Quiet ambition: a busca por menos responsabilidade e pressão no mercado de trabalho
O fenômeno é uma tendência que aponta que trabalhadores buscam cada vez mais adequar suas carreiras às suas demandas pessoais.
Fenômeno do quiet ambition é uma tendência de mercado que aponta para uma realidade que trabalhadores buscam cada vez mais adequar suas carreiras às suas demandas pessoais. (Foto: Freepik)
Vamos supor que você trabalhe numa empresa e seu cargo seja intermediário: é bom, serve para pagar as contas, mas não é excepcional. Até que lhe oferecem uma promoção para assumir um dos cargos mais altos, então você… recusa. Pelo menos é isso o que está acontecendo com várias pessoas, que preferem se estabilizar na carreira do que assumir mais responsabilidades e pressão, buscando um melhor equilíbrio entre vida pessoal e carreira. O fenômeno do “quiet ambition”, do inglês ambição silenciosa, está em alta e crescendo, mas não é tão recente assim. Já assumiu outros nomes, como “opt out” no início do século, mas a ideia é a mesma: os trabalhadores modernos buscam cada vez mais adequar suas carreiras às suas demandas pessoais.
Um mundo em transformação
Uma pesquisa da Visier com mil americanos indicou algumas tendências. As duas razões mais dadas pelos entrevistados que os afastam de querer assumir cargos de chefia são evitar mais responsabilidade e pressão (40%) e aumento da carga horária (39%). Já as expectativas e objetivos de vida mais mencionados foram do âmbito pessoal: ter mais tempo com amigos e família (67%), saúde psíquica e emocional (64%) e viajar (58%). A primeira meta relacionada ao trabalho está apenas na quarta posição, que é receber um aumento (54%).
Sigmar Malvezzi, professor associado do Instituto de Psicologia da USP, explica que essas mudanças muito se devem à revolução tecnológica e ao mundo líquido em que vivemos. “O mundo exterior está mudando de um modo muito radical e muito rápido, nós não temos tempo hoje para buscar uma adaptação como tivemos até 50 anos atrás”. A fluidez de carreiras, automação e velocidade das informações acelerou todos os processos de mudança.
Ele compara o cenário atual como ter que “consertar um carro com ele em movimento”. Ou seja, antes que se tenha tempo para se adaptar a uma novidade, esta já está antiquada e uma nova tendência surge. O professor diz que essa situação torna vários aspectos da vida incertos, inclusive a identidade. Hoje, as pessoas estão mais do que nunca preocupadas em “se descobrir”, e com isso a carreira já não serve mais como o pilar que foi durante tantos séculos.
Crise dos 40 aos 20
A professora Tania Casado, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, complementa dizendo que reflexões existenciais e um questionamento de si mesmo têm se tornado mais comuns no século 21. Se antes era só a partir da “crise dos 40”, agora mesmo os jovens estão buscando entender o que eles querem para si.
Ela conta que um episódio marcante nisso foi o atentado às torres gêmeas, em 2001. Segundo ela, o impacto do ataque foi grande, especialmente no mundo corporativo. Tantas pessoas morreram e muitas que trabalhavam em cargos altos e que abriram mão de desejos pessoais para estar ali na carreira. “Havia muitas empresas e pessoas que estavam lá batalhando pelas suas trajetórias profissionais que, de repente, tiveram suas vidas acabadas por um fator completamente fora de qualquer controle delas”. Mais recentemente, a pandemia provou a mesma coisa: a perenidade das coisas, a vida além do nosso controle.
“Então nós vimos pessoas de todas as idades preocupadas com a finitude, preocupadas com a sua saúde e com situações que, mais uma vez, fugiam ao seu controle”, conta a professora. Ela diz que esse fenômeno não é exatamente novo, mas que ganha força após eventos impactantes. “Nós vamos ver de novo essa preocupação: ‘olha, a vida está aí para ser vivida. Eu preciso trabalhar dentro de alguma coisa que faça sentido para mim, estar atento aos meus valores, estar com minha família”.
Ainda assim, não deixa de ser uma marca nos tempos atuais. Tania reforça o que disse Sigmar Malvezzi, apontando a tecnologia e as transformações rápidas como um fator importante para construir esse limbo existencial. O mundo, segundo ela, está “doido”, no sentido de que as coisas antes tidas como certas já não são mais. “Antigamente era uma coisa que só as pessoas mais velhas faziam, de pensar sobre o sentido da vida; hoje, os jovens estão pensando nisso”.
O que deve mudar
Tania Casado dá algumas indicações do que pode e deve ser feito sobre essa tendência no mercado de trabalho. O quiet ambition é uma realidade e, de acordo com ela, não pode ser ignorado pelas empresas. As demandas que surgem dos trabalhadores são válidas e constituem uma parte inegociável de uma proposta de vida e não adianta as corporações fingirem que não está acontecendo. Pelo bem dos empregados e empregadores, ela propõe o que chama de “contrato psicológico”.
“No contrato psicológico precisa-se estabelecer quais são as expectativas da organização, quais são as expectativas dos funcionários e o gestor alinhar isso. Porque se uma pessoa entender que os objetivos de vida dela podem ser atingidos pelo trabalho dela naquela organização, ela vai permanecer na organização. O contrato psicológico é uma ferramenta poderosa na interação entre gestores e profissionais”. Seria uma forma, portanto, de um diálogo sincero e aberto, com menos “jogos” sociais do que as entrevistas convencionais.
O benefício disso é fortalecer a relação e alinhar com clareza o que ambas as partes esperam daquele vínculo empregatício. “O que as organizações precisam entender é que as pessoas hoje buscam uma maior integração entre a sua vida pessoal, familiar e profissional. Temos que entender que as pessoas que trabalham conosco são seres humanos inteiros, em que não só a sua capacidade de entrega do trabalho, mas também os seus valores, crenças e expectativas que a pessoa tem em relação àquele trabalho precisam ser consideradas”. E ela conclui: “Se isso não acontecer, não teremos profissionais engajados com a organização”.