Elizabeth Frawley Bagley: Últimos dois séculos demonstram que nossa parceria traz benefícios concretos e é muito importante para Brasil e EUA

Embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Frawley Bagley faz um panorama completo sobre a força das relações bilaterais entre os dois países.

embaixadoraEm entrevista exclusiva, a embaixadora dos EUA, aqui no Brasil, Elizabeth Frawley Bagley, fala sobre a histórica relação benéfica para ambas as nações. (Foto: Divulgação)

A embaixadora Elizabeth Frawley Bagley atuou na diplomacia, além de ter sido advogada por mais de quatro décadas. No passado, ela trabalhou como advogada no escritório Manatt, Phelps, especializado em direito internacional, em Washington, D.C.. A longa experiência diplomática inclui serviços prestados como assessora sênior dos secretários de Estado John Kerry, Hillary Clinton e Madeleine Albright. Elizabeth também foi representante especial na Assembleia Geral das Nações Unidas, representante especial para Parcerias Globais e embaixadora dos Estados Unidos em Portugal. A extensa trajetória da embaixadora possui a experiência como membro do Conselho da SBI, empresa de telefonia móvel em Show Low, Arizona. A diplomata também foi professora adjunta no Centro de Direito da Universidade de Georgetown e atuou como produtora associada da ABC News em Paris, França e Washington, D.C., além de outras grandes vivências na carreira.

A embaixadora Bagley graduou-se bacharel pelo Regis College de Weston, Massachusetts, formando-se em Direito pelo Centro de Direito da Universidade de Georgetown. O Distinguished Honor Award do secretário de Estado, o Meridian International Public Diplomacy Award e a Grã-Cruz do Infante D. Henrique, a mais alta honraria civil de Portugal, são alguns dos inúmeros prêmios ao longo de sua atuação. Nesta entrevista, Elizabeth Frawley Bagley detalha os principais pontos de convergência entre as duas democracias, que são similares no quesito vasto território continental, além de falar sobre as perspectivas geopolíticas em relação a outras nações.

Revista LIDE: Quais segmentos da economia estão no radar entre os dois países para um maior engajamento nos próximos anos?

Elizabeth Frawley Bagley: Tanto o mercado brasileiro quanto o norte-americano estão receptivos ao aumento do comércio, algo que devemos nos empenhar muito. Podemos explorar novas oportunidades na área climática, e o Brasil tem o potencial de expandir sua liderança ambiental e poder mobilizador. Também estamos focados em assegurar cadeias de abastecimento regionais e confiáveis em vários setores, e acreditamos que o Brasil tem interesses semelhantes, e assim podemos ser um parceiro global importante. O Brasil tem enormes oportunidades, juntamente com os EUA e outras nações parceiras, de mostrar ao mundo como disponibilizar minerais e outros insumos críticos para a transição de energia limpa, ao mesmo tempo em que respeita plenamente as normas ambientais, proporcionando trabalho digno, crescimento econômico equitativo e redução de emissões. Espera-se que os mercados globais precisem de quantidades de minerais críticos em uma ordem de grandeza maior do que aquela que o fornecimento atual pode suportar, e o Brasil ocupa uma posição única para fazer parte desse esforço, para se beneficiar dele e para contribuir para a segurança econômica global. Os EUA estão dispostos para fazer parcerias com o Brasil em todas essas áreas.

Atualmente, quais os principais acordos e projetos podem aproximar mais as duas nações no âmbito comercial e diplomático?  

Brasil e EUA têm vários mecanismos bilaterais para trabalhar em conjunto para fortalecer e aprofundar nosso comércio e investimento bilateral. Por exemplo, o Protocolo ao Acordo de Cooperação Comercial e Econômica (ATEC), que entrou em vigor em fevereiro do ano passado, é uma abordagem de "senso comum" às regras comerciais com benefícios para ambos os países. A representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, visitou o Brasil, agora em março deste ano, para discutir oportunidades de expandir o comércio bilateral, inclusive, através da ATEC. 

Além disso, o Diálogo Comercial, iniciado em 2006 - enquanto Lula era presidente do Brasil, nos dá uma plataforma para trabalhar em questões técnicas relacionadas a temas como propriedade intelectual, normas e avaliação de conformidade, comércio digital, e facilitação do comércio, entre outros. Outro grupo importante é o U.S.-Brazil CEO Forum, que reúne CEOs das principais empresas norte-americanas e brasileiras para desenvolver recomendações políticas conjuntas sobre formas de aumentar o comércio bilateral e os investimentos e, em seguida, trabalhar com os dois governos para engajamento.

Em 2022, o Brasil e os EUA assinaram um Acordo de Reconhecimento Mútuo de Operador Econômico Autorizado, que ajuda a facilitar e acelerar o comércio e as viagens, e os brasileiros agora também podem participar do programa Global Entry, que descomplica as viagens de negócios. Nossos acordos bilaterais, como o ATEC, são passos importantes para fazer avançar nossa parceria comercial, reduzir barreiras e ajudar a promover investimentos, e estamos trabalhando para expandir esses acordos para incorporar novas áreas. É importante ressaltar que 80% dos setores de comércio bilateral tiveram um aumento no ano passado, um sinal de crescimento maduro e de potencial impressionante em nosso relacionamento. Procuramos novas oportunidades em setores-chave, tais como saúde, agricultura sustentável, energia limpa, manufatura avançada, semicondutores e outras áreas de crescimento onde tanto o Brasil quanto os EUA trazem capacidades únicas para a mesa.

52667357444_a3e9cc5f11_oA embaixadora Elizabeth Frawley Bagley durante cerimônia de diplomação em Brasília. (Foto: Divulgação)

De que maneira o governo norte-americano encara os desafios e metas ambientais do Brasil?

As ambições climáticas declaradas do Brasil são um sinal significativo, mundialmente falando, indicando que o governo pretende empregar os recursos e a vontade política necessários para esta questão, que tanto os EUA como o Brasil, colocam no topo das agendas políticas. A visita do John F. Kerry às terras brasileiras, em fevereiro de 2023, trouxe uma mensagem clara sobre a intenção dos EUA de apoiar os esforços do Brasil para proteger a Amazônia e outros biomas cruciais. Também trabalharemos em estreita colaboração com o Brasil para engajar com outros países, organizações internacionais, o setor privado e a filantropia para ajudar no acesso a recursos suficientes para atingir suas metas climáticas. Reconhecemos que o desafio é complexo e exigirá um esforço sustentado, e como nós procuramos elevar nossa ambição, o Brasil pode contar conosco como um parceiro nesse esforço.

Em quais projetos e ações sociais e educativas a embaixada norte-americana tem atuado?

A Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil oferecem, nos dois países, vários programas que unem nossos dois povos e constroem laços duradouros. Em 2021, por exemplo, mais de 33 mil brasileiros estudaram, treinaram ou participaram de programas de intercâmbio nos EUA, tornando o Brasil o quinto país que mais manda estudantes e intercambistas para o nosso país. Cerca de 1,7 mil pessoas participam ano após ano de programas de diplomacia pública no Brasil financiados pelo governo dos EUA. Nossas equipes trabalham com governos estaduais, universidades, Institutos Federais, centros binacionais e outras instituições em apoio às iniciativas de ensino e aprendizagem da língua inglesa. Anualmente, compartilhamos técnicas de ensino de inglês com centenas de professores brasileiros, além de executar programas de língua inglesa para estudantes do ensino médio, jovens profissionais e empresários, ativistas e acadêmicos afro-brasileiros e indígenas. Isso reforça que a educação é um dos pilares mais fortes de nosso relacionamento.

Na sua opinião, qual o papel para o Brasil e para o Presidente Lula em relação a busca pela paz na Ucrânia e a Rússia?

A guerra injustificada da Rússia contra a Ucrânia exige nossa ação coletiva. Todas as nações podem contribuir para trazer uma paz justa e duradoura e um fim às hostilidades. A voz do Brasil é importante. O Brasil, com assento no Conselho de Segurança da ONU, pode desempenhar papel significativo com outras nações democráticas, por meio de votações e se posicionando contra este tipo de agressão. Assim como os EUA, o Brasil aspira a defender os princípios da Carta das Nações Unidas, bem como os valores profundamente enraizados dos direitos humanos e da não-agressão. A violência russa no conflito, ameaçou estes valores, e nós encorajamos todos os países democráticos a levantar sua voz em defesa de nossos princípios comuns. Apreciamos que o Brasil tem demonstrado sua generosidade ao receber refugiados da Venezuela, do Afeganistão e, mais recentemente, da Ucrânia, pessoas que procuram escapar da miséria e da guerra.

Ressaltamos a importância de todos os países usarem sua influência com o Kremlin para que Putin retire suas forças do território ucraniano. Entendemos que o presidente Lula está desenvolvendo uma proposta, e saudamos quaisquer esforços genuínos em direção à paz. Somos claros sobre o fato de que a Rússia continua sendo o único obstáculo à paz na Ucrânia, e continuamos comprometidos com um princípio fundamental – os problemas da Ucrânia não podem ser solucionados sem a Ucrânia. Qualquer proposta de paz, primordialmente, deve envolver os ucranianos.

Qual a importância da retomada do Fundo Amazônia e como será a colaboração dos EUA ao lado no Brasil em relação a questão climática?

O anúncio norte-americano de apoio ao Fundo Amazônia foi apenas um componente inicial de nossa cooperação climática com o Brasil. O governo Biden continuará a mobilizar o setor privado, outras nações, organizações internacionais, filantropia e outras partes interessadas para apoiar os esforços do Brasil no que diz respeito ao clima, e os EUA estão empenhados em trabalhar com outros países desenvolvidos para atingir nosso objetivo coletivo de mobilizar 100 bilhões de dólares anuais. O Brasil tem um excelente código florestal, comunidades e ONGs que estão promovendo ativamente a proteção ambiental e o combate ao desmatamento, ar limpo, água limpa e outras questões, que também são recursos relevantes, que não devem ser subestimados.

Quais as barreiras e conflitos geram ruídos nessa relação bilateral?

Como acontece em qualquer relacionamento maduro, não esperamos estar de acordo em todas as questões. Um verdadeiro sinal de que não somos apenas parceiros, mas também amigos é que podemos ter conversas francas e claras, podemos respeitar as posições um do outro e podemos encontrar os pontos de convergência que nos permitem avançar em nossa agenda ampla. Estamos comprometidos com uma relação profundo e estratégica com o Brasil e que possa resistir a eventuais desacordos sobre questões políticas particulares. Acreditamos que o governo brasileiro compartilha igualmente desse compromisso.

O Brasil deve ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU? Qual sua opinião sobre uma eventual reforma do Conselho de Segurança da ONU?

Em fevereiro deste ano, quando os presidentes Biden e Lula se reuniram na Casa Branca, ambos os lados afirmaram a intenção de fortalecer nossa cooperação em instituições multilaterais, particularmente no contexto da próxima presidência brasileira do G20. Também pretendemos trabalhar juntos para uma reforma significativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como a expansão do órgão para incluir assentos permanentes para países da África e da América Latina e Caribe, a fim de sermos mais representativos do quadro mais amplo de membros da ONU e aumentar sua capacidade de tratar de questões de paz e segurança global. Esperamos que novas conversas sobre essa questão ocorram nos próximos meses.

A senhora atuou como representante especial na Assembleia Geral das Nações Unidas, representante especial para Parcerias Globais e embaixadora dos Estados Unidos em Portugal? Fale sobre a importância dessa experiência?

Como primeira embaixadora dos EUA em Portugal, meu papel foi importante para demonstrar o compromisso dos EUA com a liderança das mulheres, e estou orgulhosa do trabalho que fizemos para fortalecer o relacionamento bilateral. Durante minha atuação no Departamento de Estado, em várias funções importantes e de alto nível, fui encarregada de lidar com questões globais e como conselheira de confiança de três secretárias de Estado. Essas foram experiências memoráveis, pelas quais sou grata por ter assumido a liderança em assuntos importantes. E o cargo de embaixadora em Portugal foi meu primeiro contato com o Brasil, período em que alguns dos meus vizinhos brasileiros se tornaram meus melhores amigos, e foi a partir dessa convivência que comecei a aprender sobre música brasileira, comida, o espírito brasileiro de grande energia, e tantas coisas que agora estou aprendendo a apreciar.

PONTO DE VISTA II 

52667502355_fb2bee247f_oA embaixadora dos EUA ao lado do presidente Lula, durante diplomação do cargo em Brasília. (Foto: Divulgação)

Como estamos em relação as tratativas comerciais com os EUA, além dos aspectos políticos, sociais e culturais? 

A relação Brasil-EUA tem uma história e permanência, e os últimos dois séculos demonstram que nossa parceria é de longo prazo e estratégica, traz benefícios concretos e é muito importante para os dois países. Compartilhamos uma base fundamental de valores democráticos, buscamos prosperidade e desenvolvimento sustentável, trabalhamos juntos para ter um meio ambiente mais limpo e nossos esforços conjuntos ajudam a garantir que nosso povo possa viver em maior segurança e igualdade. Nosso povo adora visitar os países e aprender sobre a culturas uns dos outros. Os EUA têm orgulho de ser o destino preferido dos estudantes, assim como turistas e viajantes a negócios brasileiros.

É também evidente que estamos em momento oportuno de nossa história - um momento em que existem diversas possibilidades que podemos capitalizar. Por exemplo, de acordo com o Banco Central, os EUA são, de longe, a maior fonte de investimento estrangeiro direto no Brasil, chegando a mais de um trilhão de reais, com base nos últimos relatórios. O próximo maior investidor estrangeiro fornece um pouco mais de um quarto desse montante, o que demonstra valor no que os investidores norte-americanos veem na inovação brasileira, capacidade industrial, prestação de serviços e potencial de parceria.

O investimento norte-americano é uma destacável fonte de financiamento para a maioria dos unicórnios ou startups brasileiras, avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais, demonstrando potencial que os investidores veem no desenvolvimento dos negócios no Brasil. O presidente Biden anunciou recentemente que os EUA apoiarão o Fundo Amazônia, passo importante para aprofundar nossos esforços de colaboração com o Brasil na conservação dos notáveis recursos naturais do país, na proteção da biodiversidade, no combate às mudanças climáticas e no apoio e proteção das pessoas que dependem das florestas. Estamos reativando nossa parceria de longa data para criar maior equidade racial e social, algo com o qual ambos nos preocupamos e podemos aprender muito um com o outro. Portanto, de maneira geral, vemos um grande potencial para nossa agenda compartilhada e maneiras de expandir nossa cooperação.

Apesar de ser o segundo maior destino das exportações brasileiras, a participação do Brasil ainda é limitada (1,1%, segundo APEX). Outra área com grande potencial de cooperação é relacionada à infraestrutura que favoreça a economia verde e de baixo carbono. Haverá, nos próximos anos, oportunidades envolvendo projetos de parceria em áreas como preservação da biodiversidade, mudanças climáticas, energias limpas e agricultura sustentável.