Principais parceiros internacionais impactam economia do Brasil

Embate econômico entre EUA e China e as projeções sobre suas economias refletem diretamente no país

eua e china

Embate econômico entre EUA e China e as projeções sobre suas economias impactam diretamente o Brasil (Foto: Divulgação)

Nos últimos 12 meses, o Federal Reserve (FED) aumentou a taxa de juros referencial na tentativa de controlar a economia dos EUA e conter a inflação, fazendo com que os mercados brasileiros continuem atentos no segundo semestre de 2023, principalmente para possíveis novos aumentos na taxa no país, em meio a um processo de valorização do real brasileiro.

Até o momento, a economia brasileira mostra sinais de crescimento, especialmente graças à recuperação comercial com a China, seu principal parceiro econômico em investimentos e financiamento; embora as projeções para a maior economia da América Latina não se afastem da tendência de desaceleração, com a reabertura da China, as exportações brasileiras, como soja e açúcar, estão em alta, marcando um superávit comercial sem precedentes.

Perspectivas

Andrew Speakman, LATAM Business Development Director da Hantec Markets, destaca que as expectativas são positivas desde a assinatura de acordos entre a China e o Brasil, especialmente para a troca de informações sobre tecnologias da informação e comunicação (TICs), esperando que os mercados recebam sinais encorajadores sobre a abertura de novos investimentos, que até agora têm se concentrado em áreas como eletricidade e mineração.

“O Brasil tem desempenhado um papel de destaque na expansão da economia chinesa nos últimos 10 anos, o que nos permite apontar um dinamismo maior e uma superioridade econômica, diferença que tem sido reduzida devido à pandemia desde 2020 até a data atual”, analisa Speackman.

As tensões EUA-China

Andrew Speakman lembra que a relação comercial entre a China e os Estados Unidos, sem dúvida, tem sido o ponto de atrito entre as duas economias nos últimos tempos. “Desde a era Trump, a intenção dos Estados Unidos tem sido focada em fortalecer a demanda interna, desenvolver veículos elétricos em solo nacional e impor restrições a produtos chineses, o que tem prejudicado a relação nos últimos anos, sugerindo mudanças significativas na dinâmica entre as duas potências globais. O ponto mais crítico na relação comercial concentra-se nas tarifas impostas pela administração Trump, as quais permanecem em vigor até hoje”, avalia.

Orlando Assunção Fernandes, professor titular da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), aponta que as tensões entre as duas nações estão presentes tanto no campo econômico como no geopolítico. “A imposição de tarifas sobre produtos oriundos da China, ainda no Governo Trump, com o objetivo de fomentar o mercado interno e a indústria americana, teve como contrapartida da China a elevação de impostos sobre produtos importados dos Estados Unidos e, posteriormente, a desvalorização de sua moeda, o que encareceu os produtos americanos em território chinês, inaugurando assim uma guerra comercial entre as superpotências.

Outro aspecto que exacerbou o clima econômico apreensivo entre os países, de acordo com Fernandes, diz respeito ao avanço tecnológico, por parte da China, em especial no setor de telecomunicações.

Amplitude

Coautor dos livros “A riqueza das nações” e “A nova economia”, Fernandes pontua que há ainda as tensões geopolíticas graves derivadas do reconhecimento de Taiwan como território independente e que foram reacendidas com a visita da presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, à ilha em 2022, o que foi encarado por Pequim como uma provocação americana.

“O governo brasileiro se vê diante de um importante dilema no âmbito de sua política externa, frente à crescente rivalidade entre EUA e China. A tradição de neutralidade do Itamarati e a busca por evitar tomar partido tendem a marcar a postura do Brasil nas relações diplomáticas com as duas superpotências. O alinhamento a um ou a outro país não é visto como a melhor alternativa para proteger os interesses estratégicos brasileiros”, constata o professor.

Brics

Seguindo a lógica do Brics, (NDB), que se posiciona como a primeira instituição voltada a apoio financeiro a países emergentes, o acadêmico da FAAP enfatiza que a indicação do nome de Dilma Roussef tem papel importante no reforço desta imagem defendida pela instituição. “O fato de ter sido ex-Presidente do Brasil e figura próxima à Lula, pode fortalecer a visibilidade do banco e, por conseguinte, do próprio governo brasileiro. Ademais, o banco dos Brics (NDB) pode ajudar a financiar economias em desenvolvimento, sobretudo em projetos de infraestrutura e transição energética, o que jogaria holofotes à política externa do Governo Lula que busca retomar e consolidar a projeção internacional do Brasil”, conclui.

Ponto de vista

Alef Dias, analista de grãos e macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets

Como a competitividade do agro brasileiro tem um papel preponderante nesta disputa entre China e EUA pela hegemonia da economia global?

O agro brasileiro tem um papel chave nessa questão sobre quem vai liderar a economia internacional nos próximos anos. Acredito que teremos um mundo multipolar, portanto, nenhuma dessas economias irá se sobressair a outra, assim, esse embate perdurará por muito tempo. O Brasil é muito relevante nesse cenário, por reduzir a dependência dos EUA da China no que tange a exportação de commodities e produtos agrícolas, algo que não deve mudar no curto prazo.

QRCODE

Confira entrevista especial com Evandro Carvalho, professor especialista em China da FGV Direito Rio.

Quais áreas provocam mais tensão entre as duas nações? Quais devem ser os principais polos de conflito nos próximos anos?

A contínua ascensão econômica chinesa, mesmo dentro do jogo do sistema multilateral de comércio com o seu ingresso na OMC em 2001, passou a preocupar os Estados Unidos. A política “Pivot to Asia” anunciada pelo ex-presidente Obama já indicava a Ásia como região prioritária para a defesa dos interesses estadunidenses no mundo. A China, claro, estava no centro das preocupações do presidente estadunidense. Donald Trump foi mais explícito na guerra comercial aberta contra a China ao associar comércio com preocupações de segurança e defesa nacional. O objetivo deixou de ser unicamente a redução do déficit da balança comercial dos EUA com a China – objetivo totalmente legítimo – para ser a de impedir o desenvolvimento da China em setores estratégicos para os EUA. Há um consenso político entre republicanos e democratas de que a China precisa ser contida ante uma suposta ameaça nunca demostrada nem no presente e nem na história das relações internacionais. Mas a política não tem muito compromisso com fatos. As contendas entre EUA e China começaram a ganhar novos contornos a partir daí e está transbordando para as relações deles com os demais países que não querem uma reedição de uma Guerra Fria – e tampouco quente. Biden aprofundou e ampliou restrições ao comércio com a China e aos investimentos estadunidenses em empresas chinesas de setores sensíveis como a indústria de semicondutores. A competição entre os dois países se concentrará na área de tecnologia avançada, na inteligência artificial, big data, computação quântica, blockchain, engenharia espacial etc. A disputa por certas matérias-primas aumentará. A China estabeleceu novas licenças para a exportação de gálio e germânio, elementos-chave para a indústria de semicondutores.

O que pode aproximar de forma propositiva os dois países?

As relações econômicas serão sempre o motor de aproximação entre os dois países. Resta saber se ainda querem isso. EUA e China possuem um grau significativo de interdependência. A política do ex-presidente Trump de “desacoplamento” da economia chinesa mostrou-se irreal. Ainda que o México e o Canadá sejam os maiores parceiros comerciais dos EUA, a China continuará a ser um parceiro relevante e com estrutura para retomar o posto de maior parceiro comercial dos EUA. Os esforços de encurtamento das cadeias produtivas beneficiam os países próximos dos EUA. E estes esforços também estão sendo feitos pela China em seu contexto regional asiático. Mas mais importante do que o nearshoring é o friendshoring. Quanto mais os EUA apresentam-se hostis aos Chineses, mais deverão buscar alternativas de fornecedores, podendo chegar a uma situação prejudicial aos próprios EUA. Assim, seria desejável que as disputas comerciais não transbordassem para as questões políticas. Há ainda outra agenda que poderia aproximar os dois países. A agenda climática poderá ser um vetor de consenso em temas importantes. EUA e China não podem simplesmente entrar em um jogo de soma zero sem sopesarem as consequências de suas atitudes nas relações com os outros países. Precisam ser responsáveis com os compromissos internacionais assumidos. E este é outro elemento que pode aproximar de forma propositiva os dois países.

A forma como o governo atual apresenta sua postura com ambos os blocos hegemônicos tem sido a ideal? qual sua opinião?

O governo Lula acerta ao não assumir um lado nesta disputa entre EUA e China. Se os EUA são a maior potência global com quem o Brasil mantém relações bem desenvolvidas por razões geopolíticas, a China é nosso maior parceiro comercial e com quem temos maior complementaridade no comércio. A relação com os dois países possui vantagens e desafios. Cabe ao governo brasileiro definir as prioridades na relação com um e outro, e seguir os princípios constitucionais que regem as relações exteriores do Brasil. Dentre esses princípios tem-se o da igualdade entre os Estados, o da não-intervenção e o da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Dito isto, e dado que o Brasil já tem uma relação bastante bem desenvolvida com os EUA, falta investir mais no conhecimento sobre a China e na interação com os chineses. O nosso acúmulo de saber sobre a China ainda é muito superficial e, não raramente, baseado em estereótipos que fazem referência a uma China que não existe mais. Esta defasagem de saber sobre a China que é superada de maneira ainda muito precária em razão de visitas esporádicas de empresários(as) e autoridades políticas, precisa ser substituída por uma relação mais densa e constante. Há muito espaço ainda para desenvolver a relação sino-brasileira.

Qual a importância de o Brasil liderar o Banco dos Brics?

É a importância de assumir mais responsabilidades como membro do NDB e, também, retomar o lugar de ator ativo no âmbito do BRICS. Há alguns anos o Brasil tem mantido uma postura mais reativa ou pouco propositiva no BRICS. É como se o Brasil se mantivesse no modo “piloto automático”, participando das reuniões, debatendo as propostas feitas pelos outros quatro países, mas sem demonstrar um real engajamento para assumir um certo protagonismo no BRICS. Com a indicação da ex-presidenta Dilma Rousseff para presidir o NDB, o governo Lula sinaliza interesse especial pelo Banco. Mas devemos lembrar que a Dilma Rousseff, apesar de estar no mais alto posto do Banco, está submetida aos objetivos do NDB e às decisões dos países membros do Banco. A transparência e a qualidade técnica de suas decisões serão componentes decisivos para a sua liderança no NDB. O Brasil somente se beneficiará da presidência da Dilma Rousseff no NDB se souber apresentar bons projetos de financiamento para o Banco. Ou seja, o Brasil não se beneficiará porque a Dilma é a presidenta do BRICS, mas porque terá apresentado bons projetos. A Dilma Rousseff será cobrada por resultados por todos os países membros do Banco.

O Brasil terá um papel preponderante nas ambições dos dois países de liderar a economia global?

Sim. Um país que já foi a sexta maior economia do mundo e ainda pode voltar a estar entre as dez maiores, não é um país qualquer. A agenda climática coloca o Brasil no centro das discussões sobre o tema. O seu peso econômico, o seu tamanho territorial e populacional na América do Sul também são fatores importantes na equação que tanto os EUA e a China fazem quando se relacionam com o continente sul-americano. O Brasil tem boas relações com os EUA e com a China. Mantém uma postura independente que ora agrada, ora desagrada a ambos. Faz parte da vida de uma nação soberana. E o Brasil deve ter a sabedoria de manter uma postura equilibrada diante das pressões dos dois países pelos interesses que buscam no Brasil e na região sul-americana. O Brasil precisa, e muito, estar mais presente nas relações com os seus países vizinhos. É isto que dará ao país um lugar de relevância na relação com os dois gigantes da economia. E nunca escolher um país em detrimento de outro. Salvaguardar os interesses brasileiros. Não há mal nisto. Muito pelo contrário. Um país só será respeitado se ele se fizer respeitar.

Professor de Direito Internacional e Coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio e Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Foi Senior Scholar na Shanghai University of Finance and Economics (SUFE - China) no período 2012-2014, e Senior Foreign Expert do Center for BRICS Studies da Fudan University (Shanghai, China) em 2014 e 2015. Foi professor do MBA em Negócios Internacionais da Universidade de Shanghai (2015-2017) no âmbito do National High-end Foreign Expert Program e professor visitante da School of Government and BRICS Cooperation Center da Beijing Normal University (2017). É consultor jurídico do China Desk do Kincaid Mendes Vianna Advogados