Outras obras primas de Warhol: coleção de 300 relógios
Os relógios garimpados ao longo da vida pelo gênio da pop art são tão disputados em leilões quanto sua arte.
Warhol era frequentemente fotografado usando um de sua coleção de relógios, que chegavam às centenas.
Como na corte do Rei Sol, os assistentes de Andy Warhol buscavam a constante aprovação de seu superior. Trabalhando com o artista em Nova York na década de 1980, Marc Balet, diretor de arte da revista Interview, fundada pelo pai da pop art, lembra de tentar impressioná-lo com seu relógio Jaeger-LeCoultre Reverso, que tinha acabado de trazer da Suíça.
“Eu usei na Factory”, disse ele à Robb Report, referindo-se ao famoso estúdio do artista, onde reunia seu círculo de amigos. “Queria que ele visse meu bem mais precioso e ficasse com inveja. Mas olhou e deu de ombros: ‘Ah, sim, eu tenho alguns desses’”. Ele tinha muitos.
Na recente série documental Diários de Andy Warhol, da Netflix, baseada nos diários que ele manteve por 10 anos e publicados em 1989, dois anos após sua morte por complicações de uma cirurgia na vesícula, estão ali sua obra, sua excentricidade, sua intimidade e também seus relógios.
Após a sua morte, foram encontrados 313 exemplares em sua casa, na East 66th Street, e vendidos em um leilão da Sotheby’s. Foi a primeira vez que um estoque tão grande de relógios pertencentes ao mesmo dono mexeu com a imaginação de colecionadores de todo o mundo.
O valor não estava ligado apenas ao acessório em si, mas ao fato de ser do artista e ter vindo de alguma aventura de Warhol. Muito diferentes da estética pop que ele defendia, os relógios eram clássicos e refinados. E, ao contrário do vaivém de suas icônicas serigrafias, raramente reapareciam em leilão para alimentar um mercado cada vez mais voraz.
Andy Warhol tinha uma coleção com mais de 300 relógios.
Quando acontece, viram manchetes de jornais, já que quebram recordes de leilões. Em 2021, o Rolex Oyster3525, de 1943, de aço inoxidável e ouro rosa, foi vendido por US$ 450 mil na Christie’s, em Genebra. Foi o preço mais alto alcançado por um relógio de Warhol até hoje.
“Warhol tinha paixão por ícones”, afirma Cameron Barr, fundador do site de relógios vintage Craft & Tailored. “Ele gostava de coisas que eram tão simples quanto sofisticadas. Usava o Cartier Tank Louis com frequência. Um dia disse: ‘Não uso um relógio Tank para ver as horas, uso um porque é o relógio a ser usado’.” Como na arte, Warhol também era um ávido colecionador com habilidades que variavam entre trabalhador e gênio.
Suas escolhas de relógios eram brilhantes. “Olhando para o que ele comprou, fica claro que era obcecado pelo design”, diz John Reardon, exchefe do departamento de relógios da Christie’s e fundador da Collectability, mercado online vintage de Patek Philippe. “Ele adorava assinaturas, relógios moldados e design clássico. No universo da Patek Philippe, por exemplo, podemos ver seu gosto pelo clássico Calatrava e por peças mais vanguardistas, como o relógio da coleção Ricochet, desenhado pela Patek Philippe Gilbert Albert”, conta. A história por trás de como os 313 relógios chegaram ao mercado é tão intrigante quanto qualquer outra coisa na vida de Warhol e condiz com seu comportamento excêntrico.
Quando começou a comprar as peças, as usava de maneira muito particular: costumava colocar um Rolex dourado feminino sobre o punho da camisa. E era impossível saber quantos relógios ele tinha. “Os primeiros foram encontrados no dossel com franjas acima de sua cama”, conta Daryn Schnipper, vice-presidente sênior da Sotheby’s em Nova York, que organizou o leilão em 1988.
“As pessoas fizeram lances pelos acessórios porque pertenciam a ele”. Paige Powell, uma das amigas e funcionárias mais próximas de Warhol – os dois planejavam adotar uma criança juntos antes de ele morrer – recebeu várias obras de arte do artista, mas, ainda assim, foi ao leilão. “Comprei um relógio da década de 1950, com o rosto do caubói cantor Gene Autry, por US$ 1.800”, lembra. Para ela, o objeto representa uma forte conexão com seu falecido amigo, já que quando era menino, Warhol tinha um álbum de recortes com fotos de Autry e Roy Rogers, outro astro Western.
Relógio Tank Louis Cartier 18 quilates em ouro amarelo-ouro da Warhol (esquerda) e Patek Philippe em ouro amarelo-ouro 18 quilates Cronógrafo Automático Calendário Perpétuo Ref. 3448.
Filho da classe trabalhadora de imigrantes do leste europeu, ele gastou uma fortuna nos acessórios. Conhecia as melhores marcas e negociantes do mundo e transformou esse ímpeto em esporte. Relógios como o Tank apareceram várias vezes em sua coleção, assim como exemplares de Audemars Piguet e Patek Philippe dos anos 1950 e 1960. É difícil fazer comparações entre o mercado da arte de Andy Warhol e de seus relógios. Os preços de suas pinturas e gravuras dispararam em 2007, despencaram no ano seguinte, mas voltaram a se estabilizar em 2010, quando passou a ter um crescimento anual de 12,5%, segundo a Artnet. O “Silver Car Crash (Double Disaster)”– 1963, de Warhol, por exemplo, foi vendido em 2013 por US$ 105,4 milhões, mas também existem pinturas com valores mais baixos.
No mesmo ano dessa transação recorde, a Christie’s começou a realizar leilões relâmpago de milhares de obras menores com peças chegando a menos de US$ 10 mil, algo que não acontece no mercado de relógios por serem métricas diferentes. Ainda mais acessórios amarrados a um passado que qualquer fã de Warhol pode estar disposto a pagar. De certa forma, cada um dos relógios é um achado mais raro do que qualquer uma de suas pinturas. Existem dezenas de Mao e Marilyn por aí, mas apenas um relógio de aviador de prata Longines for Wittnauer de 1930, usado pelo artista.
Na biografia Warhol by Blake Gopnik, há vários relatos de sua tendência de colecionador. Ele gostava de andar com o bolso da camisa cheio de diamantes. Nunca os tirava, apenas tinha prazer em saber que estavam lá. Algo parecido acontece com quem compra os relógios: querem porque, de alguma forma, foram tocados pelo gênio.