"Nossa expansão se mantém 100% renovável, algo que a cada dia é mais valorizado", afirma Clarissa Sadock

Setor se movimenta para melhorar a diversidade da matriz de energia nacional por meio da inovação.

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Clarissa Sadock: expansão deve se manter 100% renovável. (Foto: Divulgação)

O consumo de energia elétrica no País teve uma diminuição considerável no segundo trimestre do ano. A retração ocorreu em parte pela queda da atividade econômica ocasionada pelo surto do novo coronavírus. Dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apontam que entre 21 de março e 8 de maio a redução do consumo foi de 11% no mercado regulado e 12% no livre.

Para o presidente do Conselho de Administração da CCEE, Rui Altieri, a redução do consumo trouxe uma série de impactos negativos para o setor, mas também abriu espaço para repensar qual tipo de geração contratar para abastecer a demanda quando a economia voltar a aquecer.

Ele defende que no atual cenário é possível pensar na troca de matrizes energéticas por outras mais eficientes e com menores custos. As usinas termoelétricas, por exemplo, que são acionadas em períodos de escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas, já estariam em xeque. Essa mudança beneficiaria o consumidor e tornaria o produto nacional mais competitivo.

“A modernização da matriz é um dos temas que temos discutido com muito interesse durante esses últimos meses. Entendemos que há uma janela de oportunidades a ser aproveitada pelo setor. Uma delas a substituição, nos leilões de energia futuros, de usinas termelétricas com operação cara, poluente e com baixa eficiência, por outras mais modernas, baratas e limpas. Fizemos estudos que mostram o benefício dessa troca para a redução dos preços do setor e os resultados são muito expressivos. Trabalhando corretamente esse assunto, podemos trazer mais eficiência para o setor elétrico como um todo”, explica.

Novo sistema

Altieri não está sozinho. A chamada transformação energética também está na pauta da Agência Internacional de Energia (AIE), que lançou recentemente um Plano de Recuperação Sustentável em que sugere ações a serem tomadas pelos governantes nos próximos três anos para revitalizar as economias e impulsionar a geração de empregos, ao mesmo tempo que torna os sistemas de energia mais limpos e eficientes. A AIE acredita que o programa pode gerar 9 milhões de empregos por ano e um crescimento de 1,1% nas economias mundiais até 2023 a um custo estimado de 0,7% do Produto Interno Bruto global.

“Os governos têm uma oportunidade única de reiniciar suas economias e trazer uma onda de novos postos de trabalho enquanto aceleram a mudança para um futuro de energia mais eficiente e limpa”, diz Fatih Birol, diretor executivo da AIE.

Neste cenário o Brasil leva vantagem. Isso porque o país tem uma das maiores matrizes energéticas do mundo de fontes renováveis. Atualmente são 83% frente à média mundial de 25%. A energia gerada por meio das hidrelétricas ainda segue na liderança (63,8%) devido ao baixo custo de instalação versus o potencial energético que proporciona. As gerações por usinas eólica (9,3%), biomassa e biogás (8,9%) e solar centralizada (1,4%) também vem crescendo.

Realidade

Nas últimas décadas o País atingiu um considerável número de municípios abastecidos com energia elétrica. É talvez dos serviços públicos o mais universalizado. Parte do aprendizado veio com o apagão de 2001 que mostrou a necessidade de manter uma matriz energética diversificada e a constante inovação no setor, antecipando-se às demandas futuras. “O maior desafio brasileiro hoje no setor de energia é diversificar ainda mais nossa matriz energética. Cada vez mais há estímulos para as energias renováveis, energias limpas e também à inovação em eficiência energética. Mais do que geração, podemos deixar de gastar energia e muitos projetos podem ser desenvolvidos nesse sentido”, explica o ad vogado Rodrigo Bertoccelli, sócio do Felsberg Advogados.

A questão da sustentabilidade toma cada vez mais a agenda econômica dos investidores. Sabendo disso, a AES Tietê vem apostando na geração de energia 100% renovável e já está colhendo bons resultados pela estratégia. No segundo trimestre de 2020, a empresa distribuiu R$ 132 milhões em dividendos, mantendo o payout acima de 100%, com retorno gerado de 8,9%.

“Fizemos uma aquisição importante de um ativo eólico no Rio Grande do Norte, crescendo nosso portfólio 100% renovável. Entregamos um resultado financeiro robusto com a contribuição do nosso time comercial e gestão ativa de controle de custos. Tivemos recorde de disponibilidade em Alto Sertão II e fomos reconhecidos como os melhores operadores solares”, diz Clarissa Sadock, CFO e diretora de Relações com Investidores da AES Tietê.

“Nossa expansão se mantém 100% renovável, algo que a cada dia é mais valorizado e exigido pelo mercado”, completa.

A EDP, uma das maiores empresas privadas do setor elétrico que há mais de 20 anos atua na transmissão, comercialização e serviços de energia, se comprometeu com a Organização das Nações Unidas a reduzir suas emissões de carbono e garantir que até 2030 toda a energia gerada pela companhia venha de fontes renováveis. “Liderar a transição energética significa assumir o protagonismo em busca de uma relação mais equilibrada com o planeta. Na retomada pós-Covid, é fundamental adotarmos uma agenda verde para contribuirmos para a resolução da emergência climática, preservando a sustentabilidade da vida na Terra”, finaliza Miguel Setas, presidente da EDP Brasil.

Beth Santos/Agência Brasil
Setor se movimenta para melhorar a diversidade da matriz de energia nacional por meio da inovação. (Foto: Agência Brasil)

Demanda

Com a retomada do crescimento econômico, a expectativa do Ministério de Minas e Energia é que para 2021 o aumento no consumo de energia elétrica seja de 4%, demandando novos investimentos em geração, transmissão e distribuição.

O secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia, Rodrigo Limp diz que são esperados investimentos da ordem de R$ 350 bilhões em empreendimentos de geração de energia e de R$ 100 bilhões para novas linhas de transmissão nos próximos dez anos. “Temos observado um fortalecimento do mercado livre de energia, o que tem demandando grandes investimentos, especialmente de empreendimentos de geração solar e eólica”, diz.

O setor elétrico brasileiro é um ambiente altamente atrativo para investimentos dada a sua regulação, mas o professor da Faculdade de Direito São Francisco, Gustavo Justino, alerta para o fato que após a pandemia será necessário o poder público se mobilizar para aprovar normas que estimulem investimentos no setor e garantam mais concorrência.

Ele elenca como essenciais neste quesito uma modernização que traga o aperfeiçoamento de marcos legais e regulatórios, mecanismos de formação de preços, racionalização de encargos e subsídios e inserção de novas tecnologias.

“O avanço do PLS 232/2016, que flexibiliza os limites de participação no mercado livre e que recentemente foi aprovado na Comissão de Infraestrutura do Senado, se convertido em lei, sinaliza uma mudança na legislação que pode atrair investimentos”, defende.

O PLS 232/16 é tido pelos especialistas como uma possibilidade de transformação radical no setor de energia elétrica no Brasil por permitir a chamada contratação livre pelos consumidores de baixa tensão. Na prática, isso significa que o consumidor passará a escolher de quem irá comprar a energia elétrica, tornando o mercado muito mais livre e competitivo.

“Atualmente, a migração só é permitida para quem tem carga mínima de 0,5 MW, quando a energia vem de fontes renováveis, ou de 2 MW, quando a geração é de qualquer usina. A perspectiva é que nos próximos anos, até consumidores residenciais, como já acontece em alguns países da Europa, poderão optar por essa alternativa”, explica Rui Altieri, presidente do Conselho de Administração da CCEE.

Para Rodrigo Bertoccelli, sócio do Felsberg Advogados, o mercado de energia elétrica tem muitas oportunidades no horizonte. “É um setor que tem uma grande potencialidade de ter um retorno alto. Cada vez mais a legislação tem aberto o mercado para a concorrência. Com certeza, grandes projetos de energia virão nos próximos anos”, diz.

Potencial

Para o presidente do Conselho de Administração da CCEE é o momento de manter o foco em temas estratégicos para o aprimoramento do setor de energia elétrica como o crescimento do ambiente de contratação livre (ACL), a formação de preços, a segurança do mercado, a modernização da matriz elétrica e a resolução dos problemas causados pelo risco hidrológico para a comercialização.

Este risco também foi apontado pela Accenture como uma ameaça ao setor elétrico, podendo provocar inclusive aumento de preços nos próximos anos. Na sexta edição do relatório Digitally Enabled Grid, 73% dos entrevistados afirmam que condições meteorológicas extremas representam um desafio significativo para as operações e para a segurança das redes e apenas 24% acreditam que seus negócios estão preparados para lidar com o impacto de eventos meteorológicos extremos.

"Trazer maior flexibilidade para o sistema, alcançada por meio de tecnologias digitais e emergentes, será um fator crítico para otimizar a resiliência das redes de forma rentável, eficaz e pontual. A gestão ativa da redundância de rede disponível, da geração distribuída e do armazenamento, por exemplo, pode ajudar a manter os níveis de fornecimento de energia sob condições adversas e acelerar o restabelecimento do serviço no caso de falhas na rede, diz Stephanie Jamison, diretora global e líder da área de Utilities da Accenture.