Por que as pessoas não obesas estão recorrendo a novos remédios para emagrecer?
Bruno Gualano comenta que é isso que o Centro de Medicina do Estilo de Vida da FMUSP busca entender sobre o que está gerando a alta procura desses medicamentos sem orientação médica.
Bruno Gualano, professor da Faculdade de Medicina da USP. (Foto: Divulgação)
Novas drogas para tratamento da obesidade têm sido usadas por pessoas que não são obesas e não portam a diabete tipo 2. Um estudo vem sendo realizado na Faculdade de Medicina da USP para acompanhar o comportamento dessas pessoas, que usam medicamentos análogos das incretinas, uma classe de substâncias produzidas pelo pâncreas e pelos intestinos e que regulam o metabolismo da glicose. O professor Bruno Gualano, do Centro de Medicina do Estilo de Vida (CMEV), da Faculdade de Medicina da USP, explica mais a respeito do assunto.
Drogas revolucionárias
“Acredito que não é exagero dizer que essas novas drogas vão revolucionar o tratamento da obesidade”, afirma o professor. O avanço nos métodos contra a obesidade vem em um momento de necessidade. Segundo o especialista, até 2030 a expectativa é que nós tenhamos mais de 1 bilhão de pessoas com excesso de peso e obesidade no mundo. No Brasil, em um curto espaço de tempo, a projeção é de 40% da população na faixa do sobrepeso e obesidade.
“Essas drogas vêm para nos ajudar nessa direção. São drogas que agem sobre hormônios gastrointestinais, especificamente o GLP1, que têm o papel de gerar saciedade. São hormônios que nós produzimos naturalmente quando comemos e eles geram saciedade. O que essas drogas fazem, basicamente, é estimular constantemente esses hormônios de maneira tal que a pessoa que faz o uso se sente mais saciada e come menos. Então ela tende a perder peso corporal ao longo do tempo. Fora isso, essas drogas apresentam efeitos periféricos também benéficos. Melhora na glicemia, melhora na insulinemia, parâmetros cardiometabólicos no geral. Todas as condições que estão associadas com obesidade se mostram tratadas com o uso dessas drogas”, conta.
Estigmatização da obesidade
O Centro de Medicina do Estilo de Vida (CMEV) faz um trabalho de associação da medicina com outras áreas do conhecimento, como as ciências sociais, procurando responder outras questões que também dizem respeito à qualidade de vida das pessoas obesas. “A alta procura do medicamento, mesmo sem a indicação, pode ser devida à ansiedade de sair dessa situação. Afinal, ela afeta diversas áreas da vida das pessoas. A gente sabe que quando se compara a pessoa que tem um peso aceitável, um peso dito saudável e normal, e a pessoa com obesidade, o tratamento tende a ser diferente em diversas situações. A pessoa obesa tem um pior acolhimento de saúde, enfrenta maior dificuldade de encontrar um par romântico, tem menos acesso à oportunidade de estudo, evolução de carreira; os estudos mostram isso. Então é natural que as pessoas fujam do estigma do corpo gordo, da discriminação por conta de um peso avantajado”, esclarece.
“A estigmatização do corpo gordo é um grande paradoxo da sociedade. Isso porque, ao mesmo tempo, a sociedade estimula o ganho de peso corporal, porque a gente vive numa sociedade dos processados gordurosos, cheios de açúcar, e também rica em sedentarismo, da comunidade do sedentarismo para todos os lados. Vivemos a lei do mínimo esforço. A sociedade empurra a obesidade, mas ao mesmo tempo não aceita a pessoa que tem obesidade. Então é natural que as pessoas queiram fugir disso. Nesse sentido, essas drogas podem ser uma ajuda valiosa para as pessoas que não conseguem sair da condição só a partir do estilo de vida, ou seja, de uma alimentação saudável e da prática de atividades físicas. E, realmente, muitas pessoas falham nessa tentativa. Não só por uma falha da pessoa, mas por conta do ambiente da nossa sociedade, que não proporciona situações propícias para que a gente perca peso, na verdade muito pelo contrário, né?”, elabora.
Uso benéfico
Bruno Gualano afirma que, a partir das contribuições de outras áreas do conhecimento na pesquisa desenvolvida no CMEV, foi possível observar que, apesar de não serem necessários clinicamente em alguns pacientes, o uso dos remédios em questão podem ser benéficos. “Se a pessoa faz uso daquela droga, ela precisa dela de alguma forma. Então o que a gente quer entender no nosso estudo, na verdade, é por que as pessoas que não tem finalidade terapêutica estão recorrendo a essas drogas? Qual é o sinal? Qual é o impulso? Quais são as percepções dessa pessoa? E por que elas querem essas drogas? O que elas almejam? O fato é que elas estão usando os remédios. A indústria farmacêutica não vai atrás dessas pessoas, então aqui, na academia, resolvemos ir atrás para entender justamente todos esses aspectos, de modo até a orientar um pouco melhor essas pessoas”, finaliza.