Polifonia Brasileira
No Masp, o destaque à intimidade e aos costumes da população em quase quatro centenas de obras de 250 artistas.
Amalá na floresta, óleo sobre tela de Rosina Becker do Valle, 1971.
Em um ano especialíssimo, durante o qual foram celebrados o centenário da Semana de Arte Moderna e o Bicentenário da Independência do Brasil, 380 obras (24 delas inéditas) de 250 artistas e coletivos estiveram presentes na mostra Histórias Brasileiras, no Museu de Arte de São Paulo (Masp).
A exibição integrou a série dedicada às Histórias, inici-ada em 2016 com Histórias da infância, e cuja proposta foi a de rever criticamente a trajetória do país. A curadoria da exibição, comandada pelo diretor artístico da instituição, Adriano Pedrosa, e pela historiadora Lilia Moritz Schwarcz, quis trazer à luz um Brasil esquecido na invisibilidade.
Por dois andares do Masp, a mostra incluiu uma variedade de mídias, suportes, tipologias, origens, regiões e períodos, organizados em oito núcleos temáticos: Bandeiras e mapas, Paisagens e trópicos, Terra e território, Retomadas, Retratos, Rebeliões e revoltas, Mitos e ritos e Festas. A perspectiva geral foi a de abarcar histórias sociais e políticas, íntimas, privadas, dos costumes e do cotidiano contidas em uma cultura visual que havia se esquecido delas em busca de apenasdestacar grandes personagens e fatos oficiais.
Wazaká, a árvore da vida, óleo sobre tela de Carmézia Emiliano, 2022.
Como dizem os curadores, esta exposição centrou-se em mostrar “um caráter mais polifônico e fragmentado, escapando de uma visão definitiva, canônica e totalizante” da arte brasileira. Assim é que faz sentido a presença, na exibição, de uma obra como Bandeira afro-brasileira (2022), do artista paulista de 37 anos Bruno Baptistelli, que altera as tonalidades da flâmula nacional para convertê-la numa bandeira em oposição àquela com o lema “Ordem e progresso”, cujas cores aludem à casa imperial de Habsburgo e Bragança.
Na seção Paisagens e trópicos, estão tanto as pinturas que idealizaram um paraíso local à moda europeia no século XVII, como a tela Paisagem com jiboia (1660), do holandês Frans Post (1612-1680), até a fotografia Natureza morta 1 (2016), do amazonense de 38 anos Denilson Baniwa, que traz a silhueta de um indígena morto sobre a Floresta Amazônica, a indicar a devastação da mata. A obra do paulista de 37 anos Jaime Lauriano Nessa terra, em se plantando, tudo dá (2015) foi incluída no núcleo Terra e território de modo a ilustrar a exploração de culturas agrícolas pelo sistema escravista.
Natureza morta, foto digital sobre papel de Denilson Baniwa, 2016.
No núcleo Retomadas, entendeu-se a palavra retomar como criar, ficcionalizar e transformar, como se vê na obra Monumento à voz de Anastácia (2019), do carioca de 32 anos Yhuri Cruz. A imagem se apropria da representação colonial de Anastácia, escravizada e obrigada a utilizar até a morte um grilhão e uma máscara de flandres, ao colocar-lhe uma boca.
No núcleo Retratos estão representações de vozes indígenas, negras e ativistas, e retratos icônicos da história brasileira, através de autorretratos
ou representações de figuras de poder de diferentes períodos. Em Rebeliões e revoltas, a serigrafia A Luta (2018-19), do paulista de 36 anos Santarosa Barreto, reitera a urgência de militâncias sociais.
Religiões são representadas em Mitos e ritos e o país da celebração vem recuperado em Festas, que traz, por exemplo, a tela Sem título (1968), da mineira Maria Auxiliadora (1935-1974), a representar um baile black.
Autorretrato, proteção Yemanjá óleo de Yêdamaria, 1978.
Trapioca Box, sobre madeira e metal, de Emmanuel Nassar, 2021.
Bandeira afro-brasileira, em tecido de algodão, de Baptistelli, 2022.