André Lima: 'Minha moda é a minha resposta ao tempo'
Para o estilista André Lima, o momento pede respostas, posicionamentos das marcas, dos artistas, estilistas. Ele explica por que decidiu fazer de seu baú um museu de grandes novidades.
Para o estilista André Lima, o momento pede respostas.
Foi numa das arrumações no seu apartamento nos Jardins, em São Paulo, no início da pandemia, que André Lima se deparou com caixas e mais caixas de coisas que havia comprado em muitas viagens a Londres, ao Panamá, amostras de coleções antigas, testes de estampas, sobras de tecidos.
Virginiano, tudo estava guardado, em perfeitas condições, como se esperasse por um novo voo criativo do dono do acervo. Foi aí que o termo Upcycling, essa nova maneira de fazer e consumir moda, veio forte, quase como uma resposta para suas inquietações. Desde que fechou sua marca, em 2014, e deixou de fazer os desfiles mais apoteóticos das semanas de moda de São Paulo, André se dedicou a consultorias de marcas como a Hope e a Iorane, deu cursos de moda em Belém, onde nasceu, viajou, se recolheu, leu muito, pesquisou, participou de dezenas de lives, palestras, discussões sobre o rumo da moda, até que a vontade de criar de novo, de maneira 100% autoral, voltou com força naquele mergulho nas suas caixas pretas.
No fim do ano passado ele lançou a primeira coleção, a AL01, com poucas peças, de um tamanho adaptável com pequenos ajustes, e que podem ser usadas de diversas maneiras, algumas são peças únicas, como obras de arte. No início de 2021 ele abriu um pequeno atelier para receber os compradores de todo o Brasil, órfãos de suas criações, que nunca saíram de moda, seja pela qualidade dos materiais, da costura bem feita, seja pelo estilo atemporal. André fazia moda sustentável antes do termo virar um norte dos criadores e labels mais antenadas com os novos tempos. Na recém-lançada coleção AL2, André Lima prova porque nunca deixou de ser um dos maiores nomes da moda nacional, mesmo quando pareceu sair de cena.
Como disse o estilista Halston (1932-1990), em frase repetida na recente série no Netflix: “Homens como nós vêm de lugares distantes para se reinventar“.Como se deu esse seu processo de voltar a fazer moda 100 % autoral a partir de materiais guardados?
Sabia que eu comecei assim lá em 1999? A memória é irmã da autoria, e esse app já veio baixado em mim, de construir pontes, possíveis ou não, visíveis ou não, mas que são para mim um forte fator de sobrevivência artística. Eu gosto de garimpar, escavar, e de misturar coisas, ideias, imagens. Meu veículo é a moda, meu canal de comunicação são as roupas que crio, as pontes que eu proponho. O isolamento me cobrou issoe essa coleção é uma resposta.
Qual a diferença entre a moda que fazia antes e a que faz agora? Seu DNA continua lá.
A complexidade, as possibilidades de uso, a modelagem já nascer democrática, naturalmente possível a diversos corpos. O compromisso de trabalhar com materiais que a indústria já tem em seus estoques, a necessidade de dar a minha contribuição ao mundo que estamos reconstruindo. O nosso tempo pede respostas, posicionamentos das marcas, dos artistas, estilistas. Meu ofício é fazer isso com autoria e verdade, como na música de Aldir Blanc e do Cristovão Bastos, minha moda é a minha “Resposta ao Tempo”.
Como você vê a moda hoje?
Reavaliando seu papel na sociedade de consumo, seu impacto para o planeta e sua responsabilidade na luta por inclusão e visibilidade para todes.
De onde tem saído a inspiração para essas duas últimas coleções?
Dos tecidos que eu encontro, reencontro. Das imagens que eu coleciono, do desejo de trabalhar com algodão, estampar algodão, misturar tudo, gerar beleza, criar imagens e estranhamento.
Que criador ou estilista você admira?
Vários! Amo estilistas, suas vidas, suas identidades, seu domínio técnico, estilístico, suas casas. Nós somos os figurinistas da história, vestimos o que um dia será memória de uma civilização. Nós vestimos a história.
A pandemia mudou a forma de consumir moda?
Quando todos estivermos vacinados nas ruas, festas, e restaurantes a gente vai poder falar com mais propriedade sobre isso. A pandemia impulsionou a revolução do comércio digital, mas qualquer mudança no consumo de moda só poderá ser avaliada quando acabar o isolamento.