Fred Arruda: Cooperação Educacional é certamente um dos pontos fortes das relações entre o Brasil e Reino Unido

Com o Brexit, o Reino Unido está na posição de buscar parcerias econômicas fora do continente europeu, ação que pode beneficiar América Latina.

Espaço para crescer Abre
Vista da capital da Grã-Bretanha. Especialistas avaliam rumos econônicos e relações bilaterais com a chegada do Brexit. (Foto: Divulgação)

Após a saída da União Europeia, o Reino Unido tem procurado investir na consolidação de novas relações bilaterais, sobretudo no que tange à  agenda comercial. Em novembro de 2022, foi celebrado o acordo que elimina a dupla taxação, reduzindo, por exemplo, custos fiscais para negócios e investimentos. Sem um pacto de livre comércio em vigor, e não mais podendo se beneficiar do potencial acordo Mercosul-União Europeia, a Grã-Bretanha procurou criar uma agenda para um acordo comercial com os países do bloco sul-americano, mas as tratativas não têm avançado dentro do esperado.

Apesar de bem consolidada, a cooperação Brasil-Reino Unido é relativamente “pouco aproveitada” em termos de potencial, conforme explica Carolina Pavese, professora do curso de Relações Internacionais da ESPM, consultora e doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics.

Carolina Pavese (Divulgação)Carolina Pavese, professora do curso de Relações Internacionais da ESPM, consultora e doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics. (Foto: Divulgação)


A docente faz uma ressalva e aponta que inovação e tecnologia estão na agenda da cooperação bilateral, porém, ancorada numa abordagem “top down”, na qual o Reino Unido financia e apoia o desenvolvimento de iniciativas no Brasil. “Aliás, o formato de cooperação também se manifesta em outras áreas. Há potencial para reverter essa assimetria, priorizando projetos com troca equilibrada de know-how, criando canais para o desenvolvimento de iniciativas oriundas do Brasil no Reino Unido.

Potencial

Professor Vinicius Rodrigues Vieira 1Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, professor associado de Economia e Relações Internacionais na FAAP (Foto: Divulgação)

Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, professor associado de Economia e Relações Internacionais na FAAP, onde coordena o Observatório do Populismo e Nacionalismo, avalia que América Latina, principalmente o Brasil, tem potencial para celebrar acordos de comércio e investimentos. “Com a busca por parte do Ocidente para realocar investimentos hoje situados na Ásia - o chamado friendshoring ou reshoring –, o mercado brasileiro emerge como parceiro natural, dada a relativa proximidade geográfica, em particular do Nordeste, em relação à Europa. Ademais, o Brasil está em busca de engajar-se em atividades de maior valor agregado, como os serviços de alta intensidade tecnológica, área na qual o Reino Unido tem expertise reconhecida”, afirma. Ainda segundo ele, os parceiros do

Mercosul, notadamente a Argentina, precisam ser convencidos pelo nosso país sobre as vantagens em priorizar relações com a economia britânica. “Como resultado, isso aumentaria o poder de barganha do bloco na renegociação do acordo Mercosul-União Europeia, haja vista que o Reino Unido disputa com a Europa Continental muitos daqueles mercados de alto valor agregado em serviços”, avalia.

Doutor em Relações Internacionais pelo Nuffield College, Universidade de Oxford, Vieira ainda identifica grande potencial na troca de experiências no setor social, em vista que o Brasil enfrenta mais desafios que o Reino Unido em termos de pobreza e desigualdade. “Nesse quesito, com uma população cada vez mais diversa desde o ponto de vista étnico-racial-religioso, há espaço para trocas de experiência no campo de gerenciamento de diversidade no setor público e privado. Junto à questão ambiental, esses temas tornam Brasil e Reino Unido potenciais líderes no desenvolvimento de práticas ESG nas esferas estatal e não-governamental. Os empreendedores precisam estar antenados para não perderem oportunidades nessas áreas. Por fim, lembro que há também a inexplorada parceria no setor militar-estratégico. O Reino Unido ainda detém territórios no Atlântico Sul e, tal como o Brasil, prefere que a região fique à margem das crescentes tensões geopolíticas decorrentes da Guerra da Rússia contra a Ucrânia”, enfatiza.

Novo clima

 

Além dos negócios, o principal ponto de convergência entre o Brasil e o Reino Unido está na agenda de mudança climática, na qual, do lado brasileiro, consta a busca pela recuperação da imagem do país no âmbito do comprometimento com ações voltadas ao desenvolvimento sustentável depois de um período presidencial em que a questão foi negligenciada. Já no lado britânico, o desafio está com a necessidade de manter o soft power do Reino Unido na era pós-Brexit e pós-reinado de Elizabeth II.

“Nesse sentido, o rei Charles III tem uma vantagem. Há tempos se engaja com a pauta ambiental e, dentro dos limites constitucionais, pode desempenhar um papel relevante ao fomentar indiretamente o debate público sobre o assunto. Cabe destacar que, em março, o rei conversou por telefone com o presidente Lula. As fontes oficiais afirmam que um dos principais assuntos foi o desenvolvimento de parcerias na área ambiental. Falta, porém, trabalhar uma agenda mais detalhada, que envolva preferencialmente o desenvolvimento de tecnologias conjuntas para benefício próprio e da humanidade como um todo”, analisa o professor da FAAP.


Coroação

Rei Charles
Charles III: Rei do Reino Unido, virou principal liderança na Grã Bretanha após a morte de sua mãe, a monarca Rainha Elizabeth II. (Foto: Divulgação)

Em maio, o rei Charles III do Reino Unido será coroado durante cerimônia na Abadia de Westminster, em Londres, seguindo a tradição dos monarcas ungidos nos últimos mil anos, anunciou o Palácio de Buckingham. “A coroação refletirá o papel do monarca hoje e olhará para o futuro, ao mesmo tempo em que estará enraizada em tradições e pompa de longa data”, disse o palácio em comunicado. Reis e rainhas da Inglaterra, e mais tarde do Reino Unido, foram coroados na Abadia de Westminster desde William, o Conquistador, em 1066. Charles é o 41º monarca em uma linhagem que remonta a William, e será o mais velho a ser coroado.

No início de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou com o rei Charles III por telefone sobre a vontade de aprofundar parcerias e discussões entre Brasil e Inglaterra,principalmente em torno da questão climática e ambiental.Em fevereiro, o governador do estado do Pará, Helder Barbalho, se encontrou com o rei no Palácio de Buckingham. O governador pediu apoio a candidatura da cidade de Belém para sediar a COP30, a Cúpula do Clima, em 2025, além de ter o convidado a conhecer a capital paraense. “O rei demonstrou estar entusiasmado com a possibilidade de Belém ser a cidade sede para a COP30, partindo daquilo que nós temos defendido”, disse Barbalho.

Compromissos

A professora Carolina Pavese lembra que o Reino Unido está comprometido em ampliar a cooperação com o Brasil para o desenvolvimento de instrumentos financeiros de baixo carbono e incrementar as ações de incentivos a negócios direcionados à agenda de crescimento verde, energia renovável. “Tais medidas se ancoram na estratégia do governo Britânico em impulsionar uma transição de longo prazo e estrutural para uma economia sustentável, por meio de iniciativas como o “Programa Green Finance” do “Prosperity Fund”. Carolina acrescenta que há oportunidades importantes para se alavancar negócios em conjunto com a agenda, tanto com o fomento de práticas empresariais e desenvolvimento de projetos e serviços no Brasil, na abertura de novas oportunidades para empresas brasileiras entrarem no mercado britânico.

“O Brasil emerge como parceiro fundamental do Reino Unido, tanto que Londres já sinalizou a disposição em contribuir para o Fundo Amazônia, que foi reativado no começo do governo Lula como parte da ajuda da comunidade internacional em recuperar o soft power

brasileiro ao redor do mundo, em um contexto que ensaia uma fragmentação entre um bloco Euroatlântico—capitaneado por Estados Unidos e a União Europeia — e um bloco Euroasiático — centrado na China, mas confiando na capacidade militar da Rússia. Diante disso, é necessário preservar a multipolaridade e estimular o Brasil a recuperar sua posição como potência regional, alinhado ao objetivo britânico de enfrentar desafios globais”, finaliza Rodrigues Viera, da FAAP. 

Ponto de vista

Fred Arruda (Divulgação)
Fred Arruda, Embaixador do Brasil para o Reino Unido da Grã-bretanha e da Irlanda do Norte (Foto: Divulgação)

Com sua extensa experiência na área de negociações econômicas multilaterais, como podemos ampliar as relações entre os dois países?

O Brasil e o Reino Unido são duas das maiores economias do mundo. Em vários aspectos, são economias complementares. E, no entanto, o comércio bilateral ainda está abaixo do seu potencial. Não é que as trocas hoje sejam pouco relevantes, longe disso – são já significativas e, devo dizer, cresceram muito no ano passado, após o baque da pandemia (passamos de um valor de US$ 5,6 bilhões, em 2021, para US$ 6,4 bilhões, em 2022, elevação de 15%). Mas tanto os brasileiros como os britânicos acreditam que claramente há espaço para mais, em áreas que vão do agronegócio à transição energética. A indagação é: como fazer para continuar avançando? Nossa convicção na Embaixada é que a resposta passa, necessariamente, por uma maior aproximação entre autoridades reguladoras e, sobretudo, entre representantes dos setores privados de lado a lado.

Nesse sentido, em outubro passado, o Reino Unido enviou ao Brasil sua primeira missão ao exterior de autoridades sanitárias e fitossanitárias no pós-Brexit, algo com viés positivo. Nessa mesma linha, avalio como encorajador que, no início deste mês de março, a Confederação Nacional da Indústria tenha enviado ao Reino Unido expressiva missão empresarial centrada em uma agenda de ciência, tecnologia e inovação. Recapitulando que este é o melhor caminho: construir massa crítica que se vá traduzindo em resultados concretos para o comércio bilateral, com benefícios também em termos de geração de emprego e renda no Brasil. No futuro, quando as condições estiverem dadas, um Acordo de Livre Comércio será desdobramento natural.

Mantemos muitos estudantes no Reino Unido, além de pesquisadores e professores. Como podemos potencializar esse intercâmbio?

A cooperação educacional – e em ciência, tecnologia e inovação – é certamente um dos pontos fortes das relações entre o Brasil e o Reino Unido. Atualmente, estimam-se em cerca de 230 os estudantes brasileiros com bolsas da CAPES no Reino Unido. A diáspora científica brasileira aqui também é vasta e diversa. Estimam-se em mais de 600 os pesquisadores brasileiros em universidades e outras entidades britânicas (embora, neste caso, seja menos evidente se chegar a um número preciso). O país é indicado como o 15º parceiro global do Reino Unido em pesquisa, sendo o 1º colocado na América Latina.Agora, nosso trabalho tem sido, justamente, o de potencializar essa realidade. A Embaixada tem organizado encontros regulares com estudantes brasileiros em universidades britânicas. Por fim, não quero deixar de dar uma palavra sobre o que a Embaixada tem feito também para promover o Brasil como destino para pesquisadores de excelência. Tornar mais competitivo nosso panorama de ciência, tecnologia e inovação envolve certamente assegurar que brasileiros possam estudar e pesquisar no exterior, e na Grã-Bretanha em particular. Mas envolve ainda, de outro lado, atrair pesquisadores de instituições não brasileiras (no nosso caso, britânicas) para os centros de pesquisa de ponta que igualmente mantemos no território brasileiro. Esse é o objetivo que anima nosso projeto Science in Brazil, que divulga nos meios especializados britânicos instâncias de pesquisa no Brasil que nos colocam, em setores como agricultura, energia e saúde, na fronteira do conhecimento. 

O Embaixador Fred Arruda é diplomata de carreira e graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília. É Embaixador no Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte desde outubro de 2018. Serviu também, ao longo de sua carreira, em Genebra, Nova York, Ottawa, Washington e Montevidéu. Chefiou a Assessoria Diplomática do Presidente da República de 2016 a 2018.

Projetos

A parceria entre os dois países se desdobra em várias iniciativas para além da área de comércio

Future Females: ação liderada pelo programa UK-Brazil Tech Hub do Governo Britânico, que apoia o desenvolvimento de mulheres empreendedoras por meio de ações como sessões de capacitação empresarial e mentoria. Ao longo de 2023, o programa visa apoiar cerca de 250 empreendedoras que têm ideias ou negócios em estágio inicial nas áreas de tecnologias verdes, clima, educação, comércio, saúde, alimentação e agricultura.

Programa Digital Futures Lab: iniciativa que oferece formação em habilidades digitais do futuro para lideranças periféricas. Sessenta líderes de todo o Brasil foram contemplados na primeira turma, 50% são mulheres. Vale mencionar também o Programa de Acesso Digital, que já garantiu conexão à internet a mais de mil escolas brasileiras.