Juliana Saboia: 'Produtividade não é uma função direta do tempo, mas sim de como o tempo é utilizado'
Especialistas destacam as transformações e os desafios no novo modelo de jornada de trabalho que está sendo implementado no Brasil.
Juliana Saboia, sócia da Palco Inteligência de Mercado. (Foto: Divulgação)
A discussão sobre a semana de trabalho de 4 dias, sem redução salarial e com três dias de folga, vem ganhando destaque no cenário internacional nos últimos anos, e agora começa a ser experimentada no Brasil. Com um modelo que visa equilibrar a qualidade de vida dos colaboradores com a produtividade empresarial, essa proposta já é uma realidade em países como Islândia, Nova Zelândia e Portugal. Agora, o Brasil, pioneiro na América do Sul, dá seus primeiros passos nesse formato, com a participação de algumas empresas em um projeto piloto que promete redefinir as práticas de trabalho.
O modelo, que está sendo testado em estados como Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, segue a metodologia 100-80-100: 100% do salário, 80% do tempo de trabalho, mantendo 100% da produtividade. Este movimento é liderado pela ONG 4 Day Week Global, em parceria com a consultoria Reconnect Happiness at Work e a FGV-EAESP, e tem como objetivo enfrentar e solucionar desafios contemporâneos como burnout, dificuldade em atrair e reter talentos e a busca por maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
De acordo com Juliana Saboia, sócia da Palco Inteligência de Mercado, mentora de negócios e professora universitária com mais de 20 anos de experiência no mercado corporativo, a implementação da semana de 4 dias exige uma reavaliação profunda dos processos internos das empresas.
“Não se trata apenas de reduzir a carga horária, mas de otimizar o uso do tempo e dos recursos disponíveis, eliminando atividades que não agregam valor e focando no que realmente importa para a organização", explica.
O processo de implementação desse modelo não é simples e envolve uma fase preparatória que pode durar de 3 a 6 meses. Durante esse período, as empresas devem se concentrar na adaptação organizacional e na sensibilização das equipes e gestores para a nova forma de operar. Essa preparação é fundamental para garantir que o modelo possa ser testado de maneira eficaz ao longo dos seis meses seguintes.
Mariana da Rosa, sócia da Palco Inteligência de Mercado e doutora em Administração, mestre em Administração e Marketing pela UFRGS e administradora, com foco em Gestão para Inovação e Liderança pela UNISINOS, enfatiza a importância da semana de 4 dias como uma oportunidade estratégica para as empresas, que precisam se ajustar às demandas emergentes do mercado de trabalho contemporâneo.
"A semana de 4 dias é uma oportunidade para as empresas se adaptarem às novas exigências do mercado de trabalho, especialmente em um contexto pós-pandemia, onde a busca por equilíbrio entre vida e trabalho se tornou essencial, é uma chance de repensar a cultura organizacional, muitas vezes ainda presa a conceitos ultrapassados de produtividade", ressalta a especialista.
Os resultados preliminares das empresas que estão testando o modelo no Brasil são promissores. Houve um aumento de 60% no engajamento dos funcionários, melhorias significativas na saúde mental, com 78% dos colaboradores relatando menos estresse e maior felicidade, além de um notável crescimento na produtividade, com 57% das empresas relatando avanços na execução de projetos. Esses números indicam que a semana de 4 dias pode não apenas manter, mas até aumentar a eficiência operacional.
Contudo, a implementação do modelo no Brasil enfrenta barreiras culturais. A ideia de que a produtividade está diretamente ligada ao número de horas trabalhadas é um resquício da Revolução Industrial, que ainda influencia a mentalidade de muitos gestores e colaboradores. No Brasil, onde a presença física e o contato constante são altamente valorizados, a transição para uma semana de 4 dias pode ser vista como um desafio.
“O maior desafio é a mudança de mentalidade, é necessário entender que a produtividade não é uma função direta do tempo, mas sim de como o tempo é utilizado. Isso implica uma transformação na forma como as empresas veem o trabalho e os resultados que esperam alcançar”, comenta Juliana.
Para Mariana, a cultura organizacional é um dos maiores obstáculos para que o modelo seja amplamente aceito pelas organizações. “Em muitos casos, ainda existe a percepção de que menos tempo no escritório significa menor comprometimento, no entanto, os dados mostram que, quando bem implementada, a semana de 4 dias pode resultar em maior engajamento e, consequentemente, em melhores resultados”, salienta.
As especialistas informam ainda, que, além dos desafios culturais e organizacionais, há também uma necessidade de reavaliar como o tempo é gerido dentro das empresas. Para as empresárias, reuniões desnecessárias podem ser substituídas por comunicações mais objetivas, e processos operacionais podem ser automatizados, permitindo que os funcionários se concentrem em atividades que realmente agregam valor.
“À medida que mais empresas brasileiras aderem ao modelo, a expectativa é que a semana de 4 dias se torne uma tendência dominante, especialmente entre as organizações que buscam atrair as novas gerações de trabalhadores, que valorizam o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Muitos profissionais das gerações millennials e Gen Z enxergam que produtividade não é sinônimo de dias a mais de trabalho e veem o modelo de 5 dias como ultrapassado”, finaliza Juliana Saboia.