Rachel Biderman: o Brasil tem condições de ser líder e player internacional no agronegócio
Advogada com ampla experiência na área de Direito Ambiental, avalia as condições do país no setor do agronegócios, e reforça a importância da agenda para gerar transformações de impacto positivo.
Rachel Biderman destaca avanços da agenda de restauração. (Foto: Divulgação)
Desde 1987, a Conservation International (CI) trabalha para conservar ecossistemas, destacando seus benefícios para a humanidade e a economia. Combinando trabalho de campo com inovações em ciência, política e finanças, a organização tem apoiado a proteção de mais de 6 milhões de quilômetros quadrados de terra e mar em mais de 70 países. O trabalho com foco nas Américas tem grande importância, como aponta nesta entrevista Rachel Biderman, vice-presidente sênior para as Américas da Conservation International.
Rachel já atuou na liderança de importantes iniciativas, como o World Resources Institute Brasil (WRI Brasil) e o Centro de Estudos de Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces). Foi integrante do Conselho de Gestão Ambiental do Estado de São Paulo e dos conselhos das seguintes organizações: WWF Brasil, Greenpeace Brasil, Instituto de Defesa do Consumidor e Fundação Futuro Latino Americano do Equador.
Advogada com ampla experiência na área de Direito Ambiental, é doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Internacional, com enfoque em Meio Ambiente, pela Washington College of Law, da American University, e bacharel em Direito pela USP.
É autora de vários textos e artigos, e do livro “Democracia, Cidadania e Proteção do Meio Ambiente” e coorganizadora da publicação “Guia de Compras Públicas Sustentáveis – Uso do poder de compra do governo para a promoção do desenvolvimento sustentável”.
Neste momento, Rachel lidera inúmeras iniciativas de regeneração na America Latina. Ela afirma que o Brasil tem plenas condições de ser um líder em conservação, restauração, bom uso dos ecossistemas e, ainda, seguir sendo um player internacional importante no agronegócio.
O Brasil pode se preparar para enfrentar melhor os efeitos das mudanças climáticas? Como?
O Brasil tem plenas condições de ser um líder nesse espaço, de fomentar a conservação, restauração e o bom uso dos ecossistemas e, ao mesmo tempo, alimentar cadeias importantes do agronegócio, do qual nossa economia tanto depende.
Temos as políticas públicas necessárias, apenas precisamos implementá-las devidamente, investir mais nos modos de produção mais sustentáveis e adequar as políticas de crédito agrícola, industrial e energético para a lógica de baixo carbono. Precisamos dar o passo definitivo para o Brasil do futuro. Só que isso ainda não acontece na escala que precisamos. Porém, as novas gerações já vêm com um “chip atualizado”, o que traz muita esperança.
Precisamos acordar para o fato de que sustentabilidade – a construção de um futuro sustentável – não é conversa de românticos, idealistas. Este é um tema central na tomada de decisão das grandes empresas, dos grandes conglomerados. Basta ver a agenda do World Economic Forum (WEF) para constatar como esses temas da agenda da sustentabilidade estão entre as principais preocupações das maiores lideranças globais. Apenas políticos e líderes com visão sobre sustentabilidade podem colocar o Brasil na liderança destes e outros temas.
Quais são os riscos reais para a economia e o bem-estar dos brasileiros caso isso não aconteça?
Perderemos competitividade, investidores – o que já vem acontecendo há alguns anos –, e ficaremos para trás na corrida tecnológica. Tampouco conseguiremos preparar as próximas gerações para as profissões do futuro. Enfim, só posso prever retrocesso. Veja países vizinhos que pararam no tempo e estão com muita dificuldade para se reerguer.
Vivemos crises simultâneas: climática, sanitária, econômica, política. Quem não entende desses desafios tomará decisões equivocadas, seja no nível empresarial, municipal, estadual ou federal, seja nas universidades, escolas e nos tribunais.
As lideranças precisam ser inclusivas, pensar em todos os grupos sociais e sua evolução, e ter um olhar de longo prazo. Precisam ter uma visão que congrega os aspectos sociais, ambientais e econômicos, transparência, equidade, boa governança, enfim, não podem estar alheias aos inúmeros desafios que enfrentamos. E só quem enxerga as complexidades e trabalha em equipes amplas e multidisciplinares, multigeracionais, muito inclusivas, poderá dar conta de ser um líder vencedor nessa corrida.
Qual o papel da liderança das empresas nesse contexto?
Grandes empresas hoje são maiores que muitos países em termos de PIB. Têm influência nos rumos políticos, econômicos, sociais de muitos países. Suas lideranças precisam pensar com a lógica da geopolítica. Líderes de grandes empresas, para serem bem-sucedidos, precisam ter visão e compromisso de longo prazo, e isso se conecta necessariamente com os desafios da sociedade.
Primeiro: não basta pensar apenas no ‘bottom line’ financeiro. As empresas médias e pequenas têm igual importância estratégica, geram a maior parte dos empregos, estão no meio das cadeias e são chave para torná-las sustentáveis, mas elas não operam isoladamente. Lideranças do setor privado precisam assumir um papel de liderança como atores de transformação, pois suas decisões impactam o presente e o futuro de suas cidades, comunidades, do seu país. Temas críticos para assumirem como prioridade incluem os impactos das empresas sobre o meio ambiente local e global, pobreza, segurança e saúde. Os líderes empresariais são nossos maiores aliados para superarmos as distintas crises que vivemos.
Segundo: devem trabalhar de mãos dadas com lideranças de outros setores. Hoje temos um excelente exemplo no País de lideranças unidas em torno de agendas concretas, a Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, em que representantes de empresas e do terceiro setor se uniram a especialistas para traçar um novo modelo de desenvolvimento econômico para o País no que tange ao uso da terra e o setor de agronegócio. Esse grupo construiu de forma colaborativa inúmeras soluções baseadas numa visão de economia de baixo carbono e compromisso com o futuro do Brasil. Se tivermos mais atores comprometidos com essa visão, vamos ter sucesso na superação de tantos desafios. A pandemia nos deixou mais conscientes sobre a gravidade da destruição da natureza, dado que a origem do vírus está ligada à degradação ambiental. Combater os desequilíbrios que causaram esse vírus, e outros que virão, está nas mãos das lideranças das empresas, dos governos, das instituições do mundo todo. E só resolveremos se agirmos juntos, de forma colaborativa.
Terceiro: tornou-se inadiável a introdução das variáveis ambientais, sociais e de governança na tomada de decisões das empresas. Investidores entendem bem os aspectos de riscos associados às três letras ESG e buscam oportunidades para investir em negócios que reflitam tais condições. Muito do que se construiu no movimento ESG origina-se nas demandas de movimentos sociais e ambientais em busca de equidade, visão de longo prazo, ética e sustentabilidade da vida no planeta. Hoje, em grandes conferências mundiais, os temas ESG estão no centro das discussões e acordos. Se bem observarmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) promovidos pelas Nações Unidas e sua tradução para o movimento ESG, verificaremos que a humanidade encontrou maneiras de introduzir nas bases da economia os elementos necessários para solucionar as principais crises globais que enfrentamos.
Finalmente, após a pandemia da covid-19, o movimento ESG ganha ainda mais força. Precisaremos adicionar elementos do desafio sanitário nos modelos ESG. Tratar o ‘bottom line’ financeiro junto com as dimensões sociais e ambientais é a única maneira para encontrar sustentabilidade em longo prazo. Essa visão se espera das lideranças empresariais nos dias de hoje.
No entendimento da CI, que papel tem o continente em relação à crise climática e hídrica global? E qual o papel do Brasil?
Abrangendo dois continentes, a região das Américas abriga paisagens terrestres e marinhas repletas de tesouros naturais. Seus vastos recursos de água doce, biodiversidade abundante e ecossistemas ricos em carbono – incluindo a floresta amazônica – ajudam a mitigar os piores efeitos das mudanças climáticas. Mas as Américas enfrentam desafios tremendos: desmatamento, poluição, destruição de habitats, mineração e pesca predatórias, entre outros. Conhecedora desses desafios, a Conservation International escolheu trabalhar nas Américas há mais de trinta anos e vem atuando para restaurar ecossistemas críticos e proteger a natureza e, ao mesmo tempo, gerar emprego e renda em comunidades rurais em áreas de habitats críticos.
A Amazônia, maior floresta tropical do mundo, é compartilhada por nove países de nossa região e está gravemente ameaçada. Hoje já se degradou 17% da Amazônia, e, se chegarmos aos 20% de destruição, atingiremos um ponto de não retorno, com sérias consequências para a diversidade de vida e para o equilíbrio do clima no planeta. Muitas espécies já estão ameaçadas de extinção com o aumento do nível da temperatura que atingimos até agora. Muitas mais serão extintas ao atingirmos os 20% de destruição. A CI trabalha em sete dos nove países amazônicos, com equipes nos territórios e com parceiros, incluindo empresas, comunidades indígenas, quilombolas e pequenos agricultores, numa visão que compatibiliza desenvolvimento econômico com a conservação ambiental e a qualidade de vida das pessoas e dos animais.
Não podemos esquecer que mais de 40 milhões de pessoas vivem na região amazônica, em nove países, e hoje é fundamental equilibrar a conservação dos ecossistemas com a geração de emprego e renda para as suas populações. Sabe-se que é possível compatibilizar isso tudo, basta que se adote um modelo de desenvolvimento que considere as diferentes dimensões (ambiental, social, climática, econômica, saúde pública, espiritual, entre outras). Fala-se de um modelo de bioeconomia, o que inclui produzir, conservar e restaurar, gerando bens e renda, de forma equilibrada. Ainda de fato é possível fazê-lo, e entidades como a CI, e um enorme conjunto de outras entidades, trabalham arduamente para fazer essa nova visão de mundo acontecer – seja diretamente ou através de inúmeras alianças e plataformas que existem na região para isso se tornar realidade (por exemplo: Aliança pela Restauração da Amazônia; Coalizão Brasil, Clima Florestas e Agricultura; Concertação pela Amazônia; ONGs pelo Pacto de Leticia – LPIG Group; Mapbiomas; RAISG; COICA; COIAB; APIB; FILAC; FAS; etc.).
O Brasil tem muito a colaborar com a solução do desafio climático no campo da agropecuária. Desenvolvemos técnicas para melhorar a produção sem avançar sobre a floresta. Entre elas, destaco:
Recuperação das pastagens degradadas – o País tem entre 30 milhões e 100 milhões de hectares de pastagens degradadas, além de outros 24 milhões de hectares de áreas improdutivas, que podem ser recuperadas.
Intensificação da pecuária – em 2015, a produtividade da carne era de 45 quilos de carne por hectare, hoje temos tecnologia para passar a 200 quilos por hectare, produzindo muito mais no mesmo espaço.
Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLFP), técnica que permite integrar, num mesmo espaço, produção agrícola, criação de gado e silvicultura. No Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu com o aumento de 5 milhões de hectares de sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta até 2030.
Sistemas agroflorestais, que combinam espécies florestais, como árvores frutíferas ou para madeira, com as lavouras tradicionais, permitindo que, enquanto as árvores não crescem e dão frutos, o sustento da propriedade provenha da agricultura, produzida em consórcio com as árvores.
Quais são os grandes objetivos da Conservation International na América Latina?
Nas Américas, trabalhamos para promover a conservação da natureza em prol do equilíbrio climático, crítico para o desenvolvimento econômico da região, e também pelo equilíbrio e proteção dos oceanos. Hoje, atuamos em 19 países, com escritórios e equipe em nove países (México, Costa Rica, Guiana, Suriname, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Brasil).
Atuamos nas soluções climáticas baseadas na natureza (NCS – sigla em inglês para Nature Climate Solutions), para estabilizar o aquecimento abaixo de 2°C. A CI se concentra em ações para conservar, restaurar e administrar de forma sustentável os ecossistemas naturais, como florestas, pântanos, manguezais, para ajudar a garantir soluções que a natureza oferece que permitem evitar os piores cenários climáticos, sempre levando em consideração o bem-estar das pessoas. Atuamos também na originação de negócios de carbono, na restauração em larga escala de florestas e outros ecossistemas, e na promoção da agropecuária sustentável.