Economia brasileira dá sinais mistos, enquanto cenário externo amplia incertezas

Desaceleração da atividade interna contrasta com mercado de trabalho aquecido; conflitos no Oriente Médio, política fiscal expansionista e indefinição sobre juros nos EUA aumentam riscos para o Brasil.

Armando Castelar Silvia Matos FGV IBREArmando Castelar e Silvia Matos, do FGV IBRE, analisam o cenário econômico brasileiro. (Foto: Divulgação)

Há sinais ambíguos sobre o desempenho recente da economia brasileira. Por um lado, os dados iniciais do segundo trimestre indicam moderação da atividade. Mas, por outro lado, o mercado de trabalho nacional segue muito robusto.

A incerteza segue sendo a principal marca do cenário externo, fruto de um aparente realinhamento geopolítico dos EUA. Nesse contexto, a paz entre Rússia e Ucrânia parece mais distante do que antes, enquanto o risco de uma guerra comercial ainda segue no radar. Nos últimos dias, porém, o foco central tem sido a escalada militar no Oriente Médio, com Israel atacando o Irã de uma forma sem precedentes na região. O ataque está sendo direcionado não apenas às instalações nucleares e militares, como também à infraestrutura urbana e a diversas áreas civis na capital Teerã. O conflito pode gerar mudanças relevantes na região.

Até aqui, todavia, as instalações petrolíferas têm sido poupadas. Talvez por isso, e pela experiência pretérita de que, depois de caírem, os preços de ativos tendem a se recuperar com rapidez, o impacto sobre os mercados financeiros tem sido mais limitado do que se poderia esperar, dada a magnitude do conflito. O preço do barril do petróleo é um exemplo: a alta de cerca de 20%, apesar de significativa, ainda deixa o barril mais barato do que um ano antes.

Entre outros motivos para a reação limitada dos mercados podemos destacar ainda que o Irã tem tido dificuldade em reagir e que seus antigos aliados na região, como o Hamas

e Hezbollah, estão completamente enfraquecidos, o que pode encurtar a duração do conflito. Além disso, os estoques de petróleo estão em patamares elevados, devido ao aumento da produção dos países da OPEP+. Porém, ainda é muito prematuro considerar que o conflito não terá impactos econômicos relevantes no mundo, pois ainda poderá haver interrupção de fornecimento de petróleo e gás do Irã, como também há receios que a rota comercial da região do estreito de Ormuz, por onde passa boa parte do petróleo exportado, sofra restrições.

Além dos conflitos bélicos, a falta de avanços mais claros na agenda de acordos comerciais americanos é outra fonte de incerteza. As negociações dos EUA com inúmeros parceiros comerciais ainda estão em andamento. Após a trégua temporária entre os EUA e a China, não há informações de que o país tenha fechado novos acordos. Os próprios detalhes do acordo sino-americano são pouco conhecidos, afora se saber que as tarifas seguiram bem acima do que eram um ano atrás. Com isso, o risco de tarifas ainda muito elevadas segue no radar, com efeitos negativos sobre o crescimento mundial.

Essa incerteza também complica a vida dos bancos centrais. É o caso, em especial, do Fed, cuja estratégia de “wait and see” também tem sido corroborada pelos dados de atividade e de inflação nos EUA. Com isso, não é claro que este ano venha a haver redução na taxa de juros americana, com uma decisão nesse sentido no mínimo devendo esperar que haja mais clareza sobre os efeitos das tarifas sobre a atividade e a inflação, e dependendo de qual o seu valor, claro.

Ainda é pouco claro, também, como essa incerteza irá impactar o Brasil, onde ainda não se têm identificado efeitos relevantes tanto sobre a inflação quanto sobre a atividade. A primeira, em especial, tem surpreendido ligeiramente para baixo. Os dados de atividade de econômica, por sua vez, têm confirmado uma desaceleração moderada, em linha com nossas projeções, ainda que tenhamos revisado,

ligeiramente, o crescimento esperado do segundo trimestre, devido ao excelente resultado da indústria extrativa e a uma desaceleração menos intensa do que o previsto dos serviços. Assim, a alta TsT passou de 0,3% para 0,4%, enquanto aquela AsA foi de 2,2% para 2,3%. Para a ano fechado, a projeção de crescimento do PIB passou de 1,9% para 2,0%.

Assim, é importante destacar que há sinais ambíguos sobre o desempenho recente da economia. Por um lado, os dados iniciais do segundo trimestre indicam moderação da atividade. Mas, por outro, o mercado de trabalho segue muito robusto. A taxa de desemprego atingiu 6,6% nos dados do trimestre móvel findo em abril, abaixo de nossa projeção de 6,7%. Em termos dessazonalizados, o percentual recuou de 6,5% para 6,3% e a expectativa para maio é de uma taxa ainda menor, de 6,1%, em termos dessazonalizados. Os dados do Caged também mostraram resultados mais fortes que os projetados para o mês de abril e a expectativa para maio é de um resultado ainda bem positivo.

Nesse contexto, o Copom decidiu por unanimidade elevar a taxa Selic em 0,25 p.p., sinalizando que deve interromper o ciclo de aperto monetário. O comunicado deixou claro que a taxa deve permanecer nesse patamar por um período prolongado. Mesmo com certo alívio na inflação deste ano, devido, em grande medida, ao expressivo enfraquecimento do dólar, a inflação projetada de 2026, que está no horizonte relevante da política monetária, continua em torno de 4,5%, bem acima da meta, com o mesmo se observando para horizontes mais longos como 2026 e 2027. Além das expectativas desancoradas, dos dados ainda resilientes de atividade e do mercado de trabalho, a política fiscal continua estimulativa. Na ata do Copom referente à reunião de maio, a autoridade monetária afirmou que a percepção dos agentes econômicos sobre o regime fiscal e a sustentabilidade da dívida pública do Brasil tem efeitos

deletérios sobre os preços dos ativos financeiros e as expectativas de inflação.

De fato, esse segue sendo o nosso grande conflito doméstico: política fiscal vs. política monetária. A ausência de reformas estruturais nos gastos, o aumento de concessão de crédito subsidiado, bem como a incerteza sobre a estabilização da dívida pública geram um conflito com os objetivos da autoridade monetária. Os cálculos sinalizam que seriam necessários superávits primários de, pelo menos, 2% do PIB para estabilizar a dívida pública. E, para o ano que vem, um ano eleitoral, há o risco de novas manobras para burlar as regras fiscais, além de medidas já anunciadas para estimular o consumo, como o crédito consignado privado e o projeto de lei que aumenta o limite de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês.

Ou seja, não devemos observar um recuo mais expressivo da inflação medida pelos núcleos. E, consequentemente, os juros reais devem permanecer em patamar muito elevado por um período prolongado. Enquanto isso, a dívida pública seguirá crescendo em ritmo acelerado, sem que haja planos para mudar essa trajetória. Também no front doméstico, portanto, não falta incerteza.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.