“Sintomas do Burnout podem mudar de acordo com profissão, país e cultura”, afirma Anne Hellen Petersen
Anne Hellen Petersen, jornalista e autora do livro “Não Aguento Mais Não Aguentar Mais”, comenta o fenômeno que está adoecendo uma geração inteira.
Anne Hellen Petersen, jornalista e autora do livro “Não Aguento Mais Não Aguentar Mais”. (Foto: Reprodução)
A partir de janeiro de 2022, a síndrome de Burnout — ou Síndrome do Esgotamento Profissional — passa a ser considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença do trabalho. Dessa forma, o diagnóstico pode dar direito ao afastamento e a quantidade de pessoas possivelmente beneficiadas chama a atenção.
De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria McKinsey com 65 mil funcionários de 432 empresas norte-americanas, 49% dos entrevistados afirmaram ter sintomas de Burnout. Além da exaustão física e emocional, outros sinais comuns são ansiedade, sentimento de não realização profissional, isolamento e indiferença aos assuntos relacionados ao trabalho.
“É um quadro que se parece muito com a depressão. A grande diferença é que, no Burnout, os sintomas estão relacionados ao trabalho. Mas, quando a doença vai se agravando, a pessoa perde a energia e disposição também para outras atividades do dia a dia, incluindo as prazerosas”, explica Pedro Pan, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Embora o assunto esteja na pauta da Medicina, foi uma jornalista norte-americana quem se aprofundou no estudo das causas da doença. “Não aguento mais não aguentar mais”, escrito por Anne Helen Petersen e lançado no Brasil pela editora Harper Collins Brasil, traz uma análise sobre o impacto das mudanças, que ela chama de deterioração, nas relações de trabalho na geração dos millennials (pessoas nascidas entre 1981 e 1995), que seria a mais afetada.
“Fomos criados para acreditar que, se nos esforçássemos o suficiente, poderíamos ganhar no sistema – do capitalismo e da meritocracia americana – ou pelo menos viver confortavelmente dentro dele”, diz trecho do livro. “Mas isso não aconteceu”, continua. Em entrevista à Agência Einstein, a autora compartilha a percepção sobre a doença que afetou a vida profissional e pessoal, e a motivou a publicar o livro no meio da pandemia da covid-19. Confira!
Em seu livro, você lista alguns dos sintomas que fizeram com que percebesse seu esgotamento profissional e que a levaram ao diagnóstico do Burnout. Esse fenômeno de exaustão parece ser uma realidade global. Na sua opinião, os sintomas ou causas podem mudar de acordo com o país, profissão e a cultura?
Eu definitivamente acho que eles mudam de profissão para profissão, de grupo de idade para grupo de idade e de país para país. Falando com jornalistas brasileiros, jornalistas espanhóis, jornalistas coreanos – além de ver as reações dos leitores do livro, na tradução, em todos esses lugares – eu sei que algumas das principais causas mudam, como, digamos, a dívida estudantil maciça, que não é quase o mesmo problema fora dos Estados Unidos. Mas a causa principal, o nosso vício em capitalismo de crescimento rápido, permanece a mesma.
Em um país como o Brasil, onde a dependência dos serviços públicos de saúde é uma realidade para mais de 80% da população, qual o caminho a seguir? O que as pessoas precisam saber sobre o burnout e o que devem fazer para tratá-lo?
Embora o esgotamento muitas vezes se cruze com a depressão e outros problemas de saúde mental que realmente se beneficiam do aconselhamento e da medicação, grande parte do esgotamento também está meramente relacionado às nossas relações pessoais com o trabalho. O aconselhamento pode ajudá-lo a desaprender uma ideologia (como o vício em trabalhar), mas você também pode participar desse processo de desaprendizagem lendo, ouvindo podcasts, conversando com amigos, colegas e familiares sobre um caminho diferente a seguir.
A frustração dos profissionais com a descoberta de que a meritocracia não existe é apontada por você como uma causa importante para a doença. Mas, muitas empresas ainda usam esse discurso para engajar seus funcionários, criar métricas de desempenho e bônus, e ainda há muitas pessoas que acreditam nisso. Como mudar essa realidade?
Acho que às vezes os chefes pensam que as métricas são uma forma de ser "justo", quando na realidade eles estão recompensando um certo tipo de trabalhador que pode trabalhar de certa maneira – que pode trabalhar o tempo todo, sem interrupção, que ignora os sinais de seu corpo de que precisa descansar, que não tem responsabilidades de cuidar e não tem vida fora do escritório. Isso não é uma medida de habilidade, mas da capacidade de permitir que o trabalho inclua toda a sua vida.
A rotina de alguém que trabalha em um escritório é diferente de alguém que trabalha em uma indústria ou no campo. Os sinais de esgotamento são os mesmos? Quais são os primeiros sinais a identificar?
O [sintoma de] desligamento tem muitas formas, e a desmoralização com o trabalho também, ou aquela sensação de que você não tem as ferramentas reais para fazer bem o seu trabalho. Isso é particularmente comum com professores, assistentes de saúde, assistentes sociais e outros profissionais que atuam em áreas nas quais deveriam se sentir “chamados” para o trabalho, o que significa que mesmo quando estão exaustos, eles devem trabalhar até a exaustão porque "a causa maior" é importante. Isso é certamente admirável, mas também insustentável e uma forma de esgotar uma força de trabalho de pessoas que realmente querem tornar o mundo melhor. Quanto aos primeiros sinais de identificação do esgotamento: quando tudo parece algo que você é obrigado a fazer, mesmo as coisas que você normalmente gostaria de fazer (como ficar com os amigos), essa, para mim, é a maior bandeira vermelha.
Em seu livro, você recomenda pedir ajuda, o que pode ser entendido como assumir um "fracasso". Este é um dos principais problemas desta doença e, também, de identificação tardia?
Acho que muitas pessoas inclinadas ao esgotamento também são pessoas que tentaram por muito tempo ter sucesso de alguma forma. Elas são empreendedoras, e é muito difícil para as pessoas que estão acostumadas apenas a trabalhar com a dor, o sofrimento e os contratempos pedir ajuda. Mas, em algum momento, você simplesmente não consegue continuar trabalhando durante suas lutas. É absolutamente por isso que muitas vezes é difícil para tantos admitir que algo está errado. E isso certamente foi um problema para mim!
Se a geração millennials está sofrendo com o Burnout, como você imagina que essa questão será tratada pela geração seguinte? Será mais preocupante?
Alguns membros da Geração Z me deixam realmente esperançosa sobre uma atitude diferente em relação ao trabalho. Em parte, eu acho, porque eles entendem que o planeta está morrendo, que deve haver outras prioridades além do trabalho e alguma noção vaga de “sucesso”. Mas alguns membros da Geração Z pensam que a geração atual é muito sensível e reclama muito, e temo que essas pessoas estejam destinadas a se encontrar no mesmo lugar que os millennials em alguns anos!
(Fonte: Agência Einstein)