Transição energética é prejudicada pelo pacote de tarifas de Trump

Equipamentos para alternativa energética, produzidos principalmente na China, são afetados pela guerra tarifária.

Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da USP (1)Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da USP. (Foto: Divulgação)

A recente política tarifária do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, continua repercutindo em escala global e tem afetado duramente o setor de transição energética. As tarifas impostas têm como objetivo central reduzir o déficit comercial dos EUA, em especial com a China. Essa medida, no entanto, atinge diretamente setores estratégicos, como os de tecnologias ligadas à transição energética, colocando em xeque esforços globais para reduzir as emissões de carbono, uma vez que grande parte das tecnologias desse campo é desenvolvida pelo gigante asiático.

Em entrevista à Rádio USP, o professor Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da USP e também da Escola de Comunicações e Artes, analisou em detalhes os efeitos dessa medida no mercado internacional e nas políticas ambientais e científicas dos Estados Unidos. Segundo o professor, a China ocupa hoje uma posição de destaque na produção de equipamentos para a transição energética, como placas solares, baterias e sistemas de controle:

“Muitos desses produtos são desenvolvidos tecnologicamente nos Estados Unidos, mas sua produção foi deslocada para a China há anos”. Assim, a imposição de sobretaxas acaba afetando diretamente esses itens, encarecendo sua importação e, por consequência, desestimulando seu uso nos próprios EUA.

Côrtes destaca, porém, uma contradição nesse cenário: os dólares recebidos pela China nessas transações costumam ser reinvestidos em títulos da dívida americana. Ou seja, a própria China ajuda a financiar o déficit público dos EUA: “Isso parece que não passa pela cabeça do Trump ou da sua equipe. Ele pensa de uma maneira mais imediatista no sentido de zerar esse déficit”.

Interesses Internos 

Entre os poucos itens temporariamente poupados pelas tarifas estão as baterias, fundamentais para celulares, notebooks e carros elétricos. Côrtes aponta que a taxação desse produto poderia afetar empresas aliadas a Trump, como as de Elon Musk. Além disso, ele aponta que a suspensão temporária visa a dar tempo para que essa produção seja transferida para os EUA. Contudo, essa expectativa é considerada irrealista pelo professor: “Não vai acontecer, porque o desenvolvimento de uma planta industrial pode demorar vários anos. Não é uma coisa que se consiga no mês para o outro, não é uma coisa rápida”.

O professor destaca a falta de alinhamento de Trump com os objetivos de transição energética internacionais:

“A política pode ser resumida como ‘drill baby drill’, ou seja, ‘vamos perfurar e obter mais petróleo’. Porque, na verdade, ele não acredita na necessidade de uma transição energética”.

Os impactos não se limitam ao setor industrial. O desmonte de políticas ambientais afeta também a ciência. Côrtes cita cortes de financiamento a agências como a NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica), que tem papel central em previsões climáticas que orientam decisões na agricultura, na gestão hídrica e na geração de energia.

“Ele cancelou, retirou uma parte dos fundos mandados para a NOAA, e estava desmontando uma das equipes ligadas exatamente à pesquisa de resiliência, de adaptação às mudanças climáticas”, explica.

Para o professor, o corte nos investimentos em ciência reflete o ceticismo de Trump em relação às mudanças climáticas.

“Ele julga que é uma invenção internacional para prejudicar o desenvolvimento dos Estados Unidos, quando, na verdade, a pesquisa sobre mudanças climáticas nasce nos anos 70 em universidades americanas.”

Quem é afetado por isso?

O professor explica que a guerra tarifária afeta a China e os Estados Unidos, mas não necessariamente os outros países que queiram comprar esses produtos: “Isso não vai encarecer os produtos que nós compramos no Brasil. Quem esteja investindo em energia, ou pretenda investir em energia solar, energia eólica, e que dependa desses equipamentos importados da China, não vai sofrer nenhum problema. Na verdade, pode até haver uma tendência de redução de preço, porque haverá uma maior oferta desses equipamentos no mercado, à medida que as compras americanas serão reduzidas exatamente por conta desses sobrepreços”.

Ele finaliza apontando para um maior prejuízo para o país norte americano: “Vai encarecer os produtos americanos na China e vai encarecer os produtos chineses nos Estados Unidos. No meu entendimento, quem sai mais prejudicado são os Estados Unidos, porque eles dependem muito da compra de itens de produção industrial chinesa”.