Mudanças na Lei das S.A podem criar um mercado mais seguro para minoritários e debenturistas
Projeto de Lei proposto pelo Ministério da Fazenda visa proteger e amparar shareholders lesados por condutas ilícitas na direção de companhias abertas.
Daniel Caselta, Guilherme Setoguti e Gyedre Carneiro de Oliveira analisam a mudança da Lei das S.A. (Foto: Divulgação)
O Projeto de Lei 2925/2023, proposto pelo Ministério da Fazenda, retomou um antigo debate entre a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): a necessidade de reforma na Lei das Sociedades Anônimas, conhecida como Lei das S/A. Sem muitos ajustes desde 2001, a legislação volta ao holofote e pode passar por uma das mudanças mais significativas em décadas. Entre os principais objetivos do PL estão maiores possibilidades de ressarcimento de acionistas minoritários em casos de prejuízos diretos, provocados por controladores ou administradores de companhias abertas, estabelecimento de ações coletivas, fim do sigilo em arbitragens e atribuição de novos poderes à CVM.
Daniel Caselta, sócio do escritório Marchini Botelho Caselta Advogados. (Foto: Divulgação)
De acordo com Daniel Caselta, sócio do escritório Marchini Botelho Caselta Advogados, o projeto aperfeiçoa mecanismos de tutela de acionistas minoritários e debenturistas, conferindo maior segurança jurídica a esses investidores.
“Embora o PL esteja inserido no contexto das grandes fraudes ocorridas neste ano, ele é fruto de um estudo de desenvolvimento de longa data, com o intuito de melhorar o sistema brasileiro de enforcement privado dos direitos dos acionistas. A proposta é alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais em matéria de responsabilidade civil”
Uma das grandes atualizações elaborada para a Lei das S.A é a imposição de uma regra geral para reparar danos sofridos por investidores em casos de infrações à legislação ou regulamentação do mercado de capitais, sujeitando administradores e controladores a ações indenizatórias. Acionistas com no mínimo 2,5% de participação ou investimentos a partir de R$ 50 milhões estarão aptos a estes processos.
“As sentenças procedentes beneficiarão todos os investidores lesados, e não apenas os autores da ação. Com exceção, apenas, dos que tenham optado por ingressar contra a companhia responsável pelo prejuízo, de forma dolosa ou culposa, individualmente”, explica Caselta.
A possibilidade de ações coletivas, que complementam os mecanismos de proteção de investidores, também é um incentivo a essas proposituras, estabelecendo um prêmio de 20% sobre o valor da indenização aos autores do pedido.
Guilherme Setoguti, sócio do escritório Monteiro de Castro Setoguti Advogados e consultor da CVM e da OCDE. (Foto: Divulgação)
Para Guilherme Setoguti, sócio do escritório Monteiro de Castro Setoguti Advogados e consultor da CVM e da OCDE para contencioso societário, o PL da Fazenda é uma iniciativa elogiável, uma vez que melhora o ambiente de proteção dos investidores nacionais. “O atual projeto de lei precisa de alguns ajustes, como é natural em qualquer processo legislativo, mas o saldo, sem dúvida, é positivo”.
O especialista ainda complementa que a Lei das S.A, como é hoje, apesar de moderna e admirada em muitos países, apresenta aspectos frágeis que devem ser corrigidos.
“Ela peca nos instrumentos que chamamos de enforcement privado, isto é, nos mecanismos de cumprimento forçado dos direitos de acionistas. Um exemplo é o regime das ações indenizatórias contra controladores e administradores. Esses regimes precisam ser melhorados, e o projeto de lei está atacando esses pontos”.
Em concordância, a sócia-fundadora do Carneiro de Oliveira Advogados Associados, Gyedre Carneiro de Oliveira, indica que, embora a Lei preveja vários direitos e responsabilidades às companhias, os atuais mecanismos legais para ressarcimento de prejuízos causados a investidores não se mostram tão eficazes na prática.
Gyedre Carneiro de Oliveira, sócia-fundadora do Carneiro de Oliveira Advogados Associados. (Foto: Divulgação)
“Por exemplo, a Lei das S.A, prevê que companhias podem mover ações de responsabilidade contra seus administradores, mas também prevê que a decisão sobre seguir ou não por este caminho deve ser aprovada em assembleia geral de acionistas, podendo os acionistas que representem pelo menos 5% do capital social promover tais ações de forma individual, caso a proposta seja reprovada em assembleia, com a possibilidade de recebimento de um prêmio de 5% do valor da indenização pleiteada se a ação for bem-sucedida”, contudo, de acordo com a advogada, o problema é que, em muitos casos, essas ações são rejeitadas durante as deliberações assembleares.
“E os acionistas minoritários nem sempre buscam o ressarcimento de seus prejuízos por meio de ações individuais, não só em razão da dificuldade de se atingir o percentual mínimo de 5%, mas, também, em razão do custo elevado destas ações”, acrescenta.
Por isso, as ações coletivas propostas pelo PL são tão relevantes, afinal facilitarão a atuação em conjunto de investidores em busca de ressarcimento.
“Ao mesmo tempo, elas aumentarão a pressão sobre administradores e controladores para que procurem agir sempre no melhor interesse de suas companhias e de acordo com seus deveres e responsabilidades”, afirma Gyedre.
Outro ponto de destaque, que, certamente, atribuirá maior transparência ao mercado, é a quebra do sigilo das disputas em arbitragem.
Ponto este que Setoguti, por exemplo, defende há anos, uma vez que, no seu entendimento, julgamentos societários não deveriam correr de forma sigilosa ou, no mínimo, deveriam ter o sigilo atenuado.
“Sobretudo quando se trata de companhias abertas, as arbitragens devem ser inteiramente públicas, pois é do interesse de todo o mercado ter acesso àquelas informações”, enfatiza o advogado.
Gyedre também esclarece que a própria CVM, na resolução 80/2022, cria a obrigação de companhias abertas divulgarem processos judiciais ou arbitrais baseados na legislação societária ou do mercado de capitais.
“O PL propõe a publicidade do procedimento arbitral como um todo e não apenas a obrigação de divulgação por parte da companhia, delegando à CVM a competência para regular eventuais limites a esta publicidade, inclusive para prever situações em que a confidencialidade seria admitida”, esclarece a especialista, que vê com bons olhos a publicidade, já que o conhecimento da jurisprudência arbitral seria de grande valia como instrumento educativo do mercado e de seus players.
Por fim, também merece distinção o dispositivo que pretende reforçar as competências da CVM, atribuindo novos poderes à autoridade, como de apuração de infrações, inspeções em empresas investigadas, requerimentos de busca e apreensão e compartilhamento de ações sigilosas.
Resta, agora, além de aguardar a aprovação das mudanças propostas pelo PL, saber se serão capazes de superar desafios fiscalizatórios para uma implementação efetiva. Afinal, entre as maiores dificuldades estão a apuração de práticas ilícitas e, por consequência, aplicação célere de ressarcimento às partes lesadas.
“A falta de recursos do órgão regulador, a CVM, a demora do Judiciário e das arbitragens e as interpretações restritivas podem seguir como empecilhos a uma atuação efetiva”, finaliza Setoguti