Fórum Econômico Mundial acende alerta vermelho contra os alimentos ultraprocessados
Ricardo Abramovay afirma que a prioridade hoje está na diversificação dos produtos agrícolas, mas que os interesses consolidados dificultam essa mudança.
Estudo do fórum defende a transformação profunda na qualidade da alimentação. (Foto: Unsplash)
O Fórum Econômico Mundial (FEM) de 2024 ocorre em Davos, na Suíça, e diferentes líderes políticos e empresariais discutem as questões mais importantes da atualidade. Nesta semana, durante a reunião, um estudo do fórum defende a transformação profunda na qualidade da alimentação, visando especialmente aos alimentos ultraprocessados, e alerta para o descompromisso das gigantes do setor agropecuário com as promessas de práticas regenerativas.
O professor Ricardo Abramovay, titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), desenvolve sobre mudanças no sistema agropecuário atual que promovam mudanças significativas na alimentação da sociedade, por meio da diminuição dos ultraprocessados e outros feitos.
Debate no Fórum
Abramovay destaca a importância do FEM em ligar o sinal vermelho para esse tema, o qual, até 10 anos atrás, era objeto de um gradualismo, quase sem repercussão nas práticas cotidianas. Ele expõe que isso ocorria devido à revolução verde, ocorrida a partir dos anos de 1960, que tinha o objetivo de combater a fome que assolava mais da metade da população mundial e se traduziu na concentração da produção — 75% das calorias consumidas globalmente estão divididas em seis tipos de alimentos: arroz, trigo, milho, soja, batata e cana de açúcar.
O docente afirma que esse cenário acabou: “Esse método funcionou durante 30 anos, só que a crise climática se materializou em eventos extremos cada vez mais recorrentes, como a seca na Argentina, no cerrado até o Sul do Brasil ou nas grandes planícies europeias. Isso está mostrando a inviabilidade daquilo que foi o método pelo qual a humanidade conseguiu combater a fome, temos que encontrar outro método”.
Consequência para a saúde
De acordo com o especialista, o Brasil é pioneiro na pesquisa científica na área de nutrição, com destaque para os professores da Faculdade de Saúde Pública da USP, e tem seu trabalho reconhecido internacionalmente como revolucionário. “Até então, todo o raciocínio se concentrava nos nutrientes da alimentação, o que essa equipe da FSP fez nos últimos 20 anos foi mostrar que, mais importante do que o conteúdo de nutrientes e micronutrientes, é a maneira como o alimento é transformado”, discorre.
Ele explica que existem quatro tipos de alimentos: naturais, minimamente processados, industrializados e, por último, os ultraprocessados — um conjunto que mal pode ser chamado de alimento, visto que são totalmente arranjados artificialmente pela indústria para ter sabor, textura, aroma, cor e aparência. Por exemplo, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, 60% das calorias consumidas pelos indivíduos correspondem a esse tipo de produto.
No entanto, o professor ressalta que isso não é especificidade das nações mais ricas, destacando que 62% da população que sofre de obesidade no mundo estão nos países em desenvolvimento. Isso ocorre por conta do alto custo para manutenção de uma dieta saudável, que obriga 42% das pessoas no mundo a recorrerem a esses produtos com deficiência nutricional, diante dos quais o corpo humano não está preparado evolutivamente para ingerir.
Frente a esse cenário, mais de dois bilhões de indivíduos estão em situação de obesidade, ou sobrepeso, em conjunto a carências nutricionais em ferro, zinco e outros. Além disso, o Fórum Econômico Mundial aponta que esses alimentos ultraprocessados estão na origem das doenças que mais matam no globo, inclusive mais do que a fome, como as cardiovasculares e diferentes tipos de câncer: “A conclusão do FEM é que precisamos urgentemente diversificar o sistema agroalimentar, não só a alimentação, tem que diversificar o conjunto do sistema, inclusive no que se refere à oferta de produtos animais”, elucida o docente.
Mudanças no sistema
O Brasil, regente do G20 desde dezembro de 2023, por meio do seu presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enfatizou a luta contra pobreza e desigualdade, clima e governança global. Nesse sentido, o sistema agroalimentar é responsável por um terço das emissões de gases do efeito estufa, assim sendo, sua transformação é premissa para o avanço contra as desigualdades e a fome no mundo, afirma o especialista.
Abramovay comenta que o número de famintos no planeta aumentou em torno de 150 milhões de indivíduos, portanto, a conferência do G20 marcada para setembro deste ano no Brasil, deve focar nessa temática. Por fim, ele destaca uma reunião que acontecerá em fevereiro, entre os ministros das finanças dos países do G20:
“A USP, por meio de várias unidades, vai ter participação diversa no encontro e, em particular, vamos insistir nesse tema da urgência de superar a monotonia do sistema agroalimentar global, como uma premissa para que a gente possa avançar na luta contra a fome e as desigualdades, pelo bem-estar animal e pelo desenvolvimento sustentável”.