Trust ganha espaço entre estruturas sucessórias por preservar patrimônio, explicam especialistas

O trust, relação contratual de origem anglo-saxônica, vem ganhando espaço entre estruturas sucessórias por preservar o patrimônio e garantir sua perpetuação por múltiplas gerações.

Juliana Cardoso e Humberto SanchesJuliana Cardoso e Humberto Sanches. (Foto: Divulgação)

O trust, estrutura de planejamento sucessório e de gestão patrimonial, é um instrumento que vem ganhando destaque por sua flexibilidade, eficiência, capacidade de garantir a extensão do patrimônio às gerações futuras e, como é comumente constituído em jurisdições internacionais, por conquistar vantagens fiscais.

Na prática, trata-se de um contrato de administração de bens em prol de um beneficiário. No momento de sua constituição, as condições de transferência e gerenciamento são estabelecidas, instituindo regras específicas caso a caso. Uma família pode constituir um trust, por exemplo, para custear a educação dos filhos ou sucessores, prevendo que recebam a herança total quando completarem determinada idade.

De acordo com Humberto Sanches, sócio-diretor do Humberto Sanches e Associados, o modelo, usado também em planejamentos filantrópicos e para proteção de bens, não tem personalidade jurídica.  “Ele é uma relação contratual, em que o instituidor entrega seus bens, em parte ou na totalidade, para serem administrados por um terceiro pelo período e condições pré-determinadas”.

Para a formação de um trust, são necessários, portanto, três agentes: o instituidor, chamado de settlor, o trustee, pessoa física ou jurídica nomeada para deter os ativos e gerenciar os bens, e o beneficiário, pessoa ou instituição que receberá o patrimônio ou seus rendimentos.

“O trust também pode contar com a figura de um protector, que terá poderes de fiscalizar, aprovar ou vetar as ações do trustee. Porém, essa posição não é um requisito formal para sua constituição”, explica Humberto.

Um quarto componente da estrutura é a Carta de Desejos, ou Letter of Wishes, que, embora não tenha força de regra, serve para facilitar interpretações do ato de constituição. Por exemplo, se um trust subsidia a saúde de um beneficiário que quer se submeter a um procedimento estético, é a Carta de Desejos quem vai guiar a decisão do trustee de acatar ou não a solicitação.

Juliana Cardoso, sócia diretora do Humberto Sanches e Associados, ainda esclarece que estas relações se formam, essencialmente, em quatro modelos contratuais: revogável, irrevogável, discricionário ou não.  “O trust revogável poderá ser revogado pelo settlor a qualquer momento, enquanto o irrevogável se extingue apenas após a distribuição total do patrimônio aos beneficiários. Já os contratos discricionários significam que o trustee tem o poder de decidir o valor e o momento da distribuição a cada beneficiário”.

Além da eficiência e da personalização das condições do planejamento sucessório, o trust também oferece a possibilidade de tributações menores nos casos de sucessão em águas internacionais.

“O trust é um instrumento muito útil para situações envolvendo beneficiários com condições especiais, para regular a governança de ativos complexos e mitigar consequências fiscais desvantajosas, como pode acontecer, por exemplo, nos Estados Unidos. Sendo assim, deve-se avaliar o país escolhido para sua constituição e se a lei local aplicável a trusts garante proteção aos ativos do trust fund. O recomendado é que as regras de regulação sejam modernas e flexíveis”, afirma Juliana.

Apesar das inúmeras vantagens, a advogada ressalta que a opção por esta estrutura deve ser embasada na análise de custos, no valor total do patrimônio e nos desejos da família.

“A recomendação do uso do trust deve ser avaliada junto a profissionais especializados e experientes, capazes de ponderar os benefícios jurídicos do instituto em contraposição aos custos de constituição e manutenção, assim como os impactos fiscais, que podem ser positivos ou negativos, a depender do tipo de ativo e jurisdição envolvida. Diante das incertezas tributárias atualmente aplicáveis, por exemplo, deve haver uma análise cuidadosa dos possíveis efeitos e riscos”.

No Brasil, o trust, que é um sistema anglo-saxônico regido pela common law, ainda não é disciplinado pelo Código Civil Brasileiro, mas já conta com algumas iniciativas que visam sua aprovação.

“Entre elas, o Projeto de Lei n. 4.758/20, e mais recentemente, a Medida Provisória n. 1.171/23, que, se convertida em lei, disciplinará o trust sob a ótica tributária brasileira. Ademais, já existem interpretações da Receita Federal e da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo a respeito do seu tratamento tributário”, elucida Humberto.

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