Claudio Conceição, FGV: 'A reforma aprovada pelo Senado não é o que de melhor se poderia esperar, mas não deixa de ser uma vitória'
Embora com ainda largas diferenças, ficamos um pouco mais parecidos com o que se pratica mundo afora. Segundo o Banco Mundial, o Brasil tem o sétimo pior sistema tributário do mundo.
Claudio Conceição, superintendente de Relações Institucionais com a Mídia e de Publicações do FGV IBRE. (Foto: Reprodução Linkedin/Claudio Conceição)
Implantado em 1967 pelo governo militar, nos últimos 40 anos se tentou, quando o processo democrático voltou ao País, modificar o sistema tributário brasileiro. Até ontem (08/11), isso não havia sido possível. Em votação histórica, o Senado aprovou por 53 votos a 24 a reforma, que volta à Câmara dos Deputados, já que houve novas alterações no texto, bastante modificado em sua proposta original.
Apesar das inúmeras críticas ao texto que está sendo debatido – o ministro Fernando Haddad acredita que a reforma será aprovada ainda este ano –, não há dúvida de que é um enorme avanço sobre o caótico e voraz sistema tributário brasileiro em vigência.
Hoje, o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, equivalente a quase 34% do PIB em 2022. A fome do Estado aumentou no transcorrer dos anos e soma hoje mais de 90 tipos de tributos. Essa estrutura tributária brasileira é tão confusa que dificilmente sabemos com precisão quanto se paga de imposto em cada produto.
Além disso, a atual carga tributária, mesmo elevada, não transfere ao cidadão os benefícios esperados. Pagamos impostos demais, por serviços que não chegam ou são de má qualidade. Temos impostos dos países nórdicos e serviços de países subdesenvolvidos.
A reforma que foi aprovada pelo Senado não é o que de melhor se poderia esperar, mas dado os enormes interesses difusos, a força de grupos políticos em uma democracia tão fragmentada como a nossa, não deixa de ser uma vitória. Embora com ainda largas diferenças, ficamos um pouco mais parecidos com o que se pratica mundo afora. Segundo o Banco Mundial, o Brasil tem o sétimo pior sistema tributário do mundo.
É importante ressaltar que a aprovação, que ainda depende da avaliação da Câmara dos Deputados, percorreu um longo caminho que pavimentou o amadurecimento (e convencimento), da necessidade de se reformular nosso sistema tributário. Nisso, destaca-se o incansável trabalho de Bernard Appy, que conduziu os principais pontos dessa reforma, junto com uma equipe de economistas e pesquisadores.
Esse processo de amadurecimento também ocorreu com a reforma da Previdência, depois de anos de tentativas infrutíferas. E, mais recentemente, com a questão fiscal.
Além de dar maior transparência para o consumidor de quanto irá desembolsar com imposto com a criação do Imposto de Valor Agregado (IVA) – ainda não se sabe, ao certo, de quanto será esse imposto com as modificações impostas ao projeto original, mas há cálculos de que pode chegar a 30% –, o Banco Mundial estima que as mudanças que serão implementadas pelo novo sistema tributário brasileiro – que terá um longo prazo para ser completamente implementado – irão reduzir o peso dos impostos para 90% dos brasileiros.
Já o Movimento Pra Ser Justo, ao analisar a implantação do cashback – que devolve tributos para a baixa renda –, pode ajudar a reduzir a desigualdade. Segundo o levantamento, 84% das famílias brasileiras serão beneficiadas pela redução de preços gerada pelo novo sistema e 89% terão aumento de consumo.
Com a reforma, serão unificados cinco tributos que incidem sobre o consumo. O IVA será repartido em dois novos impostos: o federal será a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unificando o PIS, Confins e IPI. E o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) vai unificar o ICMS, estadual, e o ISS, municipal.
As críticas ao que foi aprovado foram as ampliações de concessões a vários setores que acabaram entrando entre os beneficiados devido às pressões políticas. E há uma corrente de economistas que são contrários à criação do IVA da forma como foi costurado pela equipe do Appy, já que terá uma alíquota elevada e não leva em consideração as mudanças que o mundo está enfrentando, com o acelerado avanço de novas tecnologias.
Como aumentaram as exceções, pelo projeto de lei original o governo estimava um IVA de até 25%, alguém vai ter que pagar por essas exceções. É o eterno jogo do capitalismo: se um paga menos, o outro terá que compensar.
Aprovada a reforma, ainda há um longo caminho a ser percorrido, como a complexa regulação em lei dos critérios de taxação. E os lobbies que continuarão pressionando para abertura de novas exceções, pela concessão de incentivos e subsídios, entranhados em nossa tradição econômica.
Apesar das enormes dificuldades, e o que ainda poderá vir pela frente, a aprovação pelo Senado da reforma tributária pode trazer ao País avanços significativos para aumentar sua competividade e produtividade.