Stephanie Al-Qaq: 'O Reino Unido reduziu suas emissões de gases de efeito de estufa em 50%, ao mesmo tempo que fez crescer a economia em quase 80%'

O Reino Unido tem identificado o Brasil como um parceiro estratégico em sua política externa "Global Britain".

foto HMA 1Stephanie Al-Qaq, embaixadora do Reino Unido no Brasil. (Foto: Divulgação)

O Brasil e o Reino Unido, com uma histórica relação que remonta à independência brasileira e ao período colonial, estão fortalecendo seus laços em meio a uma nova dinâmica política. O governo britânico, sob a liderança do primeiro-ministro Keir Starmer, busca no Brasil um parceiro estratégico, enquanto ambos os países se alinham em questões como mudanças climáticas e comércio sustentável, refletindo interesses comuns em fóruns internacionais como o G-20.

“Historicamente, o Brasil e o Reino Unido mantêm boas relações, desde a época da independência e até mesmo durante o período colonial. No campo político, temos a cooperação em vários temas, especialmente meio ambiente e no G-20, enfatiza Demétrius Pereira, professor de Relações Internacionais da ESPM.

Estratégia

Para fortalecer sua política externa denominada como "Global Britain", o governo britânico busca no Brasil um parceiro estratégico. Essa parceria é reforçada por interesses comuns em fóruns internacionais. “Um exemplo claro dessa cooperação é o Comitê Econômico e Comercial Conjunto Brasil-Reino Unido (JETCO), mecanismo que promove diálogos sobre temas como comércio sustentável e defesa comercial. Recentemente, reuniões entre autoridades dos dois países focaram na ampliação da cooperação em áreas de interesse mútuo”, explica o professor e coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Ahmed El Khatib.

No âmbito comercial, após o Brexit, o Reino Unido passou a negociar acordos comerciais separados da União Europeia. Atualmente, os britânicos negociam um acordo de livre comércio com o Mercosul. “O Brasil busca, principalmente, aumentar suas vendas de produtos agrícolas. Já os britânicos têm mais interesse no setor de serviços e industrial. Os investimentos dos dois lados do Atlântico com empresas multinacionais também seriam relevantes. Além disso, os dois países são membros da Organização Mundial do Comércio, com sede em Genebra, na Suíça, que busca liberalizar as trocas comerciais entre os países”, completa o professor da ESPM.

Política

A nova liderança do Partido Trabalhista sob o comando de **Keir Starmer**, que se tornou primeiro-ministro do Reino Unido após as eleições britânicas realizadas em julho, substituindo o conservador Rishi Sunak, traz implicações significativas para as relações entre o Reino Unido e o Brasil. “Starmer tem demonstrado interesse em fortalecer a posição do Reino Unido em questões globais, como mudanças climáticas e proteção ambiental. Isso se alinha com as prioridades do Brasil sob a liderança de Lula, que também enfatiza a importância da preservação da Amazônia e da biodiversidade. A colaboração em fóruns internacionais pode ser uma área frutífera para ambos os países, promovendo iniciativas conjuntas que abordem desafios globais”, analisa El Khatib.

O professor da FECAP avalia que embora Starmer tenha evitado discutir o Brexit durante sua campanha, sua liderança pode levar a uma reavaliação das relações do Reino Unido com a União Europeia. “Isso pode abrir novas oportunidades para o Brasil, especialmente se o Reino Unido buscar alinhar-se mais estreitamente com as normas da UE, facilitando o comércio e reduzindo barreiras. A pressão das empresas britânicas por uma maior integração econômica pode beneficiar o Brasil, que já é um parceiro comercial importante”, conclui.

Encontro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com Keir Starmer no dia 25 de setembro, em Nova York. O encontro integrou a agenda de Lula à margem da 79ª Assembleia das Nações Unidas. Na ocasião, Lula reforçou para o britânico algumas das prioridades de sua gestão, como o crescimento econômico, a geração de empregos, a recuperação de serviços públicos, em especial na área de saúde, além de investimentos nos jovens e no combate à violência doméstica.

O primeiro-ministro britânico compartilhou com Lula projetos do Reino Unido voltados para a transição energética até 2030, como usinas menores e investimento em energia eólica. Eles também trataram de questões ligadas à reforma do Conselho de Segurança da ONU. Starmer reforçou o apoio do Reino Unido à inclusão do Brasil no órgão, além de ressaltar a importância de a organização incentivar o desenvolvimento econômico de outros países, revendo, inclusive, financiamentos para os mais pobres.

Diplomacia

Ao fim da conversa, Lula convidou o primeiro-ministro para uma visita oficial ao Brasil, incluindo uma agenda empresarial e de cooperação de sindicalistas por avanços trabalhistas. Há 12 anos o país não recebe visita de um primeiro-ministro do Reino Unido e o ano de 2025 é simbólico por marcar os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois lados.

Stephanie Al-Qaq, embaixadora do Reino Unido no Brasil, diz que, cada vez mais, o Reino Unido tem aprendido com a experiência de países como o Brasil, um líder natural do Sul Global. “O Brasil tem sido um ator fundamental na condução de fóruns internacionais de altíssimo nível, como o G20. Vários ministros do governo britânico têm participado de encontros nos quatro cantos do país. Para vários deles, essas foram as primeiras visitas oficiais ao exterior. Durante a recente Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o ministro Britânico de Estado das Relações Exteriores, David Lammy, reafirmou seu apoio à entrada permanente do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas”, aponta a embaixadora.

Ponto de vista

Stephanie Al-Qaq, embaixadora do Reino Unido no Brasil

O que tem fortalecido e potencializado as relações diplomáticas Brasil-UK?

A transição energética é encarada como uma questão central para o governo britânico, tanto de forma interna, quanto externamente. Em outubro, o Reino Unido se tornou o primeiro país do G7 a encerrar a produção de energia a carvão, fechando a última usina do tipo. No âmbito da política externa, o país vem costurando acordos para o estabelecimento de uma Aliança Global para Energia Limpa. O Brasil é um aliado importante nisso.

E quando se amplia a questão para o enfrentamento à mudança do clima, novamente o Brasil se apresenta como um ator essencial. No ano passado, nossos governos estabeleceram a Parceria para Crescimento Verde e Inclusivo com cinco pilares: clima, florestas, agricultura, energia e finanças. Cada vez mais, queremos construir uma ponte entre a COP26, em Glasgow, e a COP30, em Belém 2025, mobilizando ações ambiciosas para as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover uma mudança radical nas ferramentas de financiamento climático para uma transição justa, incluindo o setor privado.

Além de proteger o meio ambiente, essa nova onda de desenvolvimento nos conduz a mais prosperidade. Há muito que o Reino Unido e o Brasil podem fazer juntos para gerar crescimento econômico mútuo sustentável, inclusivo e seguro, criando empregos de alta qualidade em ambos os países. Sustentabilidade e prosperidade podem e devem caminhar juntas. O Reino Unido reduziu suas emissões de gases de efeito de estufa em 50% entre 1990 e 2022, ao mesmo tempo que fez crescer a economia em quase 80%. Precisamos seguir neste caminho, que nos conduzirá a um mundo mais limpo e justo para todos.