Miro transcende o registro editorial como expressão artística

Gisele Bündchen posou para Miro no início e sua carreira.

Se não existisse, Miro teria que ser inventado. E assim aconteceu, por sua plena autoria. Nascido em Bebedouro, São Paulo, Azemiro de Souza, um jovem de olhos verdes, introspectivo e generoso, inventou a sua jornada na fotografia em 1970. “A fotografia foi e é até hoje o meu trabalho para a vida. Sou basicamente um fotógrafo publicitário que tentou fazer do ofício uma porta aberta para entrar e transitar por todas as possibilidades que a fotografia tem”, ele define. Desde os primeiros cliques, sua habilidade com a luz e o contraste chamou atenção, o que o tornou um dos fotógrafos mais requisitados da cena fashion brasileira. Suas imagens logo estamparam capas de revistas de moda, além de campanhas memoráveis. Nos anos 1980 e 1990, Miro foi um dos principais responsáveis por construir a identidade visual das grandes grifes brasileiras. Seu trabalho ajudou a estabelecer a estética da moda nacional, aliando sofisticação europeia ao tropicalismo brasileiro. “Tive o privilégio de começar a fotografar quando a fotografia tinha cheiro. Era um prazer estar no laboratório e ver a imagem aparecer. Passei pelo processo analógico por décadas e, depois, pelo digital, sem sofrer.”

Uma das imagens da série de fotografias inspiradas na pintura de Caravaggio.

Ao longo de sua carreira, Miro buscou inspiração em grandes mestres da pintura. Uma de suas séries mais marcantes é o editorial de moda inspirado em Caravaggio, na qual recria a dramaticidade do mestre do barroco com modelos e figurinos luxuosos. O jogo de luz e sombra característico do pintor italiano é reinterpretado em fotografias que unem moda, história e teatralidade, criando um resultado atemporal e impactante. Esse ensaio, assim como a série “Vanitas”, destaca o poder da fotografia como linguagem artística. Inspirado nas pinturas do século XVII, Miro usou elementos como crânios, velas e tecidos dramáticos para evocar a efemeridade da vida e o luxo passageiro da moda. A ideia funcionou também como um processo terapêutico. “Em 1987, eu estava trabalhando bastante e sentindo tonturas e formigamentos. Foi quando tive a ideia de fazer um ensaio inspirado em quadros do Caravaggio, em que existia a fragilidade da vida e muita simbologia nas naturezas mortas”, conta. “Eu, meu assistente e uma produtora começamos a trabalhar em 33 quadros selecionados. Fizemos casting, contratamos costureiras, e fizemos até cerâmicas para tornar mais fiel cada imagem. Paramos no quadro 13.” Os sintomas continuaram durante outros trabalhos e o diagnóstico de síndrome do pânico veio logo depois. Com apoio da mulher, Gisela, Miro recuperou-se.

O fotógrafo soube captar o humor e o talento de Fernanda Torres em foto editorial para a Vogue.

A estética barroca aplicada ao universo fashion reafirma a capacidade de o fotógrafo criar imagens que vão além da publicidade e se tornam obras de arte. Embora tenha trabalhado com cores vibrantes e composições ousadas, Miro é reconhecido pelo domínio do preto e branco. Suas imagens monocromáticas são carregadas de contrastes e texturas, conferindo a elas um requinte único. Um exemplo é a imagem da modelo de vestido Gisele Bündchen posou para Miro ainda no início da carreira vermelho no vão do MuBE, projetado por Paulo Mendes da Rocha. “A foto fazia parte de uma campanha para o aniversário de São Paulo”, conta. Em suas lembranças, ele relata que a foto de Gisele Bündchen, ainda em começo de carreira, foi clicada em tempo recorde para um editorial que o então editor de Vogue, Andrea Carta (1959-2003) estava produzindo para o lançamento da revista RG. “Ela me perguntou: ‘Como você quer as minhas mãos’?” A imagem da ganhadora do Globo de Ouro, Fernanda Torres, entre cadeiras foi feita para a Vogue em conjunto com outras celebridades. Cada foto sua carrega um equilíbrio preciso entre luz e sombra, volumes, formas e expressões, reafirmando a relevância de Miro na fotografia e na moda brasileira.