e Bali, na Indonésia.

Segundo o pesquisador, alguns teóricos da comunicação e da sociologia já haviam observado o impacto da fotografia para compreender a profundidade dessas mudanças. O filósofo checo-brasileiro Vilém Flusser, por exemplo, já alertava para o poder das imagens em substituir a realidade, criando um universo paralelo de representações idealizadas. No turismo, isso se reflete na incessante busca pela “foto perfeita”, que constrói uma narrativa de sucesso, aventura e estilo de vida privilegiado.

Além disso, o sociólogo francês Jean Baudrillard, ainda nos anos 1980, também apontava para esse esvaziamento do real: vivemos, dizia ele, em um mundo de simulacros — cópias sem original, onde a representação se sobrepõe à realidade. Conceição retoma essa ideia para mostrar como, atualmente, muitos viajantes escolhem seus destinos pelo potencial fotográfico, e não necessariamente por interesse cultural, afetivo ou histórico. “Parece que atualmente o importante não é o que se vive, mas o que se mostra”, destaca o pesquisador.

Comportamento

Conforme Renan Conceição, esse fenômeno não é apenas uma tendência de mercado ou uma mudança comportamental isolada, mas o reflexo de uma sociedade pautada pela aparência e pela busca constante de validação social. Ao relembrar o pensamento de Flusser, o pesquisador afirma que a imagem, editada e modificada, aliena o observador, fazendo-o confundir a representação com a realidade.

“Se, por um lado, as redes sociais democratizaram o acesso à informação turística, por outro, transformaram a viagem em um produto de consumo visual. No futuro, será preciso se perguntar se viajamos para viver ou apenas para postar, e se ainda há espaço para o turismo como experiência genuína em um mundo dominado pelas selfies”, pontua.