Diante das fotos de Evandro Teixeira
Testemunha de momentos importantes da história brasileira nas últimas cinco décadas, Evandro Teixeira, um dos nomes mais respeitados do fotojornalismo, agora tem seu trabalho reconhecido como obra de arte. Em março, o Instituto Moreira Salles, em São Paulo inaugura uma exposição que retrata a potência de sua alma de repórter artista.
Passeata dos Cem Mil, Rio de Janeiro /RJ, 1968.
Parece mentira, mas às 5h00 da manhã do dia 1º de abril de 1964, bateram na porta do apartamento no Posto 6, em Copacabana, onde o fotógrafo Evandro Teixeira morava. Era um dos amigos com quem ele jogava vôlei na praia — Lino, por acaso, também capitão do Exército. “Evandro, o golpe está acontecendo, os militares tomaram o Forte de Copacabana”. O amigo deu as orientações de como ele conseguiria entrar e, se tudo desse certo, fotografar o que se passava dentro dos muros daquela fortaleza em Copacabana. Lino iria na frente, bateria continência e Evandro deveria seguir atrás fazendo a mesma coisa e se identificando por um nome inventado, e com a voz firme. Ele relembra: “Entrei com a Leica escondida, mas lá dentro tirei a câmera e fui fotografando tudo. De repente chegou o Castello Branco. Para garantir o que já tinha feito, com medo de me pegarem, tirei o filme da câmera e escondi na meia”.
Tomada do Forte de Copacabana, Golpe Militar no Brasil, Rio de Janeiro/RJ, feita em 1º de abril de 1964 às 5 da manhã e publicada em 2 de abril de 1964 no Jornal do Brasil.
Câmera escondida
Evandro conta que só conseguiu ficar no Forte de Copacabana porque os militares acharam que ele fosse um fotógrafo do Exército e, ao invés de ser expulso, era convidado a fazer mais fotos. Até que Lino, o capitão amigo, e o amigo capitão, pressentiu que a farsa poderia ser descoberta e deu a letra. Se fosse nos dias de hoje seria um “vaza”, mas naqueles anos 1970, a gíria era “te pica daqui". Evandro obedeceu. Foi para casa e ligou bem cedo para o editor do Jornal do Brasil, Alberto Dines. O Brasil tinha um golpe, e Evandro Teixeira, a foto.
O episódio é um dos muitos que entraram para a memória não só de um dos mais importantes foto-jornalistas brasileiros, mas da história do Brasil. Evandro Teixeira nasceu em Irajuba, a 307 quilômetros de Salvador, em 25 de dezembro de 1935.
Caça ao Estudante, Sexta-feira sangrenta, Rio de Janeiro/RJ, 1968.
Registros históricos de 1968
Foi no povoado baiano que se encantou pela fotografia folheando revistas da época como O Cruzeiro. Anos depois, viu na mesma revista o anúncio de um curso de fotografia por correspondência. Em 1957, com uma carta de recomendação para o chefe de reportagem do jornal Diário da Noite, dos Diários Associados, chegou ao Rio de Janeiro. Começou como fotógrafo da seção de casamentos. Mas foi em 1963, com um convite para o Jornal do Brasil, que ele começou a cravar de vez seus créditos nos registros mais importantes do jornalismo brasileiro. Evandro foi o que se costuma chamar de “pau pra toda obra”. Cobriu de tudo, em todas as áreas – política, esporte cultura, comportamento, moda, turismo.
A diferença era o olhar que ele imprimia em cada registro singelo. Como na foto, surgida ao acaso, enquanto atravessava uma estrada, no Nordeste, junto com o saudoso amigo, e também fotógrafo, Orlando Brito, e viu um casal passar de bicicleta levando o caixão de uma criança. Foram 47 anos no mesmo veículo de imprensa, o Jornal do Brasil, tempos em que acompanhou momentos marcantes como o do golpe militar de 1964 no Brasil e as manifestações de 1968 contra a ditadura. Além da tomada do Forte de Copacabana, são dele registros icônicos, como a queda de um motociclista da FAB, o confronto de estudantes e policiais a cavalo no Centro do Rio, ou a Passeata dos Cem Mil. O livro de histórias de Evandro Teixeira também inclui o golpe militar do Chile, em 1973, e o enterro de Pablo Neruda, cujo registro é considerado por ele um dos trabalhos de que mais se orgulha.
Cavalaria durante a missa do estudante Edson Luís, Candelária, Rio de Janeiro/RJ, 1968.
Um poema, presente de Drummond
Em 1985, ele recebeu uma homenagem inédita, talvez a maior que um fotógrafo brasileiro jamais pudesse imaginar receber: um poema de Carlos Drummond de Andrade. Diante das Fotos de Evandro Teixeira, publicado no livro Amar se Aprende Amando, é uma ode ao trabalho desse artista. “Fotografia: arma de amor, de justiça e conhecimento, pelas sete partes do mundo, viajas, surpreendes, testemunhas a tormentosa vida do homem e a esperança de brotar das cinzas”, diz um dos versos.
Aos 87 anos, Evandro agora tem seu acervo sob a guarda do Instituto Moreira Salles. São mais de cem mil negativos, além de objetos preciosos como as primeiras câmeras e aparelhos de telefoto, catálogos, revistas, livros, e até recortes de jornais. Hoje, olhando para trás, e para a própria obra, reflete: “A fotografia tem o poder de mostrar os momentos, as situações e a história. O fotógrafo sempre vai ter um olhar especial e vai fazer aquilo em que acredita. Eu sempre acreditei na minha vontade”, diz.
Rainha Elizabeth II, Avenida Paulista, São Paulo/SP, 1968.
Evandro trabalhou no JB até 2010. Três dias antes da última edição do jornal, em 27 de agosto, se despediu, depois de negociar os direitos sobre todo o trabalho produzido até 2002, agora transferidos para o IMS. O dono de alguns dos registros mais fortes dos anos de chumbo olha para o presente e, mais do que nunca, acredita que tem a prova em preto e branco de que vergonhas não se repetem. “A ditadura fez muito mal ao Brasil. A minha fotografia contribuiu para mostrar que esses tempos não podem mais voltar”, conclui.
Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes no aniversário de 66 anos do poeta, churrascaria Carreta, Ipanema, Rio de Janeiro/RJ, 1979.