Programa nuclear brasileiro volta à pauta pelo Plano Nacional de Energia 2050, que está em consulta pública
Documento indica os caminhos para desenvolver e diversificar a matriz energética brasileira, tendo como premissa o aumento da demanda e do consumo de energia elétrica
Usina Nuclear em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. (Foto: Divulgação) |
Até o dia 13 de outubro está aberta a consulta pública à Minuta do Relatório do Plano Nacional de Energia 2050, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) a partir de diretrizes do Ministério de Minas e Energia (MME), e que também será levado à apreciação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
O documento indica os caminhos para desenvolver e diversificar a matriz energética brasileira, tendo como premissa o aumento da demanda e do consumo de energia elétrica, que devem crescer, respectivamente, 2,5 e 3,3 vezes, até 2050, em comparação a 2015. Além disso, leva em consideração o compromisso de reduzir a emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEE), assumido pelo País no Protocolo de Paris: ter a participação de 45% de energias renováveis em sua matriz energética até 2030.
“Muitos países, incluindo o Brasil, estão dando mais atenção à proteção ambiental e ampliando o uso de energia de fontes renováveis - eólica, solar e hídrica. No entanto, estas fontes não podem atender plenamente às necessidades de eletricidade das pessoas e garantir seu fornecimento ininterrupto. Por isso, está se desenvolvendo ativamente o conceito de ‘quadrado verde’, que consiste no desenvolvimento do setor de energia com base nas fontes livres de carbono, com o uso das quatro fontes de energia limpa, incluindo a nuclear”, contextualiza o presidente da Rosatom, Ivan Dybov.
Com experiência mundial na implementação de projetos complexos de infraestrutura, a Rosatom combina os ativos em gama ampla, incluindo criação do projeto, construção, operação e desativação de usinas nucleares, mineração processamento e enriquecimento de urânio, fornecimento de combustível nuclear, armazenamento, transporte e processamento (reciclagem) seguro de combustível usado, além da fabricação de produtos isotópicos para as necessidades da medicina nuclear, pesquisa científica, ciência de materiais e produção de produtos digitais.
Mais capacidade
Conforme explica o Chefe do Departamento de Desenvolvimento de Novos Empreendimentos da Eletronuclear, Marcelo Gomes, “o PNE é mais voltado em como a matriz elétrica brasileira vai evoluir até 2050. É um cardápio de fontes. Cada uma com características e atributos especiais”. Subsidiária da Eletrobras criada em 1997 para operar e construir usinas termonucleares no Brasil, a Eletronuclear aponta que “as hidrelétricas continuarão sendo predominantes, mas, nas próximas décadas, devem alcançar o limite de seu potencial. As demais renováveis terão papel relevante nessa expansão. Porém, são complementares, por serem intermitentes e, consequentemente, não despacháveis, operando com fatores limitados de capacidade. Para garantir segurança energética, a matriz elétrica brasileira precisa contar com energia firme, que opere na base do sistema. Além das hidrelétricas, apenas as térmicas – com destaque para gás natural e nuclear – são capazes de atender esse requisito”.
Além disso, o Brasil é a sétima maior reserva mundial de urânio, com 309 mil toneladas em apenas 30% do território prospectado. “Isso é mais que suficiente para abastecer as usinas por mais de 100 anos, já que as novas vão funcionar com uma vida útil acima disso”, acrescenta o presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha.
Atualmente, há duas usinas nucleares em operação no território nacional - Angra 1 e Angra 2, ambas no Rio de Janeiro, que somam quase 2 GW de potência instalada, sendo responsável pela geração de cerca de 40% da energia consumida no estado do Rio e em torno de 3% do consumo do País. E uma terceira usina - Angra 3 - está com a construção paralisada desde meados de 2015, com previsão de retomada em outubro deste ano e início de operação previsto para 2026.
Considerando esse cenário, somente o Brasil, Estados Unidos e Rússia dominam três pilares fundamentais da energia nuclear: recursos tecnológicos, reserva de urânio e usina com experiência operacional.
Para o presidente da Rosatom, Ivan Dybov, a formulação de novas regras e planos para o médio prazo ajudará a solucionar uma série de problemas sobre a implantação de projetos nucleares. (Foto: Divulgação) |
Investimentos
Pelos cálculos da Abdan, para se chegar ao volume estimado no PNE serão necessárias cerca de oito usinas, o que demandaria um investimento médio de US$ 50 bilhões, ou seja, cerca de R$ 10 bilhões por ano, o que pressupõe a necessidade de participação da iniciativa privada. No entanto, as usinas de geração nucleares do Brasil é monopólio da união. Segundo Gomes, “existem outras iniciativas em andamento, em termos de emenda constitucional, mas no momento não há nada muito concreto”. Para isso, Cunha destaca a necessidade de decidir o modelo econômico a ser adotado. “Se for manter o formato em que o Estado é o sócio majoritário, tem que fechar essa cota econômica”, explica ele, destacando o apetite da iniciativa privada.
O posicionamento da Rosatom corrobora com Cunha. “Como uma corporação internacional com negócios diversificados, estamos prontos para compartilhar produtos e tecnologias para contribuir para o desenvolvimento do setor energético do País. Atualmente, várias opções para implementar esses planos estão sendo estudadas, inclusive introdução de alterações na legislação e possível liberalização do setor e envolvimento de empresas independentes, nacionais ou não, na realização de uma série de projetos. Mediante a formulação de novas regras do jogo e planos para o médio prazo, o Brasil poderia solucionar uma série de questões e acelerar o desenvolvimento do setor”, observa Dyboy.
A Framatone é outro exemplo. A empresa é fornecedora da tecnologia e engenharia para construção de usinas, com reatores em construção no Reino Unido e plantas em operação na China, França e Finlândia, além de fornecer tecnologia para Angra 2 e Angra 3, a partir do acordo nuclear entre Brasil e Alemanha firmado da década de 1970. “O próprio plano menciona que uma coisa que precisa ser feita em um tempo curto é a flexibilização do monopólio estatal para que isso permita investimentos externos. Todos os programas nucleares bem-sucedidos no mundo têm investimento privado, com participação forte do Estado”, observa Andre Luiz Salgado, diretor da Framatome para América do Sul.
Paralelamente, os custos, assim como o tempo de construção, devem ser otimizados na medida em que se consegue gerar uma produção em escala. “O modelo de hoje é ter duas plantas iguais, com defasagem de 18 a 24 meses entre uma e outra, de tal forma que as decisões, fabricações dos equipamentos e todo o processo sejam feitos de forma sequenciada. No mundo, o processo vem sendo feito em duas ou quatro plantas”, destaca Salgado. “É um projeto de longo prazo de qualquer forma. O tempo de construção é de 5 a 6 anos no mundo. Mas é uma indústria ativa, com muitas usinas em construção nos Estados Unidos, Inglaterra, Europa Oriental, Ásia e China. Experiências internacionais que estão se acumulando”, acrescenta Gomes. Esse cenário também viabiliza o desenvolvimento do mercado como um todo.
Localização
Paralelamente à decisão sobre o modelo econômico a ser adotado, um passo fundamental é a definição dos locais. A Eletronuclear já fez um estudo em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) buscando identificar pontos tecnicamente adequados para esse tipo de usina. Foram mapeadas 40 grandes áreas, das quais oito foram pré-selecionadas. O próximo passo é definir efetivamente em quais locais serão implantadas as novas usinas. “Trata-se de uma decisão de Governo com base nos estudos de expansão do sistema. É um ponto que precisamos definir porque o processo de desenvolvimento, preparo e estudo dessas áreas é muito longo”, avalia Gomes. “A discussão está agora na execução. Precisamos realizar esse estudo de localidade para fechar logo isso e dar continuidade à discussão”, concorda Cunha.
Para o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros, o programa nuclear se mobiliza apenas dentro de um projeto grande. “O tema se dá em um contexto de política pública. Do ponto de vista do mercado, há fontes mais baratas e muito interessantes para o País, como as eólica e solar e o potencial enorme de pequenas centrais hidrelétricas (PCH) a explorar”.