Lia Valls, do FGV/IBRE: 'Há uma expectativa que seja possível a retomada de acordos com a União Europeia por enxergarem um maior compromisso ambiental pelo novo governo'
Olhar para a política ambiental é fator essencial na retomada de acordos entre Brasil e União Europeia.
Lia Valls, pesquisadora associada da FGV/IBRE. (Foto: Divulgação)
Um dos principais parceiros comerciais da União Europeia, o Brasil, vislumbra maior integração com o bloco e a retomada de acordos em prol do fortalecimento das relações bilaterais, explorando a nova perspectiva de governo, que sinaliza um maior comprometimento com a área ambiental- tema que causava resistência, principalmente, no avanço do Acordo de Associação Mercosul-União Europeia.
O pacto é estruturado no livre comércio entre os dois blocos econômicos e começou a ser negociado ainda em 1999, incluindo diversas áreas como como taxações alfandegárias, compras públicas e legislação sanitária. De acordo com a pesquisadora associada da FGV/IBRE, Lia Valls, o arrastamento deste acordo é multifatorial, e inclui o pouco compromisso com a política ambiental, ocorrida no antigo governo.
“Esse não cumprimento com sua própria legislação ambiental deu margem, obviamente a resistência da União Europeia em fechar a negociação. Agora há uma expectativa que seja possível a retomada por enxergarem um maior compromisso pelo novo governo”, acredita a pesquisadora. Lia Valls, pondera que as reaberturas de outros acordos sejam episódios complicados, pois ambos podem fazer mais exigências, postergando uma conclusão.
Atualmente, a relação entre os blocos é regida pelos Acordos de Cooperação CE-Brasil (1992), Cooperação UE-Mercosul (1995) e Cooperação Científica e Tecnológica (2004). Dados de 2020, apontam que o nosso país se configurou como segundo maior exportador de produtos agrícolas para a União Europeia. No âmbito econômico, o Brasil é o décimo segundo maior parceiro comercial da UE, sendo ela o segundo principal do Brasil.
José Alfredo Graça Lima, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. (Foto: Divulgação)
Mais “verde”
Apesar de o Acordo possuir um capítulo específico sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável (CDS), este é considerado vago e insuficiente do ponto de vista climático e ambiental. Após as queimadas na Amazônia de 2019, alguns países da Europa retiraram o apoio ao Acordo, exigindo compromissos mais concretos dos países do Mercosul em relação às salvaguardas socioambientais, especialmente na maior floresta tropical do planeta. Com isso, e com o baixo interesse de ambas as partes em reabrir as negociações do texto do Acordo, os blocos anunciaram que em breve divulgariam um protocolo ambiental adicional. Para o bloco Europeu, a chegada de um governo mais comprometido com as metas climáticas poderia facilitar esse processo.
De acordo com a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Olívia Zerbini, são mais de 20 anos de negociações entre os representantes de 25% da economia global.
“Falando em uma ordem mais prática, a UE não aceitar que os produtos que irão entrar no mercado europeu sejam associados a desmatamento ou violação de direitos é um resultado mais verde. Assim, o protocolo poderá impedir que o Acordo impulsione um aumento da fronteira agrícola sobre áreas de florestas, por exemplo, gerando mais destruição para suprir a demanda europeia. Além do mais, há uma grande oportunidade para que os blocos trabalhem juntos e se unam para avançar em questões de rastreabilidade, investimentos e mecanismos que possam levar a uma transição para economias de baixo carbono”, frisa Zerbini.
Segundo o embaixador José Alfredo Graça Lima, VP do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, a conclusão das negociações sobre um acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia, o primeiro acordo bi regional da história, antecipa benefícios econômico-comerciais e político-institucionais de médio e longo prazo para o Brasil e para os seus sócios.
“Representa, talvez, em dimensão mais ampla, um primeiro e efetivo sinal de que o país caminha para a esperada abertura da sua economia. Segundo estimativas do Ministério da Economia, quando o acordo entrar em vigor, poderá ampliar as exportações brasileiras para a UE em até US$ 100 bilhões nos próximos quinze anos, além de atrair investimentos da ordem de US$ 113 bilhões no mesmo período”, argumenta Graça Lima e complementa que até 2035, a expectativa é gerar ganhos de US$ 87,5 bilhões para o PIB brasileiro, podendo alcançar até US$ 125 bilhões se considerados eventuais ganhos gerados pelo aumento da produtividade total dos fatores de produção
Em estudo elaborado por iniciativa da Apex-Brasil, com apoio da Delegação da União Europeia no Brasil, os investimentos realizados entre o período de 2006 e 2015 demonstraram que Brasil e UE possuem não apenas um longo relacionamento comercial, mas também forte interdependência econômica com investimentos robustos em diversos setores como mineração ao agronegócio, passando pela produção de bens e serviços de alto valor agregado. A análise reforça o entendimento da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos de que a importância desta parceria é recíproca por estar estruturada, historicamente, na busca de crescimento econômico conjunto e benefícios mútuos.
Carlos Honorato, economista e doutor em estratégia e especialista em cenários futuros e professor FIA Business School. (Foto: Divulgação)
Reconstrução das oportunidades
Carlos Honorato, economista, doutor em Estratégia e especialista em Cenários Futuros e professor FIA Business School, analisa que apesar das diversas chances oriundas de transformações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas, boas chances foram desperdiçadas.
“É fundamental colocar essa agenda ambiental e sustentável a serviço do agronegócio – como muitos já fazem – e não contra eles. A União Europeia tem se aberto a novos acordos comerciais e fatalmente a nossa produtividade se impõe sobre a capacidade de produção europeia, criando a possibilidade de mais mercados e certamente mais formas criativas de barreiras e retaliações”.
Para Honorato, outro ponto relevante é a energia como grande fronteira do século XXI. A Guerra da Ucrânia balançou o sutil equilíbrio que havia desde a queda do muro de Berlin, e efetivamente está redirecionando a ordem geopolítica mundial com transformações que não serão percebidas no curto prazo, mas já começam a afetar a todos, desde produção a sustentabilidade energética.
“E mais uma vez a oportunidade se faz aqui: enquanto países europeus e EUA pretendem uma matriz energética limpa a partir de 2030, 2040 o Brasil já a tem desde os anos 1980. Além da energia hidroelétrica, a solar e a eólica vem a se somar nessa matriz limpa que pode gerar bilhões na comercialização de crédito de carbono e na venda de energia por meio do hidrogênio verde”, finaliza.
Alemanha retomará investimentos no Fundo Amazônia
Em viagem ao Brasil, o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, visitou o estado do Amazonas no início de janeiro. Em Manaus, encontrou-se com o governador Wilson Lima, com quem falou sobre as pretensões de seu país em retomar os investimentos na região por meio do Fundo Amazônia.
O Fundo Amazônia tem objetivo de financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização do bioma. O mecanismo de financiamento havia sido desativado no governo passado e foi reativado agora, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o presidente alemão, os investimentos previstos são da ordem de € 35 milhões.
Guerra na Ucrânia
A Guerra da Ucrânia, que começou em fevereiro de 2022, tem afetado significativamente a economia de todo o mundo, incluindo o comércio exterior do Brasil. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o conflito deverá custar à economia global, US$ 2,8 trilhões em produção perdida até o fim de 2023. As projeções de crescimento econômico também foram revisadas para baixo, passando de 4,5% em 2022 e 3,2% em 2023 para 3% neste ano e 2,2% no próximo.
Segundo Fábio Pizzamiglio, diretor da Efficienza, ainda poderemos ter o impacto do conflito militar da Ucrânia em 2023.
“Além dos efeitos imediatos, o conflito na Ucrânia também pode afetar o comércio internacional no futuro. O aumento das tensões entre a Rússia e os países ocidentais pode levar a medidas protecionistas e à queda do comércio internacional. Porém, é necessário aguardarmos os próximos capítulos e acompanharmos as mudanças que poderemos ter em um próximo ano”, afirmou o executivo.