Microbiotec e Petrobras testam tecnologia com vírus naturais para substituir químicos contra corrosão offshore
Solução usa fagos para controlar bactérias em estruturas marítimas, promete reduzir frequência de aplicação, cortar custos e minimizar impactos ambientais.
Microbiotec, em parceria com a Petrobras, desenvolvem solução com vírus para conter a chamada corrosão microbiológica. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Uma nova tecnologia brasileira pode revolucionar a forma como a indústria de óleo e gás combate um de seus maiores desafios: a corrosão em plataformas marítimas. A startup de biotecnologia Microbiotec, em parceria com a Petrobras, iniciou a produção dos primeiros lotes de um produto biológico baseado em fagos — vírus naturais que atacam bactérias para conter a chamada corrosão microbiológica, comum em ambientes offshore.
Tradicionalmente, esse tipo de corrosão é combatido com produtos químicos agressivos, os chamados biocidas. Mas os fagos prometem fazer o mesmo trabalho de forma mais eficiente, com menos aplicações, menor risco ambiental e redução de custos operacionais, uma vez que alcança níveis superiores de eficiência com uma necessidade quase que duas vezes menor de aplicações. A expectativa é que o uso da tecnologia represente também um avanço na agenda ESG da estatal, ao substituir insumos químicos por uma alternativa biológica e sustentável.
O diretor de operações da Microbiotec, Sérgio Curiama, explica que os equipamentos instalados no mar sofrem um processo de corrosão ligado a micro-organismos. São consórcios de bactérias que se instalam em estruturas como plataformas, dutos, tanques, separadores de óleo e água e em tudo o que está em contato com a água do mar. Estes seres produzem H2S, o ácido sulfídrico, que corrói a estrutura e produz um gás altamente explosivo e tóxico. Por causaa empresa liderada por Luiz Alfredo Barros Wanderley disso, a Petrobras e as demais organizações que possuem este tipo de instalações são obrigadas a gastar bilhões de reais todos os anos para fazer o controle desses micro-organismos por meio de biocidas químicos, que por sua vez, também resultam em um grande impacto ambiental.
“O regime de uso do biocida atual da Petrobras exige a aplicação de uma a duas vezes por semana do produto para alcançar a efetividade desejada. A validação do nosso fago pretende comprovar que é possível trabalhar com apenas duas aplicações por mês. Então isso trará um ponto de economia altamente significativo”, afirma.
Os estudos conduzidos até agora sugerem que a frequência de aplicação de um coquetel de fagos seja bem mais espaçada que a dos biocidas, isso porque os fagos tendem a persistir por mais tempo. Sendo assim, espera-se que uma das principais etapas de validação em campo seja demonstrar que uma menor frequência de aplicação dos fagos, consiga controlar adequadamente a atividade microbiana. Isso poderá refletir em uma economia operacional significativa nas operações offshore”, afirma.
A projeção da Microbiotec é de que a demanda por este tipo de fago vai crescer de forma exponencial a partir do surgimento dos primeiros resultados práticos. “Obviamente, os testes em campo é que vão dar a dimensão da demanda de mercado, mas nosso planejamento estratégico trabalha com a possibilidade real de termos que fazer investimentos robustos nos próximos cinco anos na expansão da planta atual para atender aos pedidos que receberemos”, afirma.
O gerente de Tecnologias para Materiais e Corrosão, Agildo Moreira, do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (CENPES), explica que “a substituição gradual dos produtos químicos biocidas pelos ‘fagos’ é uma iniciativa que está alinhada ao planejamento estratégico da empresa, que prevê a busca constante pela inovação e a eficiência em soluções que respeitem e contribuam cada vez mais para a proteção ao trabalhador e ao meio ambiente”.
A Petrobras trabalhou nas etapas iniciais do projeto de pesquisa aplicada com os bacteriófagos em parceria com a Universidade Federal de Viçosa e agora, junto com a Microbiotec, dará início à produção de lotes piloto de milhares de litros. Todo este desenvolvimento contou com financiamento robusto por parte da Petrobras e o avanço da iniciativa pretende comprovar, na prática, os resultados inovadores encontrados nos testes laboratoriais.
Planta projetada para internacionalização do produto
A Microbiotec é uma spin-off da Universidade Federal de Viçosa (UFV) que em 2022 captou R$6 milhões em investimentos da Investbraz, empresa que atua como agente autônomo de investimentos vinculada à corretora Terra Investimentos. Atualmente, a startup é controlada majoritariamente pela Pensabio, do grupo Pensalab.
Os projetos desenvolvidos pela companhia contam com o apoio da Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que suporta os estudos através de uma unidade credenciada que é o Instituto Senai de Inovação em Química Verde, que, por sua vez opera no ambiente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN).
A empresa inaugurou em março sua planta industrial também na cidade de Viçosa (MG) com um investimento de aproximadamente R$10 milhões. O local possui uma área construída de 300 m² com quatro laboratórios de microbiologia, um laboratório de biologia molecular e uma área de produção piloto com dois biorreatores de 2 mil litros e um de 200 litros que proporcionam a capacidade de trabalhar com bioprocessos em escalonamento de até 2 mil litros.
Curiama explica que apesar de ainda ser difícil ter uma avaliação precisa sobre o tamanho do mercado para este tipo de produto e o volume da receita que ele proporcionará, a empresa estima uma receita potencial de fornecimento de pelo menos algo em torno de R$ 100 milhões por ano, no mínimo, como faturamento bruto quando o fago estiver bem escalonado e bem aceito no mercado.
“Esse volume pode aumentar muito, não só porque atende às necessidades de uma gigante que é responsável pela extração de 85% do petróleo no Brasil, mas também porque é um produto que pode ser trabalhado para atender as condições de outros países com poucas adaptações. Então, faz parte do planos a estratégia de internacionalizar o produto”, diz.
Para o coordenador de pesquisa e desenvolvimento e inovação do Instituto Firjan SENAI de inovação (ISI), Antônio Fidalgo, a chegada da etapa de aplicação prática do fago desenvolvido pela Microbiotec representa um marco para o ecossistema de pesquisa ligado à biotecnologia no país. “O projeto demonstra a capacidade dos cientistas e pesquisadores nacionais de encontrar soluções ambientalmente responsáveis, eficazes e econômicas para resolver problemas reais em larga escala. Estamos empolgados para comprovar os benefícios trazidos pelo produto e, a partir daí, trabalharmos juntos em sua expansão para várias outras aplicações”, conclui.