Livio Ribeiro: 'Consideramos que o mercado de trabalho está sobreaquecido, mas o efeito sobre a inflação está em aberto'
Pesquisador do FGV IBRE afirma que tal dinamismo representa um tema sensível à condução da política monetária.
Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE. (Foto: Divulgação/FGV IBRE)
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho apontou um saldo líquido de 188 mil postos de trabalho com carteira assinada em julho. O resultado foi menor do que em junho, quando o saldo foi de 250,9 mil, mas em comparação com julho de 2023 representou uma alta de 32,3%. Com esse resultado, o Brasil registra um saldo de 1,8 milhão de empregos com carteira assinada no acumulado de 12 meses.
Livio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE, afirma que tal dinamismo representa um tema sensível à condução da política monetária, posto que um sobreaquecimento do mercado de trabalho pode derivar em inflação. Ribeiro reconhece que a falta de um diagnóstico fechado sobre os impactos de fatores como a reforma trabalhista de 2019 e mudanças estruturais no mundo laboral desde o choque da pandemia de Covid-19 torna mais complexa a identificação do limite saudável para os índices de emprego. “Sem isso, seria fácil afirmar que já passamos do ponto. Consideramos que o mercado de trabalho está sobreaquecido, mas o tamanho dos desvios e seu efeito sobre a inflação estão em aberto”, diz.
Um dado que ilustra a influência da reforma trabalhista, por exemplo, é o de postos não típicos de trabalho contratados por Cadastro de Atividades Econômicas da Pessoa Física ou com carga de até 30 horas, grupo no qual estão classificadas categorias como o trabalho intermitente. No acumulado do ano, esses postos registram um saldo de 286,15 mil postos.
Entre os sinais indicados por Ribeiro que justificariam certo desconforto para o BC está o fato de que a queda do desemprego acontece mesmo com o crescimento da taxa de participação, que corresponde ao porcentual de pessoas em idade para trabalhar que de fato estão empregadas ou buscando emprego. Apesar de ainda se manter abaixo do nível pré-pandemia – no final de 2019, estava em 63,7% –, a taxa de participação tem registrado uma trajetória de alta em 2024, fechando o segundo trimestre do ano em 62,4%, 0,8 ponto percentual maior do que no mesmo período de 2023. “A culpa do baixo desemprego agora não pode ser atribuída à pouca procura por trabalho; o mercado está, de fato, forte”, afirma Ribeiro. A divulgação da PNAD Contínua de julho, marcada para amanhã (30/8), apontará se essa tendência se mantém.
Outro elemento que chama a atenção do pesquisador é a predominância da criação de empregos no setor de serviços. Em julho, os serviços responderam por 79,16 mil postos, seguido pela indústria, com 49,47 mil e, logo, o comércio, com a criação de 33 mil. Ainda que os serviços sejam o maior setor da nossa economia, o que justificaria sua vantagem sobre os demais, o setor também é reconhecido por ser pouco produtivo.
A prova do pudim estará nos resultados da PNADC para o rendimento médio do trabalhador. No trimestre encerrado em junho, esse rendimento fechou em alta de 5,8% na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior. A boa dinâmica do mercado formal de trabalho é um fator que joga a favor da manutenção de uma trajetória positiva para os salários. A questão é que, quando o aumento real de salário é maior do que a produtividade, esse processo se torna inflacionário.
Tal como destacado pelos pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli (leia aqui), no primeiro trimestre do ano a PTF – medida de eficiência econômica que leva em conta a produtividade do trabalhador e o uso do capital, como máquinas e tecnologias – registrou sinais de perda de dinamismo, com queda interanual de 1,3%, embora esteja acima da tendência observada no pré-pandemia. O monitoramento da evolução desse indicador também será chave para conferir o sobreaquecimento do mercado de trabalho.
“No cenário que se desenha, não há como a parcela salário-intensiva dos preços não acelerar: haverá mais inércia e desconforto para o BCB”, alerta Ribeiro.