Reforma tributária: exceções e hiato de conformidade definirão alíquota-padrão do IVA
Arrecadação do Imposto Seletivo; regimes específicos de tributação; tratamento favorecido aos bens e serviços elencados na PEC 45/2019 aprovada na Câmara dos Deputados; e hiato de conformidade são os fatores que vão determinar a alíquota geral, que pode chegar a 27%
Arrecadação do Imposto Seletivo; regimes específicos de tributação; tratamento favorecido aos bens e serviços elencados na PEC 45/2019 aprovada na Câmara dos Deputados; e hiato de conformidade são os fatores que vão determinar a alíquota geral, que pode chegar a 27% (Foto: Unsplash)
A reforma tributária será votada neste segundo semestre no Senado Federal, havendo grande expectativa de como ficarão as exceções à alíquota geral previstas na versão do texto aprovada na Câmara dos Deputados, como o tratamento favorecido a determinados bens e serviços. “Quanto maior o número de exceções, maior será por consequência a chamada alíquota-padrão dos novos tributos criados pela reforma. No cenário base, por exemplo, em que não há tratamento diferenciado, exceto a manutenção do Simples Nacional e da Zona Franca de Manaus, além dos regimes específicos de tributação de caráter técnico, a estimativa para a alíquota do IVA vai de 20,73% a 22,02%”, diz Waine Peron, sócio-líder de Impostos da EY Brasil. Essas porcentagens fazem parte de nota técnica publicada recentemente pelo Ministério da Fazenda.
O documento do órgão demonstra que, em um cenário de manutenção de todas as exceções aprovadas pela Câmara, a alíquota-padrão do IVA ficará entre 25,45% e 27%, dependendo do chamado hiato de conformidade, uma variável que busca refletir a diferença entre o potencial de arrecadação sobre o consumo com base na legislação em vigor (já considerando todas as exceções) e a arrecadação efetivamente obtida pela administração pública. A reforma substitui cinco tributos atuais – PIS, COFINS e IPI (competência federal), ICMS (competência estadual) e ISS (competência municipal) por dois tributos sobre o valor adicionado – CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) – e um Imposto Seletivo (federal), de caráter extrafiscal, que incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
A CBS, ainda segundo o texto aprovado pela Câmara, será de competência da União e o IBS de competência compartilhada entre Estados e Municípios. Como a CBS e o IBS terão a mesma legislação, isso significa na prática, para os contribuintes, que haverá apenas um tributo, com parte sendo cobrada pela União e outra parte por Estados e Municípios. Daí a dizer que o Brasil está adotando um IVA (Imposto sobre o Valor Adicionado) dual.
Esse IVA dual, que reúne, portanto, CBS e IBS, será cobrado por meio de uma alíquota-padrão aplicável a todos os bens e serviços, com exceção das hipóteses previstas no texto da PEC 45/2019, que são de duas naturezas. O primeiro grupo de exceções reúne regimes específicos de tributação, que são aqueles que fogem do regime normal de incidência do IVA pelo sistema de débito e crédito em todas as etapas da cadeia de produção e comercialização. Conforme nota técnica do Ministério da Fazenda, essas exceções são “de natureza técnica e existem em praticamente todos os países que adotam o IVA, não representando tratamento mais benéfico para as operações sujeitas aos regimes específicos”.
Já o segundo grupo de exceções diz respeito aos tratamentos favorecidos, por meio da definição de alíquotas reduzidas, que, de acordo com a versão aprovada pela Câmara, poderão ser de 40% da alíquota-padrão estabelecida para a CBS e o IBS e, em alguns poucos casos, alíquota zero. “Ainda que haja exceções no novo modelo, elas são menores do que as do sistema tributário atual que foram estabelecidas por meio de alto número de alíquotas diferenciadas, regimes especiais e benefícios fiscais”, afirma Peron. “A simplificação do sistema tributário deve gerar crescimento adicional de 2,39% do PIB brasileiro entre 2027 e 2032, na comparação com as previsões de crescimento no regime tributário atual, de acordo com estudo do IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]”, completa.
Fatores que vão determinar a alíquota-padrão do IVA
Ainda segundo a nota técnica do Ministério da Fazenda, há quatro fatores que vão determinar o valor da alíquota-padrão do IVA (ou seja, alíquota da CBS mais alíquota do IBS). O documento apresenta estimativas com base nesses fatores, já que as alíquotas exatas serão definidas após promulgação da PEC 45/2019, por meio de legislação infraconstitucional. Essas alíquotas só serão realmente conhecidas, portanto, ao longo da transição para o novo sistema tributário e serão fixadas com o objetivo de manter a carga tributária atual.
O primeiro fator que influenciará a alíquota geral é a arrecadação do Imposto Seletivo. Sua alíquota de referência deverá contribuir para manter a carga tributária total, o que só será possível se a receita da CBS, do IBS e do Imposto Seletivo for igual à receita de PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS observada atualmente. Nas simulações de alíquota-padrão do Ministério da Fazenda, o Imposto Seletivo incidiu sobre fumo e bebidas. O segundo fator é a arrecadação que virá por meio da tributação dos bens e serviços sujeitos aos regimes específicos de tributação previstos na PEC 45/2019, que são combustíveis, serviços financeiros, operações com bens imóveis, compras governamentais e serviços de hotelaria, bares e restaurantes, entre outros.
O terceiro fator que afetará a alíquota-padrão é o escopo do tratamento favorecido dispensado aos bens e serviços elencados na PEC 45/2019, sobretudo por meio de redução da alíquota. A lógica é a seguinte: quanto mais bens e serviços contemplados pelo tratamento favorecido e quanto maior a redução da alíquota, maior terá que ser a alíquota-padrão para manter a carga tributária atual. Por fim, como quarto fator, o hiato de conformidade já citado, que é formado por quatro elementos: grau de sonegação; grau de elisão fiscal (perda de receita por causa de interpretações divergentes entre contribuinte e fisco sobre a legislação); grau de inadimplência (diferença entre imposto declarado e recolhido); e perda de receita devido à judicialização.
Para a alíquota-padrão de 25,45% do IVA, cenário chamado pelo Ministério da Fazenda de factível, o hiato de conformidade considerado foi de 10%. Já para a alíquota-padrão de 27%, no cenário denominado conservador, o hiato foi de 15%. Ainda de acordo com o órgão, esse hiato no novo sistema tributário será muito menor do que o registrado atualmente. Isso porque, com a simplificação da legislação, haverá menos alíquotas e regimes especiais, o que contribuirá para reduzir o espaço para elisão e judicialização, dois dos elementos formadores do hiato.