Claudio Conceição: terceira dose e a disputa política
O especialista faz uma reflexão sobre como a política tem norteado o processo de imunização no país.
Claudio Conceição, Superintendente de Publicações e Editor da revista Conjuntura Econômica na FGV IBRE. FGV IBRE(Foto: Divulgação/FGV IBRE)
Nessa pandemia, nós, leigos no assunto, ficamos completamente perdidos com a profusão de informações e dúvidas que, diariamente, nos bombardeiam. Num dia, determinado estudo mostra que a eficácia de uma vacina contra a nova cepa Delta é elevada. Em outro dia, outro estudo aponta que a eficácia não é tão grande e cai com o passar do tempo. Análises, estudos, procuram explicar as razões de países com alto índice de vacinação ainda padecerem com o aumento de contágio. Quando parece que o ritmo de vacinação vai ganhar nova tração no Brasil, falta imunizante em várias capitais.
A expectativa de que a Fiocruz passaria a produzir a AstraZeneca caiu por terra, sendo jogada para novembro, quando setembro era o mês que vinha sendo sinalizado. Expectativas que se frustram, incerteza, embora a situação esteja bem melhor. Parece que caminhamos para um controle mais eficaz do vírus.
Mas tudo que se refere a vacina ganhou um enorme viés político. A disputa aberta entre o governo federal e o governador de São Paulo, onde o Butantan produz a CoronaVac, é cada vez mais acirrada. De lado a lado há denúncias, como a redução de doses da Pfizer enviadas a São Paulo pelo Ministério da Saúde. Esse, por sua vez, acusa o governo Dória de ter retido mais de 1 milhão de doses da CoronaVac que deveriam ser entregues ao Programa Nacional de Imunização (PNI).
Agora, uma nova “guerra” está aberta com a intenção de se aplicar uma terceira dose, como reforço, em idosos acima de 70 anos. O ministro da Saúde Marcelo Queiroga anunciou que começaria a fazer isso a partir do dia 15 de setembro. Horas depois João Dória, governador de São Paulo, anunciou que a dose de reforço em idosos acima de 60 anos começaria dia 6 de setembro no Estado.
No Rio, onde o prefeito Eduardo Paes disse que a cidade é o epicentro da variante Delta no país – a média móvel de novos casos dos últimos sete dias encerrada dia 25 último superou os 3,3 mil –,a intenção é começar a dose de reforço em idosos que estejam em asilos e casas de repouso no dia 1º de setembro. O prefeito chegou a pedir ao Ministério de Saúde doses extras para conter o avanço da variante Delta.
Em Niterói, no Rio, o plano é mais ousado: começar a vacinação em idosos nesta sexta-feira, dia 27. A terceira dose de reforço já vem sendo aplicada em alguns países, como Israel, Estados Unidos, Chile.
O grande problema de tudo isso, além dessa disputa política que antecede as eleições presidenciais do próximo ano, é a forma como o tema vem sendo tratado. O PNI deveria ser o norte para todo o país em termos de vacinação. Ocorre que são inúmeros os casos de falhas de coordenação, logística, compra de vacinas, atraso nas entregas, trapalhadas, cronogramas que não se cumprem. Começou, então, uma corrida para ver quem vacina mais rápido, com o mantra de que esse é o único caminho para se frear o avanço da pandemia. O que é verdade, mas na essência o olho está voltado às eleições de 2022: quem conseguir imunizar sua população, levando a atividade econômica, o emprego e a renda a ter um maior vigor, pode se cacifar para candidato à Presidência.
Acelerar a vacinação de adolescentes, criar passes vacinas – São Paulo anunciou a medida, o que obrigaria as pessoas a apresentar carteira de vacinação para frequentar bares, restaurantes, teatros, etc, mas voltou atrás, deixando a decisão aos donos dos estabelecimentos –, reabrir escolas, comércio, eventos culturais. Tudo se tornou uma questão política, como forma de “sair na frente”, o que demonstraria grande capacidade de gestão ante a pandemia.
Embora os números de novos casos e mortes por aqui permaneçam estabilizados, ainda que em patamares elevados, alguns estudos indicam a necessidade de uma terceira dose, dada a perda de eficácia das vacinas, embora haja contestação sobre isso, como da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nos últimos dados divulgados pela OMS, o Brasil aparece em queda no número de novos casos por semana e na taxa de mortes. Ainda assim, o país é um dos cinco maiores do mundo em termos de contaminações e um dos maiores em óbitos. O maior número de novos casos foi registrado uma vez mais nos EUA, com um aumento de 15% em comparação à semana anterior e 1 milhão de registros. O segundo lugar é hoje ocupado pelo Irã, com 251 mil casos, seguido pela Índia, com 231 mil, e 219 mil para o Reino Unido. O Brasil vem apenas na quinta posição, com 209 mil casos em uma semana, uma queda de 1%. Em termos de mortes, o Brasil continua tendo a segunda maior taxa das Américas, com 5,6 mil casos por milhão de habitantes.
O problema, como mencionado acima, é que não há uma coordenação a nível nacional para combate à pandemia. Virou um Deus nos acuda, cada um por si. Haverá vacina suficiente? O Ministério da Saúde irá destinar imunizantes aos estados para a dose de reforço, quando não chegamos nem a 30% da população totalmente imunizada?
A OMS vem criticando durante os países que que já iniciaram ou planejam iniciar a aplicação de uma terceira dose contra a COVID-19, alertando que a iniciativa vai deixar os países pobres com uma escassez ainda mais aguda de doses, e que não existem dados ainda sobre segurança e eficácia. Segundo o Our World in Data, 33% da população mundial recebeu pelo menos uma dose de vacina, enquanto 25% estão totalmente vacinadas. Apenas 1,4% da população dos países de baixa renda recebeu pelo menos uma dose.
Doses aplicadas
Por continente
(Porcentagem da população)
Fonte: Our in Data. Banco Mundial. Dados até 25/08.
Por faixa de renda
Fonte: Our in Data. Banco Mundial. Dados até 25/08.
Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS, disse, na última quarta-feira, em Genebra, que a recusa da agência em propor uma terceira dose está baseada na ciência. Mas aponta que o argumento é também moral. "A prioridade deve ser salvar vidas. Não deveríamos ter 10 mil pessoas morrendo por dia", disse. "Em termos de saúde, há um consenso de que os dados não são conclusivos.”
O diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, bateu na tecla de que não existem dados conclusivos, nem sobre a segurança da 3ª dose, nem sobre os benefícios. Ele alertou que tal iniciativa seria um "problema moral", já que deixaria milhões de pessoas pelo mundo sem doses. "É tecnicamente e moralmente errado". Tedros admite o mundo não irá sair da crise sanitária rapidamente, e que uma ação precisa ocorrer para proteger quem ainda não tomou nenhuma vacina. "É como dar mais um salva-vidas”, disse em reportagem publicada pelo site UOL.
Não resta dúvidas que caminhamos para um maior controle da pandemia, com a vida podendo voltar, ainda que não inteiramente, a condições mais normais, nos tirando dessa longa quarentena, sem ver amigos, familiares. Tudo poderia estar bem melhor se tivéssemos uma coordenação eficiente entre o governo central e os entes federativos, campanhas de conscientização sobre a vacinação, uso de máscaras. Mas isso é um sonho, nesse país em que estamos numa grave crise institucional, com muita gente jogando lenha na fogueira. Vamos ver o que acontece dia 7 de setembro.
(Fonte: FGV IBRE)