Zhu Qingqiao: 'É pela autossuficiência na ciência que países em desenvolvimento alcançam salto no crescimento'
Embaixador da China no Brasil detalha como os países têm mantido uma estreita coordenação em busca de novas parcerias.
Zhu Qingqiao, embaixador da República Popular da China no Brasil (Foto: Divulgação)
Embaixador da República Popular da China no Brasil desde o final de 2022, Zhu Qingqiao representa um dos elos da importante meta de fortalecimento das relações bilaterais entre os dois países. Ambas as nações enfrentam agora o desafio de promover o desenvolvimento socioeconômico e proteger o meio ambiente.
Nascido em março de 1968 e licenciado em Artes, Qingqiao tem uma sólida carreira diplomática, que teve início em 1990 no Ministério das Relações Exteriores da China. Em 1991, o diplomata assumiu o posto de adido do país em Moçambique.
Fluente em espanhol e português, ao longo dos anos atuou em Pequim no Departamento de Assuntos Latino-Americanos. Entre 1996 e 2003 assumiu cargos na embaixada chinesa no Brasil, regressando em 2009 como ministro-conselheiro, permanecendo até 2014.
Nesta entrevista, Qingqiao analisa como nos últimos anos, a cooperação sino-brasileira tem se desenvolvido rapidamente em todas as frentes, exibindo as características distintivas de base sólida, grande dinamismo e forte resiliência. Desta maneira, a China e o Brasil têm mantido uma comunicação estratégica e uma estreita coordenação sobre as principais questões internacionais e regionais, enviando sinais positivos para a comunidade internacional.
Como o senhor avalia a atual relação entre a China e o Brasil?
Os maiores países em desenvolvimento nos hemisférios Oriental e Ocidental, a China e o Brasil são importantes economias emergentes com uma ampla gama de interesses e responsabilidades comuns para o desenvolvimento. Ao longo de quase meio século de relações diplomáticas, os dois países têm fortalecido seu relacionamento com resultados frutíferos, sempre pautado pelo respeito mútuo, tratamento igualitário e benefício recíproco, trazendo ganhos significativos aos dois povos. Neste ano, o presidente Xi Jinping e o presidente Lula trocaram ideias em várias ocasiões e deram orientações estratégicas para inaugurar um novo futuro para as relações sino-brasileiras na nova era.
A bem-sucedida visita do presidente Lula à China em abril passado deu um forte ímpeto à expansão e ao aprofundamento da parceria bilateral nos diversos campos. Comemora-se este ano o 50º aniversário das relações diplomáticas China-Brasil. Junto com o lado brasileiro, esperamos implementar os importantes consensos entre os dois chefes de Estado, acelerar os passos para alinhar as respectivas estratégias de desenvolvimento e promover a sofisticação da cooperação bilateral, abrindo um novo grande capítulo das relações sino-brasileiras.
Quais áreas de cooperação entre a China e o Brasil têm potencial a serem exploradas?
Nos últimos anos, a cooperação sino-brasileira tem se desenvolvido rapidamente em todas as frentes, exibindo as características distintivas de base sólida, alta complementaridade, grande dinamismo e forte resiliência. A China tem sido o maior parceiro comercial e o maior destino de exportação do Brasil por 15 anos consecutivos. O Brasil é o primeiro país latino-americano cujo comércio com a China ultrapassou a marca de US$ 100 bilhões, além de ser o principal destino dos investimentos chineses na América Latina.
Há grande número de projetos de cooperação em uma ampla gama de setores, como petróleo e gás, eletricidade, agricultura, infraestrutura, telecomunicações, ciência e tecnologia, que impulsionam efetivamente o crescimento dos dois países. Atualmente, a China está implementando amplamente uma nova filosofia de desenvolvimento com os parâmetros de inovação, coordenação, sustentabilidade, abertura e compartilhamento, promovendo a modernização ao estilo chinês com um crescimento de alta qualidade. O governo brasileiro também está promovendo a reindustrialização e o novo PAC. Há muitas oportunidades que possibilitam um salto qualitativo na parceria bilateral.
Primeiro, acelerar a sinergia estratégica. A iniciativa Cinturão e Rota proposta pelo presidente Xi Jinping entrou em uma nova fase de desenvolvimento de alta qualidade, levando aos países parceiros uma modernização caracterizada por desenvolvimento pacífico, cooperação mutuamente benéfica e prosperidade comum. Espera-se que o Brasil se junte em breve à grande família da “Iniciativa Cinturão e Rota”.
Essa adesão será benéfica para ambas as nações ao possibilitar a cooperação em uma plataforma mais ampla e em um nível mais elevado. Isso auxiliará nossos dois países a alcançar um patamar superior de benefício mútuo.
Segundo, fortalecer a parceria na economia verde. O crescimento econômico e a proteção ambiental andam juntos. Há enormes possibilidades de cooperação sino-brasileira em novas energias, agricultura de baixo carbono, veículos elétricos, finanças verdes e outras vertentes, e esse potencial deve ser explorado com mais celeridade.
Terceiro, elevar o nível da parceria em ciência e tecnologia. É pelo caminho da autossuficiência na capacidade de ciência e tecnologia que países em desenvolvimento alcançam um salto no seu crescimento. Devemos criar novos pontos de crescimento da parceria em novas fronteiras como economia digital, energia limpa, agricultura inteligente, biotecnologia, inteligência artificial e comércio eletrônico.
Quarto, aumentar o entendimento entre os dois povos. A China e o Brasil são duas potências culturais com personalidades distintas. Apoiamos intercâmbios mais intensos e o aprendizado mútuo entre universidades, think tanks, mídia, juventude e entidades subnacionais, de modo a aumentar a amizade e o entendimento e consolidar a base social para o desenvolvimento de longo prazo das relações entre os dois países.
Quais são os principais acordos e projetos de cooperação que vão fortalecer ainda mais os laços econômicos, comerciais e diplomáticos entre os dois países?
Na visita do presidente Lula à China em abril de 2023, foram publicadas a Declaração Conjunta sobre o Aprofundamento da Parceria Estratégica Global e a Declaração Conjunta sobre o Combate à Mudança Climática. Além disso, foram assinados diversos acordos de cooperação nos setores de comércio, investimentos, finanças, economia digital, informação e comunicação, ciência, tecnologia e inovação, aeroespacial, segurança alimentar, produção televisiva e intercâmbio de mídia, bem como memorandos de entendimento que visam aprofundar a cooperação no desenvolvimento rural e no combate à fome e à probreza.
Esses documentos ampliaram ainda mais a abrangência da cooperação sino-brasileira, indo muito além das tradicionais áreas econômicas e comerciais. Isso é um sinal de que nosso relacionamento está acompanhando o novo cenário dos nossos tempos.
Por exemplo, os dois países concordaram em acelerar a parceria no desenvolvimento conjunto de satélites de recursos terrestres e na exploração do espaço profundo; reforçar a parceria na agricultura familiar, através da cooperação técnica, utilização adequada dos maquinários, aplicação de energias renováveis, enquanto intensificando a troca de experiências em tópicos como inclusão socioeconômica, produção sustentável de alimentos e combate à fome e à miséria; expandir novas áreas de cooperação como proteção ambiental, enfrentamento à mudança do clima, economia de baixo carbono e economia digital.
No momento, os dois lados estão trabalhando incansavelmente para implementar esta lista de resultados substanciais. Isso vai ampliar e aprofundar a cooperação bilateral rumo a um crescimento de alta qualidade, trazendo mais benefícios para chineses e brasileiros.
Como o senhor avalia as iniciativas e posições do atual governo brasileiro, especialmente do presidente Lula, para ampliar a influência internacional do Brasil, sobretudo no Conselho de Segurança das Nações Unidas?
Atualmente, mudanças e turbulências se entrelaçam na conjuntura internacional de tal forma que a humanidade está enfrentando desafios sem precedentes. Nesse contexto, todos os países são interdependentes e compartilham o mesmo futuro. Somente por meio da solidariedade e da cooperação é que os países conseguem lidar com os desafios.
Desde que assumiu o cargo, o presidente Lula tem adotado uma política externa independente e soberana, advogando o multilateralismo e a construção de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Sua participação ativa em assuntos internacionais e regionais, sua articulação em busca de soluções políticas para questões importantes salientaram o papel que o Brasil desempenha como um importante país em desenvolvimento e aumentaram a influência do Brasil na arena internacional.
Como parceiros estratégicos globais, a China e o Brasil têm mantido uma comunicação estratégica e uma estreita coordenação sobre as principais questões internacionais e regionais, enviando sinais positivos para a comunidade internacional. Ao longo do ano passado, os dois lados mantiveram intensas comunicações sobre questões relevantes como a crise da Ucrânia e o conflito israelense-palestino, trabalhando juntos para reduzir a tensão e promover o cessar fogo e a paz.
Em outubro e novembro, o Brasil e a China assumiram sucessivamente a presidência rotativa do Conselho de Segurança. Os dois países compartilham a mesma posição de fazer uma mediação proativa sobre a questão Israel-Palestina. O ministro Mauro Vieira viajou a Nova York para participar do Debate de Alto Nível sobre a situação no Oriente Médio, presidido pelo chanceler chinês Wang Yi. O Brasil já assumiu a presidência do G20 para o ano de 2024, e a China dá todo o apoio aos trabalhos do Brasil nessa frente.
Aproveitando a oportunidade, a China gostaria de fortalecer a concertação com o Brasil, com o objetivo de unir esforços em agendas como a erradicação da pobreza, o combate às mudanças climáticas, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global.
Que projetos de responsabilidade social empresas chinesas desenvolveram no Brasil?
Há mais de 200 empresas chinesas com negócios e investimentos no Brasil. Essas empresas contribuem significativamente para o crescimento da economia local e estão comprometidas proativamente com sua responsabilidade social ao desenvolver projetos de interesse social, implementando com ações concretas o espírito de que a China e o Brasil têm seus futuros interligados.
Por exemplo, a State Grid Brazil tem patrocinado por 12 anos consecutivos a orquestra Maré do Amanhã, de uma comunidade carente do Rio de Janeiro, e o projeto musicalizou mais de 6 mil crianças de famílias pobres. A CPFL do grupo State Grid entregou em 2023 um projeto de dessalinização no Rio Grande do Norte.
O projeto adota produtos e tecnologias desenvolvidos pela China e pode fornecer mais de 80 toneladas de água potável por dia, o que atende aos padrões mundiais de saúde, beneficiando mais de 3 mil residentes locais. Isso pôs fim a uma longa história de consumo de água salobra na região. A CGN Brasil Energia criou uma base de educação científica na Bahia e realizou atividades sobre energia limpa em escolas para inspirar os jovens a contribuir para a proteção ambiental.
Durante a pandemia da Covid-19, mais de 30 empresas chinesas no Brasil doaram ventiladores pulmonares e outros equipamentos médicos e hospitalares, assim como grande quantidade de cestas básicas, combatendo com a pandemia e salvando vidas. Com a expansão da parceria bilateral, empresas chinesas vão desenvolver mais projetos sociais de acordo com as necessidades locais, dando novas contribuições para o bem-estar da população brasileira.
Que cooperações a China e o Brasil vão desenvolver no combate às mudanças climáticas?
Como países em desenvolvimento de peso, tanto a China e como o Brasil enfrentam a missão dupla de promover o desenvolvimento socioeconômico e proteger o meio ambiente. Portanto, têm grandes interesses em comum e amplo espaço para cooperação no combate às mudanças climáticas. No ano passado, os dois países assinaram uma declaração conjunta sobre combate às mudanças climáticas e criaram, no âmbito da COSBAN, uma subcomissão de Meio Ambiente e Mudança Climática que já realizou sua primeira reunião.
Os dois países vão ampliar ainda mais a cooperação em energia limpa, economia de baixo carbono, finanças verdes, proteção ambiental e outras áreas para acelerar a transição verde e a descarbonização, além de aumentar a resiliência para as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, a China está disposta a intensificar a coordenação com o Brasil sobre a governança global do meio ambiente e do clima, de modo a reunir mais forças para a cooperação internacional no combate às mudanças climáticas.