Multinacionais terão que seguir novas regras tributárias alinhadas à OCDE
Normativa implementa arm’s lenght, regime internacional de tributação adotado pelas principais economias do mundo, mas especialistas apontam ressalvas.
Larissa Pimentel de Lima, Philip Schneider e Pedro Bini analisam a a nova lei das multinacionais. (Foto: Divulgação)
Para evitar dupla tributação, concorrência desleal, autuações fiscais e que empresas com coligação ou controle no exterior transfiram lucros obtidos no Brasil a outros países, foi publicada, no dia 14 de julho, a Lei nº 14.596. Muito aguardada pelo mercado, a normativa, que entra em vigor em janeiro de 2024, estabelece novas obrigações tributárias para multinacionais, fixando regras de preço de transferência alinhadas ao padrão internacional da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O preço de transferência, também conhecido como transfer pricing, no jargão do mercado, é um conjunto de normas aplicadas pela Receita Federal para apurar os resultados financeiros de multinacionais devidos ao Imposto de Renda e à Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Ou seja, é um método que indica o valor a ser pago por bem ou serviço de negócios com coligações, filiais ou sucursais estrangeiras.
O novo regime, conhecido como arm´s length, implementa parâmetros globalizados a esses cálculos, impedindo bitributações e contribuindo para o avanço de acordos mercadológicos, uma vez que a disparidade envolvendo regras nacionais e internacionais já foi obstáculo para negociações entre o Brasil e outros países, como a Alemanha.
Segundo Larissa Pimentel de Lima, advogada da área de consultoria tributária do Neder e Romano Advogados, a padronização cria boas perspectivas de investimentos e, também, de uma maior inserção nacional entre as economias globais. “A modernização trazida pela nova regra é muito importante para a integração do Brasil no cenário externo, aumentando a competividade das empresas brasileiras e conferindo segurança às transações internacionais”, afirma.
Larissa Pimentel de Lima, advogada da área de consultoria tributária do Neder e Romano Advogados. (Foto: Divulgação)
A especialista ainda ressalta que as alterações eram necessárias para solucionar obstáculos enfrentados por multinacionais, como o reconhecimento de créditos dos impostos pagos no Brasil (Foreign Tax Credit). Nos Estados Unidos, por exemplo, os créditos sobre o imposto de renda pagos no exterior só são reconhecidos se o cálculo for realizado em conformidade com princípios de tributação internacional, dentre os quais consta o arm’s lenght.
“O risco de dupla tributação provocado pelas antigas regras brasileiras de preços de transferência era um problema evidente, especialmente quando os métodos que se utilizam de margens de lucros fixas não são aceitos em outras jurisdições”, explica.
Philip Schneider, advogado e sócio da boutique tributária schneider, pugliese, advogados. (Foto: Divulgação)
O advogado Philip Schneider, sócio da boutique tributária schneider, pugliese, advogados, contextualiza que o principal objetivo da Lei, para além dos já listados, é, de fato, a convergência com os padrões internacionais, afinal a adoção dos modelos de preços de transferência é um requisito para o ingresso na OCDE. “O arm’s lenght muitas vezes altera a maneira concreta com que as companhias precificam suas transações entre partes relacionadas, o que gera uma alocação mais equânime de custos e receitas intercompany”.
Embora as regras favoreçam uma maior arrecadação para os cofres e impeçam cenários de concorrência desleal e dupla tributação, existem, também, aspectos onerosos. Entre eles, o aumento dos custos de conformidade fiscal e de ações contenciosas. Isto porque, de acordo com Larissa, a nova Lei tem pontos muito subjetivos, que podem gerar arbitramentos e insegurança jurídica e que demandam um grande esforço de adaptação e atualização de procedimentos internos de multinacionais.
“As empresas vão precisar se ajustar às novas regras brasileiras de preço de transferência e aprimorar controles internos para se precaverem dos prováveis litígios que surgirão nos próximos anos. Mas a experiência já adquirida pelas multinacionais poderá ajudar a reduzir a curva de aprendizagem necessária à aplicação dos novos procedimentos.”, destaca a especialista.
Pedro Bini, sócio e especialista em Direito Tributário do schneider, pugliesi, advogados. (Foto: Divulgação)
Pedro Bini, sócio e especialista em Direito Tributário do schneider, pugliesi, advogados, reforça que a Lei aumentará os custos de compliance, já que o modelo da OCDE é bem mais complexo do que o modelo brasileiro, e exige uma documentação mais robusta e extensa.
“De maneira geral, as multinacionais precisarão documentar melhor suas operações e buscar informações de mercado para compará-las com operações praticadas entre partes independentes. Hoje, essa comparação não é necessária porque o Brasil adota o modelo de margens fixas. Além disso, em alguns casos, as multinacionais precisarão alocar, para fins fiscais, mais receita no Brasil, receita essa que não era alocada e era tributada no exterior”, elucida Pedro, alertando, também, para o fato de que, como a legislação é nova e não existe jurisprudência administrativa e judicial no país, a insegurança sobre a interpretação das autoridades fiscais e regulatórias pode crescer.
Desta forma, embora a Lei se proponha a uma redução de contenciosos judiciais, empresas ainda podem se deparar com muitos questionamentos litigiosos, por exemplo, sobre a legitimidade dos valores dos preços de transferência que, com a ampliação do escopo, recaem também sob ativos intangíveis e operações societárias intragrupo.