Custo da dieta saudável na América Latina supera média global
Especialista analisa o cenário e defende a isenção de impostos sobre os itens saudáveis que fazem parte da dieta brasileira.
Alta oferta de ultraprocessados no Brasil dificulta o acesso a uma alimentação saudável. (Foto: Freepik)
Segundo o Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutrição para a América Latina e o Caribe – 2024, a região apresenta um custo elevado para dietas saudáveis, que chega a US$ 4,56 por pessoa a cada dia, enquanto a média global é de US$ 3,96. O relatório, desenvolvido por diversos órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), também mostra que cerca de 182,9 milhões de pessoas não têm acesso a esses alimentos.
Em relação ao Brasil, o panorama demonstra que aproximadamente 25% da população brasileira não consegue ter acesso a uma alimentação rica em nutrientes e variada. Camila Aparecida Borges, professora no Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, comenta que a facilidade de consumir alimentos ultraprocessados — aqueles que passam por modificações e aditivos, com pouco ou nenhum valor nutricional — e o custo são fatores que contribuem para esse cenário.
“Quase todos os locais vendem uma quantidade muito grande de alimentos ultraprocessados, que têm ali a sua promessa de serem rápidos de preparar, fáceis, mais cômodos, mas que são mais graves, têm suprimentos químicos, corantes, conservantes, que o próprio ambiente acaba fazendo com que as pessoas não tenham escolhas. Então, às vezes, a disponibilidade desses alimentos é muito superior à disponibilidade de alimentos saudáveis e frescos.”
Ela destaca que, nas zonas periféricas, a obtenção dessa dieta é mais difícil. No artigo Urban Food Sources and the Challenges of Food Availability According to the Brazilian Dietary Guidelines Recommendations (2018), que analisa o cenário alimentar da cidade de Jundiaí, as áreas que mais ingerem ultraprocessados são aquelas em que pessoas de baixa ou média renda viviam. Camila, que fez parte da equipe pesquisadora, explica que esse fenômeno também tem relação com a cor da pele: “Tem essa grande questão nos bairros mais vulneráveis, com maior proporção de famílias de indivíduos negros. Tem muita desigualdade social”.
O que provoca os altos custos?
As mudanças climáticas têm relação com o aumento do preço dos alimentos e reflete a falta de acompanhamento do campo em relação à demanda da população, de acordo com a Carta do Ibre — texto de análise econômica da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Com a instabilidade de temperaturas e períodos irregulares de chuva e estiagem, as culturas de commodities — mercadorias em estado bruto ou com pouca industrialização, voltadas ao mercado externo — e outras produções não alcançam o esperado, o que provoca escassez, ou seja, pouca oferta para muitos compradores.
“A gente se baseia muito nas commodities e dá vazão colocando esses ingredientes nos alimentos ultraprocessados. Eles têm fragmentos disso, adição de gordura, água e outros aditivos”, declara Camila. Para a professora, é necessário repensar o modelo do sistema agroalimentar e priorizar a segurança, a sustentabilidade e as bases agroecológicas já existentes. “Por isso que a gente tem esses alimentos ultraprocessados mais baratos, mais acessíveis, porque é a forma que a gente vê a produção de alimentos hoje no tempo, pensada nessas grandes commodities.”
A especialista defende a isenção de impostos sobre os itens saudáveis que fazem parte da dieta brasileira. “A gente tem uma grande parcela da população que ainda consome alimentos do hábito alimentar brasileiro. Tem ali o arroz, o feijão, uma fonte de proteína que pode ser animal ou vegetal, tem as verduras, tem a verdura crua, tem a verdura cozida”. No início de março, o governo federal anunciou seis medidas que visam à diminuição do valor da comida. Dentre as medidas, as alíquotas — porcentual usado no cálculo dos impostos — serão anuladas para a carne, milho, biscoitos, massas, farinhas e azeite de oliva, por exemplo. Também está em discussão com os governadores a mesma iniciativa, com os alimentos que compõem a cesta básica.
O aumento do dólar, vindo desde o período eleitoral dos Estados Unidos em 2024, e as mudanças na política comercial americana em relação à China contribuem para o aumento dos preços. Com isso, o setor agropecuário tende a voltar as produções para a exportação, o que aumenta o preço do que roda em solo brasileiro.
Como aumentar o acesso à alimentação saudável?
Camila apoia as políticas regulatórias que os países da América Latina adotam: “A região avançou muito na proposição dessas políticas voltadas ao ambiente alimentar, como a rotulagem frontal nas embalagens. Tem diversos países que já implementaram: México, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Venezuela, que já têm o seu próprio formato, diferente do Brasil, às vezes, no formato do selo frontal”.
Desde 2022, o selo com a lupa indica que há a presença de altas quantidades de sódio, açúcar adicionado e gordura saturada [Imagem: Reprodução/Instituto de Defesa de Consumidores]
O Guia Alimentar para a População Brasileira fornece, de forma prática, recomendações atuais e orientações para a sociedade em geral e serve de base para profissionais da área e na decisão de políticas públicas. O decreto 11.936/2024, que estabelece a nova cesta básica, livre de ultraprocessados, tem embasamento no guia, por exemplo.
Camila também destaca o apoio à regionalidade na alimentação: “A gente tem ainda a manutenção dos hábitos em algumas regiões, o consumo do açaí, por exemplo, no Pará, junto com o peixe e a farinha. Garante também o respeito aos povos tradicionais brasileiros”. Populações muito isoladas e com dificuldade de abastecimento acabam tendo contato com itens alimentares que muitas vezes não fazem parte dos seus costumes. “A introdução de outros alimentos que não são parte do hábito alimentar desses grupos é adicionada ali na alimentação escolar, e isso é péssimo do ponto de vista cultural de uma alimentação saudável”, finaliza.