'A Shell enxerga a estabilidade regulatória como um fator crítico para a manutenção e ampliação dos investimentos no Brasil', diz Flávio Rodrigues

Empresa avalia que previsibilidade regulatória é essencial para garantir novos aportes e fortalecer o papel do Brasil na transição energética.

Foto Flávio Rodrigues, vice-presidente Relações Corporativas Shell Brasil
Flávio Rodrigues, vice-presidente de Relações Corporativas da Shell Brasil. (Foto: Divulgação)

Com mais de um século de atuação no Brasil, a Shell se mantém como referência em energia integrada, combinando exploração de petróleo e gás, biocombustíveis e soluções de baixo carbono. Em meio a um cenário de transição energética global, a companhia busca alinhar crescimento econômico, redução de emissões e inovação tecnológica, fortalecendo a posição do país como fornecedor estratégico de energia.

No Brasil, a Shell opera em todas as frentes do setor energético, com destaque para o Upstream, gás natural, trading e desenvolvimento de energias renováveis, além da comercialização de produtos ambientais por meio da Shell Energy. A distribuição de combustíveis é gerida pela joint-venture Raízen, reforçando o compromisso da companhia com eficiência e sustentabilidade.

Para entender melhor os desafios e estratégias da Shell no país, conversamos com Flávio Rodrigues, vice-presidente de Relações Corporativas da Shell Brasil, que detalhou metas de descarbonização, perspectivas de investimentos e a visão da companhia sobre o papel do Brasil na transição energética global.

Quais são os atuais projetos e metas de descarbonização da companhia?

Globalmente, a Shell tem como meta entregar mais valor com menos emissões. Para isso, reforçamos nossa posição de liderança em gás natural liquefeito (GNL) por meio do crescimento das vendas entre 4% e 5% ao ano até 2030. Buscamos aumentar a produção total em nosso negócio combinado de Upstream e Gás Integrado em 1% ao ano até 2030, mantendo a produção de 1,4 milhão de barris por dia de líquidos até 2030, com intensidade de carbono cada vez menor. Ao mesmo tempo, queremos aproveitar nossas vantagens competitivas para impulsionar negócios rentáveis e escaláveis em nossas plataformas de baixo carbono, nas quais esperamos ter até 10% do capital empregado até 2030.

Como a Shell avalia o ambiente regulatório brasileiro e os principais desafios e oportunidades no pré-sal?

A Shell enxerga a estabilidade regulatória como um fator crítico para a manutenção e ampliação dos investimentos no Brasil. O respeito aos contratos vigentes, a previsibilidade de regras e a coerência nas políticas públicas são pilares fundamentais para garantir a atratividade do ambiente de negócios — especialmente em um setor de capital intensivo e projetos de longo ciclo como o de óleo e gás.

Entre os desafios, destaca-se a questão tributária, onde é preciso preservar instrumentos fundamentais à competitividade, como o regime especial Repetro, e evitar a criação ou majoração de tributos que comprometam a viabilidade de projetos, como o imposto seletivo sobre a extração de petróleo e gás. Também é necessário avançar na discussão sobre novas áreas exploratórias, como a Margem Equatorial, garantindo segurança jurídica, previsibilidade nos licenciamentos e alinhamento com melhores práticas internacionais.

Além disso, temas emergentes como hidrogênio de baixo carbono e captura e armazenamento de carbono (CCS) ainda carecem de marcos regulatórios claros e modernos, capazes de viabilizar projetos em escala e atrair capital para essas tecnologias que serão determinantes na trajetória de descarbonização do setor energético. Adicionalmente, é importante acelerar a regulação do mercado de carbono.

Por outro lado, o país oferece vantagens competitivas importantes. O petróleo do pré-sal brasileiro tem uma média de intensidade de emissões menor que a média global, além de produtividade elevada. Isso posiciona o Brasil como um fornecedor estratégico de energia com menor impacto ambiental, algo cada vez mais valorizado em mercados internacionais em transição para uma economia de baixo carbono.

O setor de petróleo é responsável por cerca de 17% do PIB industrial brasileiro e ocupa o segundo lugar no ranking de produtos exportados (13%), ficando atrás apenas da soja (15,4%). Segundo o CNI, o setor de O&G sustenta 1,6 milhão de empregos diretos e indiretos. De acordo com o IBP, entre 2022 e 2031, o setor pode atrair US$ 180 bilhões em investimentos, gerando mais de 400 mil empregos por ano e arrecadando US$ 600 bilhões em tributos.
A Shell segue comprometida com o desenvolvimento competitivo do setor no país e mantém diálogo constante com autoridades e instituições para contribuir com um ambiente regulatório que combine ambição climática, competitividade industrial e atração de investimentos de longo prazo.

Como a Shell está se preparando para manter competitividade e garantir estabilidade de investimentos no Brasil diante da volatilidade e tensões geopolíticas?

A Shell está presente no Brasil há 112 anos e construiu ao longo desse tempo uma trajetória de atuação pautada por visão de longo prazo. O setor de óleo e gás é cíclico e sujeito a volatilidades de preço e tensões geopolíticas — por isso, nossas decisões de investimento são baseadas em fundamentos robustos e planejamento de longo prazo, não em movimentos conjunturais, sempre pautadas pela disciplina de capital.

É assim que garantimos resiliência e competitividade em diferentes ciclos. Um exemplo concreto é o projeto Gato do Mato: tomamos a Decisão Final de Investimento (FID) em 2025, para uma operação que só será iniciada em 2029. Trata-se de um projeto estruturado, com baixa intensidade de carbono e desenvolvido para gerar valor em múltiplos cenários.

Essa lógica também orienta nossa participação em todos os leilões da ANP e a recente aquisição de quatro novos blocos exploratórios no país. Continuamos investindo no Brasil porque vemos aqui uma combinação favorável de recursos de alta qualidade, competência técnica local e oportunidades de crescimento em águas profundas.
Além disso, a nova estrutura organizacional confere ao Brasil status de vice-presidência executiva global no negócio de Upstream, aumentando a autonomia e relevância estratégica do país no Grupo.

Nosso objetivo é claro: seguir contribuindo para a segurança energética do país e manter o Brasil como um dos principais polos globais da Shell, com estabilidade e geração de valor mesmo em contextos desafiadores.

Em que estágio estão os projetos de hidrogênio verde e biocombustíveis no Brasil, e qual o potencial de exportação de energia de baixo carbono?

Importante ressaltar que projetos de hidrogênio verde não existem como uma linha de negócio em escala comercial na Shell Brasil. Temos, por meio de P&D, projetos em estágio de pesquisa. O projeto “Etanol para Hidrogênio” é uma iniciativa pioneira da Shell Brasil, junto com Raízen, RCGI, Hytron e outros parceiros, que visa produzir hidrogênio renovável a partir do etanol. Com isso, o etanol — cuja cadeia já é bem desenvolvida no Brasil — passa a funcionar como vetor logístico para o hidrogênio, possibilitando aplicações em mobilidade urbana e em processos industriais, com baixa pegada de carbono.

Em biocombustíveis, por meio da Raízen, a Shell lidera a produção global de etanol de segunda geração (E2G). O Brasil tem potencial único: grande base de biomassa, infraestrutura consolidada para etanol e matriz majoritariamente renovável. Com regulação adequada (ex.: mercado de carbono), pode liderar a exportação de energia de baixo carbono. A Shell Brasil também desenvolve ações no mercado de carbono sob o pilar de Soluções Baseadas na Natureza.

No Capital Markets Day 2025, a Shell reafirmou que continuará investindo em soluções de baixo carbono com disciplina e foco em retorno. Os Low Carbon Fuels (LCF), que incluem biocombustíveis avançados e hidrogênio, seguem parte da estratégia da companhia globalmente, especialmente para atender setores de difícil descarbonização como transporte pesado, marítimo e aviação. O potencial de exportação é real — e cresce à medida que o Brasil avança em marcos regulatórios e certificações internacionais.

Em resumo, estamos desenvolvendo hoje as soluções que atenderão à demanda global por energia mais limpa nos próximos anos, e o Brasil está no centro dessa estratégia.

Qual a visão da Shell sobre o papel do Brasil na transição energética global e como pretende colaborar com o governo e a indústria local?

A Shell vê o Brasil como um dos países mais estratégicos para a transição energética global. Com cerca de 88% da matriz elétrica limpa, vasto potencial de geração renovável, liderança global em biocombustíveis e uma indústria de óleo e gás tecnicamente avançada, o país reúne atributos únicos para liderar uma transição energética segura, acessível e responsável.

Além disso, o petróleo do pré-sal brasileiro tem menor intensidade de carbono em comparação com a média global, o que torna a nossa produção bastante competitiva em termos de emissões. Isso é especialmente relevante em um cenário em que o mundo ainda dependerá de petróleo e gás por várias décadas — e demandará que essa energia seja produzida de forma cada vez mais eficiente e com menores emissões.

A Shell acredita que a transição não é uma ruptura de um modelo para outro, mas sim um processo com soluções múltiplas e simultâneas. Por isso, tem buscado colaborar com o governo e a indústria local em três frentes principais:
Tecnologia e Inovação: investimos cerca de R$ 500 milhões/ano em Pesquisa e Desenvolvimento no Brasil, sendo 30% focado em projetos de baixo carbono. Mantemos parcerias com mais de 20 universidades, centros como o CINE (energia limpa) e o RCGI (captura e uso de carbono), além de iniciativas em biocombustíveis avançados como o BRAVE (etanol de agave).

Diálogo regulatório construtivo: colaboramos com o governo, a ANP e o Congresso em temas essenciais como regulação da Margem Equatorial, regras para mercado de carbono, livre mercado de gás, desenvolvimento do CCS e conteúdo local competitivo.

Soluções energéticas no mercado real: a Shell foi pioneira na comercialização de gás natural no mercado livre brasileiro, por meio da Shell Energy, com fornecimento para grandes indústrias como CSN, Suzano e Vale. Criamos o modelo Master Sales Agreement (MSA), que trouxe mais flexibilidade, agilidade e novos indexadores ao mercado. Também atuamos no segmento de energia elétrica, também pela Shell Energy, e biocombustíveis pela Raízen.
O compromisso da Shell com o Brasil é de longo prazo — tanto como produtor responsável de petróleo e gás, quanto como parceiro no desenvolvimento de soluções de energia com menos carbono. Seguiremos contribuindo com investimentos, tecnologia, diálogo e ação prática para que o Brasil fortaleça sua posição como potência energética global nesta nova era.