Manoel Pires, FGV IBRE: 'Seria bom avançar um pouco mais no controle dos gastos'
Coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV IBRE analisa o projeto de lei do Orçamento de 2025.
Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO) do FGV IBRE. (Foto: Divulgação)
Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público (CPFO) do FGV IBRE, analisa, em entrevista ao Conjuntura Econômica do FGV IBRE, o cenário político e econômico do projeto de lei do Orçamento de 2025.
Análises do projeto de lei do Orçamento de 2025 apontam a um alto volume de receitas extraordinárias, algumas dependentes de aprovação no Congresso, como medidas de elevação de tributos. Qual sua avaliação?
A estratégia seguida pelo governo é a mesma deste ano. O orçamento é feito seguindo a regra de despesa, e o alcance da meta fiscal é feito basicamente ampliando o volume de arrecadação a partir de uma série de medidas adotadas. Neste ano, o governo conseguiu aprovar algumas daquelas medidas, mas muitas tiveram desempenho frustrante. O crescimento econômico e a receita de dividendos estão compensando uma parte dessas perdas, mas ainda assim o quadro é bastante incerto para 2024. No próximo ano, a dependência de receitas extraordinárias continua alta, então a dificuldade deve ser semelhante. Mas a situação pode ficar mais complicada se levarmos em conta que a tramitação das medidas no Congresso deve ser difícil e que algumas das receitas extraordinárias que já frustraram este ano estão novamente contempladas nas projeções do PLOA 2025.
As projeções para PIB e inflação usadas no PL também são alvo de críticas, de estarem dimensionadas de forma a melhorar o quadro da arrecadação. Também são potenciais riscos?
Com relação ao cenário econômico, o governo tem acertado mais do que o mercado nos últimos anos. A projeção de crescimento está um pouco menor do que o apresentado no PLDO 2025, caiu de 2,8% para 2,64%. Enfim, é um cenário possível, e acho que oferece um pouco menos de risco do que antes. Por outro lado, a inflação aumentou um pouco, para 3,3%. Entendo que a questão do cenário econômico é saber se esse crescimento de 2,6% é sustentável para os próximos anos como tem sido até o momento. Existe uma controvérsia entre os analistas se isso representa aumento de potencial ou fechamento do hiato do produto. Acredito que seja mais fechamento de hiato, dado o comportamento do mercado de trabalho e o fato de que nem o investimento ou a produtividade apresentaram um desempenho capaz de explicar taxas de crescimento mais significativas. Se isso for verdade, o crescimento a médio prazo pode ser menor do que estamos verificando atualmente. De todo modo, ter isso mais claro é importante para que as projeções fiscais do orçamento sejam mais consistentes. Fechar o orçamento dependendo de hipóteses muito otimistas pode ser um fator de risco mais à frente.
Quais os pontos que consideram mais desafiadores para a tramitação do PLOA 2025 no Congresso?
O governo foi muito bem-sucedido em alguns temas tributários em que havia uma narrativa de injustiça social, aliado ao combate das distorções tributárias. Quando adotou medidas em que essa narrativa não cabia, houve mais dificuldade de se aprovar a agenda. Nesse caso, tanto o JCP (Juros sobre Capital Próprio) quanto o aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) já haviam sido apresentados e o tema não avançou. Então, a informação que temos para avaliar é que são medidas difíceis. Mas existe uma discussão de taxação de big techs e de adoção do pilar 2 da OCDE, que estabelece uma tributação mínima global de 15% para evitar subtributação de empresas multinacionais. Esses temas talvez avancem.
Quais ajustes gostaria que o Congresso fizesse, pensando em um debate técnico?
A situação fiscal é delicada. A taxa de juros está alta e não há nada que sugira que irá melhorar muito no próximo ano. A dívida líquida subiu 1 ponto do ano passado para cá e a dívida bruta subiu 4 pontos. O pagamento líquido de juros está muito alto, e o déficit primário também. O déficit deverá apresentar melhora neste segundo semestre, mas estamos carregando muitos indicadores fiscais ruins por muito tempo. Recentemente, o Senado Federal aprovou um projeto de renegociação das dívidas estaduais com subsídios bastante elevados. Se confirmado pela Câmara, o resultado primário desses entes deve cair. Todos os estímulos que foram dados desde a pandemia serviram para fechar o hiato do produto, de modo que é difícil contar com a melhora das contas públicas por questões cíclicas. O modelo de tax and spend adotado pela nova regra fiscal tem ajudado a fechar o hiato do produto, mas ainda não surtiu efeito em controlar a dívida. Apesar de todo o esforço do governo, está difícil fechar as contas e o PLOA 2025 espelha essa situação. Se as receitas não vierem, muito provavelmente o governo terá que fazer alguns contingenciamentos. Então seria bom avançar um pouco mais no controle dos gastos. É importante que o governo, na margem, avalie melhor suas decisões de ampliação de gasto.
No caso das emendas impositivas, estão orçados R$ 39 bilhões para 2025. Como administrar o conflito em torno das mesmas e engatar um ajuste de rota?
As emendas positivas são um capítulo à parte e são muito mais um problema de forma do que de conteúdo. O Congresso tem que participar do processo orçamentário, mas ele não deve fragmentar as políticas públicas, nem canibalizar o parco espaço fiscal que existe. O STF já interviu duas vezes, mas o último acordo não parece que resolverá a questão, porque serviu para acomodar os vários interesses envolvidos (leia mais aqui). Então, devemos ver mais alguns conflitos se repetindo, em que o governo tenta se defender do avanço do Legislativo, mas ainda sem que haja uma reorganização do processo orçamentário. O governo no início do mandato falou em reforma orçamentária, mas não há nenhuma pista do que seria isso.