Cristiano Mascaro: as escadas para o céu
Aos 76 anos, o fotógrafo Cristiano Mascaro segue perseguindo as cenas urbanas que ajudam a contar a história das grandes metrópoles. Prestes a lançar dois novos livros, com fotografias inéditas de casas do Brasil e imagens de São Paulo, ele faz uma retrospectiva da sua carreira.
Palácio do Itamaraty, 2002.
Cristiano Mascaro é um fotógrafo andarilho. Um andarilho fotógrafo que caminha devagar, sempre a olhar para o céu. Observa o concreto, os monumentos, os edifícios, as escadas. Escadas que levam para o céu. Está sempre sozinho. Nunca teve um assistente. Sempre ele e a câmera. É avesso aos retoques, aos recursos da tecnologia. É a fotografia nua e crua. Seu olhar e enquadramento são as ferramentas de suas imagens carregadas de lirismo e senso estético. Um olhar formado nas franjas da FAU, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde cursou arquitetura nos anos 1960, quando se deparou pela primeira vez com uma foto de Cartier Bresson. Foi um impacto.
“Fugi de uma aula chata e me refugiei na biblioteca. Ao folhear um livro de fotografias, vi uma foto de um casal de noivos num parque. Uma foto aparentemente comum. Fiquei impressionado como aquela imagem era ao mesmo tempo banal e extraordinária”, lembra.
Escadas rolantes, Avenida São João, São Paulo, 1986.
Naquele momento, ele decidiu que a fotografia seria a sua maneira de dialogar com o mundo. Bateu na porta da fotógrafa Claudia Andujar, para quem pediu ajuda: “Quero ser fotógrafo”. Claudia o acolheu e o apadrinhou. Foi quem o apresentou ao jornalista Mino Carta. Assim, Mascaro se tornou o primeiro repórter fotográfico da revista Veja. Primeiro mesmo, porque eram dele as principais fotos do número zero da publicação.
“Foi ali que aprendi a ser esperto. Não tinha essa de a luz não está boa“, lembra. Depois vieram os projetos, a opção pela fotografia mais autoral, os retratos, os prêmios, os livros. No prelo, há duas novas publicações, ambos pela Editora Brasileira. Um dos livros, “São Paulo”, traz fotos inéditas da cidade, e o outro, “Casas do Brasil”, imagens de fachadas, interiores, de endereços percorridos.
Casas simples, inspiradoras, não por serem projetos mirabolantes, tampouco de luxo. É o que chama de “arquitetura caseira”. Outro tipo de beleza, uma elegância revelada pelo seu olhar. “A fotografia me abre as portas do mundo”, resume. Cada imagem é um comentário. Ele relembra uma frase do escritor Antonio Candido: “A crônica é uma forma de desfazer e refazer a realidade”. Para ele, o compromisso do fotógrafo também é transfigurar a realidade. Desfazê-la e reconstruí-la. Quase virar do avesso. Algo como a “força transfiguradora do olhar”.
Rio Capibaribe, Recife, 2006.
E explica: “É o caso daquelas escadas rolantes. Precisei subir cinco ou seis andares da escada quebrada, com aqueles degraus altíssimos, carregado de equipamentos. Quando olhei para baixo, apoiado no parapeito, vi aquilo, que parecia uma máquina demolidora”. Talvez sejam essas pausas para olhar o que ninguém vê que fazem de Cristiano Alckmin Mascaro, paulista nascido em Catantuva em 1944, ser conside rado um dos mais importantes fotógrafos brasileiros.
Seu principal personagem é o espaço urbano e a rela ção do homem com esse espaço. Especializou-se em retratar o cotidiano das metrópoles, especialmente São Paulo. “Viver em São Paulo é uma surpresa. Nem precisa andar muito. Basta percorrer um quarteirão e você vai ter um espanto”, diz. Nas fotos de Mascaro, a “dura poesia concreta de tuas esquinas” ganha outros contornos. A poesia vira prosa, como uma crônica contada na realidade eterna da fotografia.
El Malecón - Havana (2000).
“O compromisso do fotógrafo é transfigurar a realidade. É a força transfiguradora do olhar. É o caso dessas escadas rolantes. Subi cinco ou seis andares da escada quebrada, carregando equipamentos. Quando olhei para baixo, apoiado no parapeito, vi aquilo, que parecia uma máquina demolidora”
Cristiano Mascaro segue perseguindo as cenas urbanas.