Começar de novo
Exposições em torno da Independência do Brasil e da arte estadunidense contam histórias esquecidas.
O óleo sobre tela Zeferina (2018), de Dalton Paula.
Novas visões sobre a Independência do Brasil, em seu bicentenário, e uma leitura inclusiva de nove décadas de arte estadunidense destacam-se nos museus brasileiros. A exibição Pelas ruas: vida moderna e experiências urbanas na arte dos Estados Unidos (1893-1976), na Pinacoteca do Estado de São Paulo, inclui obras críticas à segregação social, enquanto no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e no Instituto Moreira Salles (IMS-SP) o esforço foi o de reconhecer a complexidade e a relevância da celebração da Independência, para expor artistas brasileiros que, embora cruciais nos seus campos, possam ter passado despercebidos pelo público das exposições.
Na Pinacoteca, entre 27 de agosto e 30 de janeiro de 2023, estarão 150 obras, em sua maioria pertencentes à Terra Foundation for American Art. As 80 pinturas e gravuras e as 70 fotografias integram 16 coleções, todas ligadas a grandes instituições culturais, como o Whitney Museum of American Art, de Nova York. Destacam-se artistas plásticos como Andy Warhol, Charles White e Jacob Lawrence, e os fotógrafos Berenice Abbott, Walker Evans, Gordon Parks e Robert Frank. A tela Dawn in Pennsylvania (1942) e a gravura Night Shadows (1921), de Edward Hopper, estarão presentes. A obra mais antiga da exposição é Columbian Exposition (1893), de Childe Hassam.
Crianças na São Paulo de 1910, por Vincenzo Pastore.
Em sua maioria os trabalhos voltam-se à arte figurativa urbana, como no caso de Beauford Delaney, que relatou uma cena de rua do Village em 1948. As obras refletem sobre a cidade como espaço de encontro e de conflito, de ritmos impostos pela circulação, de entretenimento, da sensação de isolamento e do perder-se na multidão.
Embora a Pinacoteca não divulgue o valor das obras, adianta em Charles White, com a série Wanted Posters, um dos artistas mais valiosos em exposição. Afro-americano nascido em Chicago, com uma retrospectiva de seu trabalho no MoMA de Nova York, em 2018, White é contundente contra a persistência da segregação racial. Na sua obra em exposição, ele faz referência às ofertas de recompensas por escravizados fugidos no século 19. Sua linguagem, a do cartaz urbano endossa os movimentos de luta pelos direitos civis.
Dawn in Pennsylvania, (1942), tela de Edward Hopper.
Esse grande empenho de revisão histórica alcança a arte do Brasil. A mostra Histórias brasileiras ocupa o primeiro andar e o subsolo do Masp, de 26 de agosto a 30 de outubro, com narrativas visuais inclusivas. A exibição coletiva é pautada por temas, entre eles Religiões, Festas e Retratos, compostos por trabalhos de diferentes mídias, do século 16 ao 21. A perspectiva é a das histórias sociais ou políticas, dos costumes e do cotidiano, a partir da cultura visual.
Retratos brasileiros
Dois artistas destacam-se entre os novos nomes desta arte que se pretende reflexiva. O primeiro deles é Dalton Paula, nascido em Brasília há 40 anos. Sua produção transita entre a pintura, a instalação, a fotografia, o vídeo e o objeto. Em Dalton Paula: retratos brasileiros, paralela no Masp à coletiva Histórias brasileiras, o artista interpreta criticamente a trajetória da população negra no país. As pinturas realizadas desde 2018 apresentam afrodescendentes que lutaram por liberdade e justiça ao longo dos séculos e tiveram suas imagens apagadas ou subrepresentadas.
Wanted Poster Series #14, de Charles White (1970).
O artista, cujo trabalho integra coleções importantes, como a do MoMA, também participa do Projeto Octógono Arte Contemporânea, na Pinacoteca, entre 27 de agosto e 30 de janeiro de 2023, enfatizando as raízes da violência racial e a migração forçada dos africanos durante a escravização. Outro nome escolhido pelo Masp é o de Joseca Yanomami, integrante da comunidade Watoriki, da Terra Indígena Yanomami no rio Uxiu, em Roraima, que participou anteriormente de exposições na Fundação Cartier, em Paris, e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Os desenhos do artista representam elementos e histórias da vida, do cotidiano, do contexto e da cosmologia ianomâmi. Sua mostra agora reúne 93 desenhos, a maioria em papel produzida até hoje pelo artista.
A fotografia histórica brasileira marca seu lugar no IMS-SP. Entre 13 de setembro e 26 de fevereiro de 2023, a exposição Moderna pelo Avesso: Fotografia no Brasil 1889-1930 traz imagens da Primeira República durante a urbanização dos principais centros brasileiros à época: Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Belém, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre. A exposição mostra registros das reformas urbanas e a participação da fotografia nos grandes espetáculos criados para entreter e ordenar as massas urbanas.
Integrante do Coletivo Kuikuro de Cinema na aldeia Afukuri, Xingu, 2021.
Pequenas Áfricas
Em Rio de Janeiro: Pequenas Áfricas, entre 13 de setembro e 19 de fevereiro de 2023, é reconstituída a cena cultural que, entre os anos 1910 e 1940, produziu e consolidou o samba urbano. Por meio de gravações, obras, documentos e objetos, a exposição mostra como, para além dos aspectos históricos, a rede de solidariedade, espiritualidade e música formada naquele momento espraiou-se pela produção contemporânea, das escolas de samba e dos blocos, dos terreiros e dos quintais.
Ainda no IMS, a exposição Xingu, entre 8 de outubro de
2 de abril de 2023, discute o papel das imagens na história da relação entre indígenas e nãoindígenas no território. Berço de um sistema social milenar, o Xingu foi alvo recorrente da violência do colonialismo, palco da primeira grande demarcação de terras indígenas no Brasil e inspiração para a luta por direitos indígenas e pela preservação da Amazônia. A exposição investiga as múltiplas representações do Xingu por meio de obras do acervo do IMS e de outros arquivos em diálogo com o trabalho de artistas e comunicadores indígenas.