Excesso de exames sem avaliação médica criteriosa do paciente é um equívoco
Jesus Paula Carvalho considera que há atualmente uma inversão do ritual médico e que a prática de se fazer exames sem indicação não tem respaldo na literatura científica.
Prática de se fazer baterias de exames laboratoriais antes de uma avaliação médica criteriosa, não tem respaldo na literatura científica. (Foto: Freepik)
Qual é a diferença entre exames de rotina e um plano de cuidados? Os exames de rotina são apenas a parte mais visível, porém menos importante, de um plano de cuidados. A prática muito comum de se fazer enormes baterias de exames laboratoriais (check-up) antes de uma avaliação médica criteriosa, não tem respaldo na literatura científica. Jesus Paula Carvalho, do departamento de Obstetrícia e Ginecologia, Faculdade de Medicina da USP, e médico chefe da equipe de ginecologia oncológica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), explica:
“É o mito de achar que o exame de laboratório é o que vale. Na verdade, o que vale é uma avaliação criteriosa e isso está se perdendo”.
Exames de rotina
Segundo Carvalho, existe um uso equivocado do conceito: “São exames que se faz numa população para detectar uma doença que é frequentemente grave e que as pessoas não têm nenhum sintoma”. Um exemplo clássico de um exame de rotina é o exame de Papanicolau: as mulheres não sentem nada, mas têm o câncer e não estão sabendo. Esse exame, quando feito, serve para detectar e tratar essas mulheres, e é útil pois existem estudos consistentes que demonstram que o contexto de sintomas, risco e frequência da doença exige um exame.”
Mas não são todos os casos que são de rotina. Na verdade, como o médico explica, são poucos os exames que podemos chamar de rotineiros. E além de ter o intuito de comprovar ou afastar uma doença possível, é importante ressaltar que “isso obrigatoriamente deve partir do médico e não do paciente. Ir no laboratório e pedir para fazer 50, 100, 200 exames na tentativa de achar que com isso está cuidando da sua saúde, esse é o grande equívoco”, diz Carvalho. Fazer tantos exames não fará com que a saúde de ninguém melhore, mas também é gasto inútil de recursos.
A prática médica
O médico levanta a questão de se recuperar a importância do ritual da consulta médica. Uma queixa dos pacientes é de que os médicos muitas vezes passam boa parte do tempo preenchendo papéis e que não “examinam a fundo”, não tocando o corpo, por exemplo. Mas Carvalho diz que na profissão está previsto um processo de avaliação e investigação, e que com frequência não é necessário pedir exames ou tocar o corpo. Ou seja, as perguntas feitas no consultório, quase em forma de interrogatório, são de extrema importância para a consulta, até mais do que um exame isolado.
A consulta segue um roteiro geral que serve para que o médico tenha um mapa mental do caso, recolhendo as informações necessárias para traçar o caminho mais provável de diagnóstico e cura. Carvalho comenta exemplos desse ritual médico: “A queixa, a história da moléstia atual, como a doença se desenvolveu, os antecedentes daquela pessoa, a história da família, porque cada pessoa é diferente, tem hábitos, toma medicações, exercita-se e alimenta-se diferente”. A partir disso, caso o especialista julgue necessário, pode-se pedir exames como forma de complementar a avaliação; não devem ser, portanto, um ponto de partida para a análise.
O caso dos marcadores tumorais no câncer de ovário, que é uma doença gravíssima, é um exemplo do que o médico quer dizer. Existe um marcador tumoral chamado CA 125, uma proteína, que pode indicar câncer de ovário se estiver elevada. Mas não é o paciente que vai fazer essa avaliação: “Se todo mundo sair pedindo [testes de] CA 125 não vai saber que tem situações que são totalmente normais e que elevam também. Se o médico não fizer essa avaliação, esse indivíduo vai achar que está com câncer de ovário”, diz o especialista. Segundo ele, há atualmente uma “inversão total” do ritual médico, e que exames laboratoriais são adicionais para um médico, não sendo responsabilidade do paciente cuidar disso.