Presidente e CEO da Tod’s, Diego Della Valle, luta para salvar o patrimônio cultural e as tradições artesanais
Tod’s é grande, uma das marcas de moda mais importantes da Europa, que produz sapatos, bolsas e roupas refinadas de fabricação italiana para homens e mulheres.
Diego Della Valle, fundador da Tod’s.
Quando eu era jovem, fizemos um tour para conhecer Roma. Me lembro bem do Coliseu: ‘Uau’ ”, diz Diego Della Valle, em seu escritório iluminado por luz natural e repleto de arte contemporânea no complexo fabril em Le Marche, centro da Itália, onde fica sua empresa, a Tod’s.
“Uma das coisas da vida quando você é pequeno, mas que permanece grande quando cresce.”
A Tod’s é grande, uma das marcas de moda mais importantes da Europa, que produz sapatos, bolsas e roupas refinadas de fabricação italiana para homens e mulheres. O Grupo Tod’s, que inclui as marcas Roger Vivier, Hogan e Fay, registrou resultados de quase US$ 623 milhões no primeiro semestre de 2023, dos quais mais de US$ 311 milhões vieram da Tod’s. Em receita, o grupo ultrapassou US$ 1,1 bilhão em 2022– cerca de 10% a mais do que na pré-pandemia. A fábrica, projetada pela terceira e atual esposa de Della Valle, a arquiteta Barbara Pistilli, e construída com reluzente mármore travertino italiano, também é vasta: quase 83 mil m², com 4 mil m² de jardins.
Tão grande que o pai de Della Valle, Dorino, usava uma bicicleta para se locomover por ali. Foi uma das primeiras instalações desse tipo no país a oferecer um ambiente sofisticado no qual os funcionários podiam trabalhar e se divertir: há uma creche e pré-escola, academia, restaurante e um auditório para exposições e palestras, tudo gratuito para quem trabalha lá. A arte está em toda parte, até mesmo em uma escada Wave, de Ron Arad, e em uma Ferrari F33 de Fórmula 1 usada por Michael Schumacher em 1997.
“As pessoas aqui, inclusive eu, trabalham em um lugar agradável”, diz Della Valle, 69 anos, em um inglês encantadoramente imperfeito. “É uma vida saudável, rodeada de muito verde. As pessoas trabalham como há 100 anos”, diz ele sobre os artesãos que ainda fazem seus produtos manualmente.
“Essa é a diferença entre nós e outros que são mais empresas de marketing. Somos bastante ligados à qualidade de vida e fazemos muitas coisas para apoiar o país, como restaurar o Coliseu. Temos de obter lucro, claro, mas a nossa responsabilidade social é forte. Fico orgulhoso quando faço algo pelos outros.” Della Valle prometeu 28 milhões de dólares para a restauração do Coliseu em 2011, distribuídos em quatro fases.
As duas primeiras– limpar a fachada de dois mil anos, com vapor purificado de alta pressão, e reformar o hipogeu, a série de túneis e salas sob a arena onde gladiadores e animais eram preparados – já estão concluídas. A terceira, a transferência do centro de serviços para fora do edifício principal, está prestes a começar; a quarta, sobre a iluminação, virá em seguida. Ele construiu escolas e financiou projetos comunitários em Casette d’Ete, região onde está a fábrica, e onde ele cresceu e ainda mantém residência. Também possui propriedades em Capri, Milão, Nova York, Miami e Paris, bem como um iate de 52 pés que já foi do ex-presidente dos EUA, John F. Kennedy, um helicóptero e uma coleção de Ferraris. Sua fortuna pessoal é estimada em US$ 1,6 bilhão.
TRUQUE PARA O MOCASSIM
Tony Ripani, o mestre de couro da Tod’s.
Tony Ripani, o mestre de couro da Tod’s, tem um truque: pega sua garrafa de água e derrama algumas gotas em um mocassim Gommino de camurça macia. O líquido escorre pela parte superior do sapato sem penetrar no couro. Ele passa o dedo, esfrega no material e uma mancha escura aparece- em poucos minutos, some e o sapato está impecável. Não é mágica, mas prova a excelência da marca. Ripani trabalha na empresa há 44 anos e agora, aos 76, luta para se aposentar. É um desafio porque ele gosta do trabalho e não tem pressa. “Não enquanto houver tanto para aprender”, diz. Cada membro de qualquer uma das 422 lojas Tod’s no mundo conhece Tony.
Como parte da formação, todos fazem uma visita a Le Marche para observar o trabalho do mestre. Não dá para vender um produto de couro sem entender como ele funciona– e de couro italiano,sem compreender o estilo de vida. Algo que Della Vallepreza. Seu avô, Filippo, fazia sapatos à mão na casa da família no início da década de 1920.
À MODA ANTIGA
Protótipo é testado à moda antiga.
O pai, Dorino, construiu uma fábrica, confeccionando para varejistas como Saks Fifth Avenue e Bergdorf Goodman. Diego entrou na empresa familiar em 1975 e, alguns anos depois, teve a ideia de um tênis baseado em um mocassim. Nada é colocado e produção sem passar pela equipe, que estabelece se é possível executá-lo. Se houver dúvidas quanto ao conforto, o protótipo é testado à moda
antiga: andapela fábrica com um sapato novo em um pé e um antigo no outro, para comparação.
O design volta ao último artesão que faz o molde de madeira sobre o qual o sapato é construído. Ele pode aumentar o tamanho usando uma resina para esticar o couro e evitar que o sapato esfregue no dedo do pé. Embora o couro agora possa ser cortado à máquina ou a laser, a maior parte da construção é feita à mão. Mas quem irá trabalhar estas matérias-primas no próximo meio século? Hoje em dia, os sapatos poderiam ser feitos por robôs, embora “a qualidade não seja a mesma”, diz Della Valle.
É necessário um luxo constante de artesãos para manter o negócio, mas os jovens buscam trabalhos mais lucrativos ou prestigiosos. “Ninguém ajuda os idosos. Existem muitos problemas sociais.” É por isso que, há alguns anos, ele iniciou a Bottega dei Mestieri, onde jovens são colocados com mestres consagrados durante seis meses de atividade remunerada. “Os jovens dão energia aos velhos e os velhos dão a experiência aos jovens. É uma boa mistura.” Após o período experimental, cerca de 80% dos estagiários permanecem.
Della Valle está convencido de que a juventude italiana pode ser persuadida a trabalhar com as mãos e entender que é uma profissão nobre e lucrativa. Tudo faz parte do Made in Italy importante para a indústria de luxo do país, e pessoalmente para Della Valle. A fé de que a excelência artesanal italiana não é sacrossanta, mas quase divina, não é uma jogada de marketing. Mas como convencer pessoas na faixa dos 20 e poucos anos de que não deveriam aspirar a Wall Street ou ao Vale do Silício, e sim trabalhar em uma fábrica?
Francesco tem 27 anos e está na Tod’s há seis. Ele começou como cortador de couro e sua precisão impressionou Tony, que o queria em sua equipe, mas não tinha vaga em aberto. Della Valle o contratou. “Gosto da sensação de trabalhar com especialistas”, diz ele, que estudou mecânica na faculdade. “Tod’s é muito confiável. E gosto das técnicas artesanais tradicionais, como a costura à mão.” Cada vez mais o artesanato torna-se sexy entre as gerações Z e Y. Made in Italy é uma coisa real”, diz Della Valle. “Aomesmo tempo, trata-se de uma coisa simples. Na Itália, o sentido do artesão é muito forte porque o povo nasceu com essa cultura.” O ganho é da Itália – e nosso.