Reserva Caiman: a casa da onça-pintada
Ao investir no conservacionismo aliado à hospitalidade sustentável de luxo, a Caiman, recém-reformada fazenda do empresário Roberto Klabin, se consagra como o mais desejado destino de ecoturismo para avistar onças-pintadas no Brasil.
Caiman, recém-reformada fazenda do empresário Roberto Klabin, se consagra como o mais desejado destino de ecoturismo para avistar onças-pintadas no Brasil. (Foto: Divulgação)
São 7 e pouco da manhã de uma sexta-feira solar e avermelhada nos rincões da cidade de Miranda, no Mato Grosso do Sul. Eu mal comecei meu primeiro dia de safári na Caiman, a mais famosa das fazendas de ecoturismo do Pantanal brasileiro, a 240 quilômetros da capital Campo Grande, quando Falamansa, o nativo guia de campo que dirige o veículo 4x4, recebe por rádio uma mensagem de um colega guia em outro carro. “Ela acaba de ser vista num capão de mata para aquele lado, e não está sozinha”, diz. Nem consigo acreditar quando chegamos e consigo avistar quem é “ela”. A cerca de cinco metros de nós, uma onça-pintada adulta nos olha, com a boca suja de sangue, enquanto devora as vísceras de um garrote. O impacto daquele flagrante cruel da vida selvagem vem acompanhado de ternura. Ao lado de Luna, a onça-mãe, dois filho tes nos observam ressabiados.
Eu não sou o único emocionado a ter a sorte de avistar o maior felino das Américas assim, solto na natureza, por meia hora logo no início da minha jornada exploratória pela região – e depois de anos de tentativas frustradas em outros hotéis de selva pelo país. O biólogo Fábio Paschoal, meu guia e ex-colega de reportagens para a National Geographic, reconhece seu encantamento: “É a primeira vez que vemos os filhotes da Luna!” Ainda que a Caiman já tenha se consagrado como a mais bem-sucedida experiência de turismo para observação de onças no país, acrescentar novos indivíduos à lista de uns 180 felinos já visualizados é o reconhecimento de que o trabalho de conservacionismo aliado à hospitalidade de alto nível não para de progredir ali.
Projeto Arara Azul, que há 30 anos foi criado pela bióloga Neiva Guedes para lutar pela preservação da maior das 344 espécies de aves locais. (Foto: Divulgação)
Referência nacional quando o assunto é hotelaria na natureza, a Caiman conquistou o trunfo de criar condições para que 95% de seus hóspedes consigam ver, livre no habitat, um bicho tão raro e arisco. Em 2021, este status atingiu níveis ainda maiores de excelência.
Enquanto a natureza da propriedade se recuperava do incêndio que queimou cerca de 60% da fazenda em 2019, o proprietário Roberto Klabin driblou o sumiço de hóspedes – 70% deles estrangeiros – provocado pela pandemia. Aproveitou o vácuo de turistas e tirou do papel uma reforma de R$ 14 milhões de reais e reposicionar seu refúgio ecológico criado em 1985.
Maior e reestilizada, a nova Casa Caiman foi inaugurada com 100% de ocupação no melhor mês de julho da história. E só com hóspedes brasileiros. “A pandemia fez com que os brasileiros enfim descobrissem melhor o Brasil.” As três onças que avisto logo na primeira manhã na Caiman são apenas o impressionante abre-alas de uma sucessão de surpresas da fauna brasileira que viria a me surpreender ao longo de quatro dias de estada.
Desenvolvido pelo Onçafari, o ecoturismo não teria o mesmo sucesso. (Foto: Divulgação)
Revoadas de colhereiros e tuiuiús, ave-símbolo do Pantanal, e um grupo de queixadas barulhentos também dão boas-vindas ao longo do passeio. Não tenho a mesma sorte de avistar a anta, maior mamífero terrestre do Brasil, como os hóspedes que sentam à mesa ao lado durante o almoço, quando volto às instalações novinhas da Casa Caiman para comer as delícias da agrofloresta própria e de produtores locais. O fim do dia se aproxima e volto para o safári no entardecer, em uma rotina semelhante à dos safáris africanos. Agora um tamanduá-bandeira dá o ar da graça. Termino o dia contemplando o espetacular pôr do sol pantaneiro, remando uma canoa canadense na baía diante do hotel, a menos de 2 metros de distância de jacarés e capivaras de vários tamanhos!
Foi a constatação desse potencial para criar experiências marcantes de imersão na vida selvagem do Pantanal, maior planície inundável do planeta, que levou Roberto Klabin a transformar a fazenda de sua família tradicional na indústria de celulose em uma hospedaria para ecoturismo. Isso foi 35 anos atrás. “Eu queria preservar este espaço de memórias afetivas de infância e de compartilhar toda esta natureza com mais pessoas”, conta enquanto conversa mos em uma das muitas salas de estar repletas de mapas antigos e de obras de arte popular da nova Casa Caiman. Um dos criadores de ONGs como a SOS Mata Atlântica e a SOS Pantanal, Klabin se orgulha por ter transformado 5,6 mil dos 53 mil hectares da fazenda na Reserva Particular de Proteção Natural Dona Aracy – e por conseguir aliar ecoturismo, pecuária e conservacionismo.
Klabin se orgulha por ter transformado 5,6 mil dos 53 mil hectares da fazenda na Reserva Particular. (Foto: Divulgação)
Inaugurada em junho de 2021, a nova Casa Caiman conta com 18 apartamentos com varanda na área da antiga residência de Klabin. Com piscina, salas de estar com lareira, redário e lounges ao ar livre, além de sala para palestras, o espaço se soma às antigas pousadas Cordilheira e Baiazinha, com 5 e 6 quartos respectivamente – que passaram a ser reservadas em sistema de villa para famílias ou grupos fechados. A experiência do hóspede ganhou complementos em outras áreas. O churrasco pantaneiro no aconche gante Galpão dos Peões, ali perto, conta com menu, bar de drinks, música ao vivo, fogueira, figurino e cenário regionais.
Já a experiência gastronômica sob as estrelas começa com uma aula de observação dos astros em espreguiçadeiras ao ar livre e termina com os hóspedes jantando, entre tochas, sob uma linda árvore iluminada por 86 lampiões suspensos. Tudo isso com cuidado com a sustentabilidade: plásticos foram banidos do hotel (inclusive das amenities dos banheiros) e há enca minhamento correto do lixo e de efluentes.
Mas são as experiências de avistamento de muitas das 500 espécies de animais selva gens da fauna pantaneira que mais arrebatampanho o trabalho dos pesquisadores do Instituto Onçafari e volto a me emocionar diante de duas onças, dessa vez a Fera com sua filha Turi. “Se não fosse pelo sucesso do programa de habituação das onças aos carros que transportam turistas, desenvolvido pelo Onçafari, nosso ecoturismo não teria o mesmo sucesso”, atesta Klabin. O fazendeiro dá o nome e sobrenome do responsável por esta guinada: Mario Haberfeld. Dez anos atrás, o ex-piloto de automobilismo bateu à porteira da Caiman com o ousado projeto do Onçafari. A união da exper tise de Mario, um conservacionista que expe rimentou quase os melhores safáris do mundo, com o ambiente e o projeto de vida de Klabin renderam frutos. “A ocupação do hotel tripli cou na última década graças ao turismo para avistar onças”, comemora Haberfeld.
Reserva investe no conservacionismo aliado à hospitalidade sustentável de luxo. (Foto: Divulgação)
Outro êxito de parceria da ciência com o turismo na Caiman é o Projeto Arara Azul, que há 30 anos foi criado pela bióloga Neiva Guedes para lutar pela preservação da maior das 344 espécies de aves locais – e maior arara do mundo. Passo minha última manhã no hotel com os pesquisadores do Instituto Arara Azul. Eles praticam rapel em árvores de até 14 metros de altura para conferir os ovos e filho tes nos ninhos desses casais de aves que vivem em monogamia por toda a vida. Descubro que foi a dedicação à preservação das araras que fez a bióloga Ana Cecília Lourenço e o guia de campo Lucas Rocha Novaes se apaixonarem e noivarem. O Projeto Arara Azul monitora 102 ninhos atualmente e as aves já saíram da ameaça de extinção. Graças a experiência de aproximação com as araras e as onças pintadas hóspedes como eu tornam-se engajados pela proteção da natureza do Pantanal.