"Empresas estão aprendendo que diversidade caminha junto com performance", avalia Nina Silva
CEO do Movimento Black Money revela os próximos passos do projeto que já impactou centenas de empreendedores.
Executiva revela os próximos passos do Movimento Black Money. (Foto: Divulgação)
Executiva da área de tecnologia há mais de 20 anos, Nina Silva é especializada em gestão de projetos internacionais e em transformação digital. Empresária, escritora, mentora de negócios, palestrante e colunista da MIT Sloan Review e UOL Economia, Nina foi considerada pela Forbes, em 2019, uma das 20 Mulheres Mais Poderosas do Brasil e pela MIPAD (Most Influential People of African Descent) como uma das 100 afrodescendentes mais influentes do mundo abaixo de 40 anos.
CEO e uma das fundadoras do Movimento Black Money (MBM), hub de inovação criado em 2017 para inserção e autonomia da comunidade negra na era digital, Nina Silva atua diretamente no fomento do mindset de inovação com foco no ecossistema afroempreendedor, estimulando jovens negros para a criação de diferenciais competitivos no mercado.
Formada em administração, com passagens por multinacionais e, atualmente, gestora do próprio negócio, Nina acumula a experiência de liderar grandes equipes e domina como ninguém a arte de escutar e promover mudanças por meio do diálogo e da ação prática. Nesta conversa, a executiva detalha os resultados do trabalho desenvolvido pelo Movimento até aqui e quais são seus planos de expansão em uma sociedade em plena mutação — tanto no aspecto tecnológico como no social. Nina avalia que o MBM tem a oportunidade de avançar internacionalmente, tendo em vista que o racismo estrutural atinge pessoas em todo o mundo. “Não preciso pedir inclusão, bater na porta de alguém. Entendi que preciso construir meus próprios castelos”.
Revista LIDE: Qual foi a principal inspiração e insight para a criação do Movimento Black Money?
NINA SILVA: Por meio da desigualdade sócio-racial presente em nosso país, que menospreza a comunidade negra, percebemos um vazio em várias áreas. Isso ocorre não apenas na falta de valorização da vida dos negros, mas também politicamente e, acima de tudo, economicamente. Somos 54% da população, 51% dos proprietários de negócios e movimentamos R$ 1,7 trilhão no ano, mas não controlamos bancos, grandes mercados ou partidos políticos.
Assim, surgimos com o objetivo de ser mais do que um marketplace para negócios negros, mas sim uma ferramenta para gerar autonomia e prosperidade para nossa comunidade. Queremos auxiliá-los a utilizar seu poder econômico e populacional em seu próprio benefício.
De que maneira sua experiência pessoal e profissional tem ajudado o projeto?
Com minha experiência como executiva, percebo que as empresas estão cada vez mais aprendendo a lição que a diversidade caminha junto com performance. Times diversos conseguem pensar em soluções diversas e dialogar com um público amplo. Esse consumidor, muitas vezes, ficou fora do contexto de protagonismo de mercado anteriormente, então é um público que está ávido a ser ouvido, a ser atendido realmente da maneira que deve. Esse cliente quer se ver não só na publicidade. Neste sentido, desenvolvemos o Mercado Black Money, uma plataforma on-line que permite a conexão entre empreendedores e consumidores negros. Ao longo de nossa jornada, percebemos que há muitos brasileiros desejando combater o racismo por meio do apoio a negócios negros, mas não sabiam como encontrar esses afroempreendedores.
Quais atividades práticas, frentes de atuação e parcerias o Movimento desenvolve atualmente?
É importante destacar o Afreektech, braço educacional do Movimento Black Money. Em um país com desemprego em crescimento sobram vagas nas áreas de tecnologia. Segundo estudos, diversas empresas poderiam abrir centenas de novas vagas, meta que ficará longe de ser alcançada por falta de mão de obra qualificada.
Nosso principal objetivo com esse projeto é desenvolver novas habilidades e competências em empreendedoras e jovens negros por meio de cursos próprios e parcerias. Mantemos uma metodologia 100% voltada à transformação digital, sem perder a essência que toda tecnologia é feita por pessoas para pessoas.
Temos também o programa StartBlackUp, que são encontros de empreendedores e profissionais com o desejo de começar ou melhorar seus negócios, dentro de uma pauta identitária, com a finalidade de juntar talentos, formar network e incentivar conexões com investidores que auxiliem a ignição de novos empreendimentos.
Como um negócio social que visa a justiça econômica, quais as ações do movimento trabalham diretamente este ponto?
Em nossas atividades costumamos impactar profissionais desempregados, empreendedores que querem escalar e digitalizar seus negócios e pessoas que querem mudar de área para algo que tenha novas oportunidades no futuro. Por isso, oferecemos bolsas gratuitas, entre cursos próprios e de parceiros, como Be Academy, Gama Academy, Resultados Digitais, Digital House, Proseek e Rock Content. Já tivemos cerca de 1000 contemplados. Promovemos também grandes eventos e palestras com ingressos gratuitos – mais de 700 pessoas foram diretamente atendidas.
Nosso mailist e ações de impacto nas redes sociais fica responsável pela elaboração e envio de conteúdos de educação on-line, além de oportunidades que semanalmente impactam cerca de 80 mil pessoas por mês.
Já a conhecida Pretinha, nossa maquininha de débito e crédito, está disponível em oito cidades espalhadas no sul, sudeste e nordeste do país e continua em expansão. Oferecida pelo DBlackBank, fintech da qual também sou fundadora, a empresa foi criada para conectar consumidores a empreendedores negros por meio das facilidades de um meio de pagamento seguro.
A pandemia do novo coronavírus influenciou a criação de novas ações no Movimento?
Conduzimos uma campanha para auxiliar famílias lideradas por mães negras solos e empreendimentos negros com uma renda básica por três meses. Acreditamos que a forma mais rápida de sair da crise é concedendo fôlego aos mais afetados e mantendo negócios abertos para fomento de toda a economia. Na contramão das desigualdades raciais, já arrecadamos valores para apoiar cerca de 400 famílias, mas sabemos que podemos mais por termos uma rede intencional sensível a fazer o impacto socioeconômico que precisamos. Empresas como B3, Fundação Tide Setúbal e 3000 pessoas físicas já doaram.
Grandes empresas têm criado programas de estágio e trainee exclusivos para jovens negros. Por que a diversidade no mercado de trabalho é tão importante é deve ser valorizada?
Uma empresa com um programa de trainee intencional, ou seja, falando diretamente que o que ela quer é formar pessoas negras como líderes para auxiliar no processo decisório de agora em diante, mostra para o consumidor que ela te olha de igual para igual.
É importante também termos não só um quadro colaborativo diverso, mas também a intencionalidade na contratação de fornecedores. Os passos seguintes são de influência e impacto na sua própria cadeia produtiva. É possível dialogar com grandes fornecedores e apontar que para entrar em uma concorrência você precisa por exemplo ter um determinado percentual de mulheres no conselho administrativo, precisa ter um percentual mínimo de pessoas negras no seu comitê executivo ou na sua média gestão.
No entanto, mediante a isso, fazemos o nosso trabalho, que é dizer para pessoas negras comprarem e investirem nesses negócios que não conseguem escalar do jeito que deveriam.
Que tipo de conselho você daria para esta nova geração que tem encontrado um mercado mais aberto para a diversidade?
Não se iludam. Entendam onde há publicidade enganosa e onde realmente há possibilidades de crescimento, de desenvolvimento, onde realmente há respeito. Meu conselho é que prestem atenção quando estão interessados no seu talento, no seu potencial, nas suas competências, e onde você terá um caminho para plantar e colher. Em relação a vida profissional, sejam intraempreendedores, façam MVP (Minimum Viable Product) de suas próprias carreiras e negócios, testem, permitam-se errar e mudar rapidamente também, o que não quer dizer em abandonar projetos no meio. Procure entender novos caminhos que seu projeto pode trilhar, tenha resiliência e observe o que acontece ao redor para projetar o que é possível naquele espaço e como criar novas narrativas.
O Movimento Black Money tende a avançar em outros segmentos e lançar novas ferramentas e produtos?
Certamente. Já atuamos em diversas áreas como educação, comunicação, finanças, falamos de renda básica, direitos fundamentais, então já expandimos bastante ao longo do tempo. Porém, temos produtos novos a serem lançados, a pandemia freio muitos projetos, mas em breve lançaremos o cartão de crédito e em 2021 uma conta digital. Teremos muitas novidades de mercado, principalmente em relação a serviços financeiros dentro no universo das fintechs, então precisamos nos adaptar e inovar dentro dessa nova concepção de mundo.
É possível fazer um balanço dos resultados do MBM desde sua fundação?
Temos um número expressivo de pessoas que se alocaram no mercado de trabalho ao pivotar para a área de tecnologia. Alguns empreendimentos que não tinham nenhuma noção de como entrar na esfera digital mantêm hoje sua própria loja virtual, além de vender em nosso marketplace. Alunos da Afreektech fizeram negócios entre si e formaram cooperativas e associações, impactando a vida de outras pessoas. Mas nosso maior resultado é entender que apenas três anos depois de nossa criação todo mundo sabe o que é Black Money e estamos alguns passos à frente, falando sobre aplicabilidade, como a gente escala isso. Hoje eu sou diretora Brasil de algumas instituições internacionais e faço a conexão de brasileiros afrodescendentes com negros de todo o mundo. Temos a oportunidade de empreender e expandir serviços transnacionalmente, nos identificando como um só povo, entendendo que pessoas negras sofrem processos distintos de preconceito, mas muitas das vezes pelo mesmo racismo estrutural. Desta forma, podemos aplicar soluções similares ajustadas a cada realidade. Podemos e queremos expandir esse diálogo internacionalmente.